Desinformação: de Nicolau II a Lula

Mais recentemente no campo da desinformação, vimos a esquerda brasileira tentando associar os protestos do 15 de março aos irmãos Koch.


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Em 1865 um escritor francês chamado Maurice Joly escreveu um livro chamado O diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu. O livro retratava um diálogo hipotético entre esses dois personagem apenas para mascarar suas críticas às ambições políticas de Napoleão III. Anos depois, o czar Nicolau II, através da polícia secreta russa, que na época se chamava Okhrana, se utilizou desse livro para uma das mais conhecidas obras de desinformação da história, O Protocolo dos Sábios de Sião, de 1903. Apesar de ser desmascarado em uma extensa reportagem do jornal The Times de Londres, o Protocolo foi e continua a ser utilizado com peça antissemita no mundo inteiro e pelos mesmos motivos.

O uso das técnicas de desinformação serve a vários propósitos, desde criar todo um personagem, enaltecer um líder, modificar o entendimento histórico de um evento ou assassinar a reputação de um personagem incômodo. Podemos citar como criação de um líder o exemplo de Yasser Arafat, que durante muito tempo teve seu local de nascimento descrito como Jerusalém, porém hoje já se sabe que ele realmente nasceu no Cairo. A mudança de local de nascimento de Arafat foi um trabalho de desinformação executado pela KBG, que necessitava de uma liderança para a OLP.

Em que pese a desinformação ser utilizada há milênios – era costume egípcio um faraó morto ter sua história literalmente apagada das paredes pelo seu substituto – foi a NKVD/KGB que tornou essa prática uma ciência. Durante o período da Guerra Fria, havia mais militares trabalhando nos serviços de inteligência russos e de seus países ocupados do que nas forças do exército, marinha e aeronáutica juntos.

Dentre várias operações de desinformação realizadas pela KGB, uma das mais conhecidas e nefastas, cujos resultados repercutem até os dias de hoje, foi a tentativa de dizimar a Igreja Católica e, notadamente, a figura do papa Pio XII. Desde quando assumiu o poder, Stalin colocou a Igreja Católica Romana no topo de sua lista de alvos. A pergunta retórica “quantos batalhões possuem o Papa?” demonstra claramente as intenções socialistas. Para atingir seus objetivos, a KGB se utilizou de diversas técnicas em vários momentos. Logo após a guerra, a primeira tentativa veio com uma transmissão da Rádio Moscou onde a alcunha de “Papa de Hitler” foi primeiramente divulgada. Mas como a lembrança da atuação de Pio XII ainda estava bem vívida na memória de todos, a tentativa de Moscou fracassou de forma categórica. Porém, como mais tarde afirmou o general Yuri Andropov, ex-chefe da KGB que mais tarde se tornou premier russo, o processo de desinformação deve ser constante e realizado gota a gota.

Na formação da URSS, a KGB dizimou a Igreja Russa, diminuindo o número de igrejas enormemente e fazendo com que seus novos líderes fossem subordinados à sua ingerência. Em outros países anexados, efetuou diversas prisões de bispos católicos, realizou julgamentos fajutos onde religiosos eram acusados de terem sido coniventes e associados com os nazistas. Durante esses julgamentos e prisões, as residências dos religiosos eram vasculhadas em busca de qualquer documento, independente de sua relevância. Os documentos eram utilizados para a realização de falsificações que mais tarde eram utilizadas como justificativas.

Essa técnica é uma das mais importantes da ciência de desinformação: o fundo de verdade (kernel of truth). Esse fundo de verdade é utilizado para dar ares de verdadeiro em uma história que de fato foi totalmente fabricada para um propósito específico. Outro exemplo de fundo de verdade seria, por exemplo, a ida de um jornalista ao Vaticano que mais tarde afirmaria que “teve acesso a arquivos secretos”, fornecidos quase sempre por figuras inexistentes ou obscuras. Quem fosse investigar o assunto, de fato encontraria a tal viagem ao Vaticano, porém nada mais conseguiria de evidências que suportassem as outras alegações.

A KGB possuía uma vasta rede de colaboradores ávidos por ajudar a “causa” socialista, fossem eles jornalistas, políticos ou artistas. Para manchar a reputação de Pio XII, foram lançadas peças teatrais, filmes, peças jornalísticas, livros e todo tipo de material manipulado para que a noção de que Pio XII foi, no mínimo, conivente com o extermínio de judeus perecesse algo verdadeiro.

Ao avaliar a tentativa de manchar a reputação de Pio XII e da Igreja Católica como um todo, e outros processos desencadeados pela KGB, podemos ver que os ensinamentos sobre desinformação continuam muito vivos e são utilizados largamente por todo o espectro político, notadamente partidos de esquerda que tiveram não só ligações históricas, mas também treinamento efetivo nessas técnicas.

Não é necessário muito esforço ao avaliar a história recente brasileira para que encontremos diversos casos onde essas técnicas foram largamente utilizadas: o Dossiê da Pasta Rosa, o Dossiê Cayman, a Carta aos Brasileiros, o caso Romeu Tuma Jr e agora a tentativa de associar a organização Estudantes pela Liberdade (e por tabela as manifestações de 15 de março) aos irmãos Charles e David Koch, magnatas americanos. Todos esses casos possuem características de ações de desinformação com técnicas desenvolvidas pela KGB (por exemplo, nunca utilizar um documento “original”, sempre utilizar uma fotocópia do documento para que seja mais difícil averiguar sua autenticidade).

Ao se estudar essas técnicas, fica mais fácil identificar uma ação de desinformação; as evidências ficam mais claras, bem como as perguntas incômodas para desmascarar o plano. As técnicas são muito eficazes quando empregadas junto a uma mentira por um longo período de tempo (“FHC quebrou o país três vezes”). E é imprescindível para alguém que queira possuir um entendimento mais claro do processo político brasileiro conhecer essas técnicas. Citando novamente Yuri Andropov, a melhor arma para combater a desinformação é a verdade. Segundo o general, o que causou mais estrago à KGB foi a Radio Free Europe, que transmitia notícias para os países atrás da cortina de ferro. E a verdade precisa ser sempre mostrada, nem que seja gota a gota.

Amálgama




Pablo Vilarnovo

Trabalha como analista na indústria de seguros.


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MAIS RECENTES


  • Joao

    Apesar de interessante a parte histórica da desinformação, falta qualquer justificativa das acusações feitas para com os fatos mencionados da “história recente brasileira”. O que, ironicamente, faz o texto parecer ele mesmo estar a serviço da desinformação.

    • Pablo Vilarnovo

      Olá João. Os exemplos no texto foram escolhidos justamente pela publicidade que possuem. Foram largamente discutidos na imprensa, justiça ou em livros. Em razão de uma limitação de espaço, não dava para realizar um maior aprofundamento em exemps específicos. A ideia era focar mais no conceito qe mesmo assim só foi arranhado. Pretendo em outros textos aprofundar tanto nos métodos quanto nos exemplos. Obrigado pelo comentário.

  • João Paulo Rodrigues

    As técnicas de desinformação da luta política atual no Brasil tem menos a ver com manipulações feitas por um grande órgão central de inteligência de meados do século XX do que com as modernas táticas de manipulação acessórias à campanha eleitoral super-desenvolvidas nos Estados Unidos pelas redes de blogs, financiamentos dispersos e cruzados e uso das mídias sociais, como as que se viram particularmente na campanha de 2008, cujo exemplo exótico foi a acusação de que Obama era um islamita infiltrado. Aliás, para vermos como esses mecanismos estão bem espalhados pelo espectro político, é só lembrar da grande manipulação que foi a justificativa bushista para a Guerra no Iraque com base no que se sabia falso, isto é, que Hussein tinha armas de destruição em massa.

  • Luiz André

    A desinformação articulada por órgãos diretamente ligados a quaiquer formas de governo tem sido uma bela arma para desbaratar a oposição ou escamotear as deficiências de uma administração política por parte daqueles que mais representam um povo. E, com o advento das redes sociais, uma falsa verdade consegue ser transmitida em questão de segundos, fato que geralmente ocasiona mal-entendidos e correções que perdem o peso da notícia porque o que é publicado antes recebe primazia e se mantém na cabeça das pessoas. Se a internet oferece uma quantidade enorme de informações a serem debatidas, é necessário saber filtrar a notícia que não seja feita apenas para polemizar daquela que é fruto de um trabalho de pesquisa e averiguação sobre o tema publicado. Seguir um jornal, ler colunas de pessoas que conhecem o que se está debatendo e duvidando de teorias que se baseiam em um ranço tênue de verdade já é um começo para se evitar esta ideologia da desinformação,