Autópsia de uma indignação
O petismo é realmente genial: atraiu contra si as duas forças mais dinâmicas de junho/2013.
No domingo, o pronunciamento da presidente Dilma foi recebido a paneladas em diversas capitais do País. “Foi a elite”, disse o petismo. Na terça-feira, montadores de stand vaiaram a presidente na abertura do Salão Internacional da Construção. E aí o argumento elitista caiu por terra, pelo menos para quem sabe pensar.
No domingo, aquela que Álvaro Bianchi chamou de low upper class, ou seja, as camadas mais baixas dos ricos. Na terça, a classe C, a heroína do lulismo. Ambas se deram ao trabalho de expressar sua indignação contra o lulo-petismo e a presidente. Não é pouca coisa. Para desgastar tão rápido o capital político acumulado por Lula e Dilma em três mandatos, foi necessário muito esforço.
“Forças vivas” da nação
Já apontamos em outras ocasiões que a low upper class e a classe C são duas das forças sociais que dinamizaram as mobilizações de junho de 2013. A outra foi a nova vanguarda, construída por dez anos à margem do petismo nas marchas da vida. Parafraseando Dilma, desde as jornadas de junho podemos afirmar que essas são as “forças vivas da nação”.
Essas camadas sociais, que invadiram o cenário político e o desequilibraram, têm estado no olho do furacão dos principais movimentos do último período.
Por exemplo, a radicalização eleitoral do PT só faz sentido como estratégia de diálogo com essa nova vanguarda. Da mesma forma, os movimentos de Marina e Aécio se explicam a partir dos interesses da low upper class, que nunca foi petista, e de parte considerável da classe C, que começava a desconfiar do petismo.
Crise de direção
Contudo, nenhum grupo político tradicional apresenta liga com essas forças sociais.
A nova vanguarda não é petista – se muito ela é haddadista, como diz o Vinícius Justo. Da mesma forma, a low upper class não é tucana, como afirmam os petistas. Tampouco a relação da classe C com o lulo-petismo, tão celebrada por autores como André Singer, pode ser considerada orgânica: o próprio Singer a baseia em uma relação ganha-ganha.
Sinal desta crise foi a busca por alternativas. Durante parte do processo eleitoral, ela se materializou na onda Marina. Depois, na formação de movimentos independentes, como o Onda Azul, Vem Pra Rua e Revoltados Online.
Esta reorganização reflete a distância entre os interesses da low upper class e da classe C e os políticos tradicionais. Elas trazem uma nova pauta, e demandam uma nova representação.
A ruptura
Para vencer as eleições de 2014, o lulo-petismo precisava atrair para si a maior parte da classe C e a nova vanguarda. A low upper class é um caso perdido para o petismo. Por isso, o discurso combinou radicalização política e populismo social. A radicalização falava aos corações da nova vanguarda, o populismo para a classe C.
Ao final do segundo turno, o que o PT conseguiu foi petezar a nova vanguarda e dividir a classe C. Parcela considerável dos mais pobres votou nulo ou no Aécio, especialmente no Sul e Sudeste. E quem votou Dilma deu um voto de confiança nas promessas de não arrocho.
Pois foi justamente aí que o lulo-petismo perdeu a classe C. Ao implantar o arrocho que a campanha dizia desnecessário, e mirar exatamente no bolso dos mais pobres – alteração no seguro desemprego, aumento dos combustíveis e da energia – o PT rompeu com a parcela da classe C que ainda o apoiava.
Mais do que o arrocho, previsível para qualquer um mais informado, o que corroeu o pouco apoio popular de Dilma e do lulo-petismo foi o sentimento de traição. Traição que aparece nas revelações cotidianas da Lava Jato, na tentativa de tapar o sol com a peneira em pronunciamento oficial. Em suma, traição que se traduz em tudo o que o governo federal fez nos últimos meses.
Como diz a canção popular, “você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão, então chora”.