Todos os cenários imediatos parecem terríveis para a Europa, e tudo dependerá de como Putin irá mover as peças.
A Rússia pode ter dado uma mordida maior que a boca na Ucrânia. A Crimeia é um alvo estratégico óbvio. Não apenas pela esmagadora maioria russa (não apenas de falantes, mas étnica), mas pela importante base russa local e pela posição geográfica. A questão é que as demais regiões russas, como Odessa e mais para o leste, se engraçaram também e ameaçam declarar independência. Seja individualmente, como bloco, seja para independência de fato ou para se encaminharem para a “Mãe Rússia”.
Um problema inicial nessa jogada é que uma parte significativa da população do leste fala russo, fato, mas é ucraniana. E não se pode desprezar os que são e falam ucraniano. Serão expulsos? Mortos? Silenciados?
Outro problema, maior, é o “o que fazer?” para a Rússia. Anexar? Fazer as vezes de mãe e apoiar um protetorado? Depois de incitar, mandar os russos locais irem de volta para (o domínio de) Kiev rezando para não ter retaliação?
A Rússia se meteu em um jogo complicado. Há alguns anos entrou em guerra contra a Geórgia e disso surgiram duas novas repúblicas, a Abkhazia e a Ossétia do Sul. Mas estamos falando do Cáucaso, não do coração da Europa, e de duas regiões que já vinham em um processo de separação da Geórgia, apenas facilitado ou acelerado (ou mesmo tornado inconteste) pela ação russa.
Na Ucrânia a situação é bem diferente. Pode-se até comentar sobre os brios nacionalistas dos russos da Crimeia, mas é difícil explicar uma separação do leste ucraniano como um todo.
Fora, claro, a questão do balanço geopolítico. A análise é difícil. A Ucrânia não é uma república bananeira, não fica no “instável” oriente médio. É Europa. É vizinha da UE, é zona de influência da UE. E não tem o histórico de instabilidade étnica/religiosa/linguística que a Iugoslávia, para justificar o que vem acontecendo.
Apesar disso, a Crimeia conta não apenas com uma ampla maioria de russos e uma minoria ucraniana, mas também com tártaros, e estes são cerca de 12% da população. Os tártaros habitam a península desde o século XIII, e foram deportados por Stálin, acusados de colaborar com os Nazistas nos anos 40, e apenas recentemente puderam retornar a suas casas. Escaldados, preferem permanecer com a Ucrânia.
A separação da Iugoslávia foi pesado para a Europa, questões mal resolvidas como Kosovo e mesmo a tensão na Bósnia ainda preocupam o continente, e denunciam a falta de habilidade/capacidade da União em resolver seus problemas e os problemas de sua área de influência imediata. Tudo que a Europa não precisa é de uma nova Iugoslávia sem que lições anteriores tenham sido aprendidas.
O pior para a UE é que não há espaço para manobras. Estão nas mãos dos russos. A Ucrânia sozinha não tem capacidade de enfrentar a Rússia: nem militar, nem diplomaticamente. Os EUA, distantes, não tem interesse em bater de frente – e nem podem -, passando por cima da UE e tentando dialogar com Putin, conhecido por fazer o que quer e com um hábil Lavrov na política externa. Tudo que os EUA poderiam fazer nesta altura é propor sanções, mas… seria a morte da UE.
E quando digo morte, falo literalmente. De frio. A Alemanha, por exemplo, importa mais de 30% de gás natural da Rússia, via Ucrânia. A Polônia, mais de 50%. Finlândia e Suécia, 100%. No momento em que sanções forem impostas à Rússia, acabou o gás.
Pensando na Ucrânia em si, a Rússia, se quiser, tem capacidade bélica de dominar rapidamente todo o leste do país e garantir a segurança (sic) da população russa e russo-falante, mas nada garante que a minoria regional insatisfeita não possa aderir às táticas de guerrilha financiada pelo que restar da Ucrânia. E vale lembrar que o país também depende do gás russo. O resultado poderia ser a interrupção no fornecimento de gás para a Europa, danos à infraestrutura.
Todos os cenários imediatos parecem terríveis para a Europa, e tudo dependerá de como Putin irá mover as peças e, ao que parece, mesmo ele se encontra em xeque – e ele é o único culpado.
Raphael Tsavkko Garcia
Formado em Relações Internacionais (PUC-SP), mestre em Comunicação (Cásper Líbero) e doutorando em Direitos Humanos (Universidad de Deusto).
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