Ao ter uma posição tíbia, o PSDB corre o risco de perder seu capital político
Maquiavel, o pensador político florentino conhecido principalmente pela obra O Príncipe, escreve o seguinte no capítulo III de seu clássico, sobre como o homem político deve tratar seus adversários quando tem a chance:
Nesses casos, os romanos fizeram o que todos os príncipes sábios devem fazer: não se concentrar apenas nos distúrbios presentes, mas também nos futuros, fazendo de tudo para evitá-los, pois, com a prevenção, é possível remediá-los mais facilmente, ao passo que, quando se espera demasiado, o tratamento não chega a tempo, porque a doença já se tornou incurável.
E prossegue o florentino, linhas abaixo, com uma passagem que é um dos pontos centrais do seu pensamento político: a guerra não se evita, mas se adia em favor de outrem.
Recentemente, o presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma entrevista falando sobre a possibilidade de impeachment da presidente Dilma Rousseff, e foi categórico em dizer que tal procedimento em nada resolve o problema do país e que não se deve exigir a saída da mandatária atual. Comparou o uso do impeachment à bomba atômica: “é para dissuadir, não para usar”. Para o ex-presidente, deve-se cozinhar Dilma a fogo brando até 2018, onde espera que a oposição ganhe as eleições. O mesmo pensa o senador Aloysio Nunes, ao dizer que prefere fazer Dilma sangrar durante o seu mandato.
O cálculo por trás da atual estratégia do PSDB de poupar Dilma é o seguinte: se o PMDB assumir a presidência, os tucanos serão chamados para avalizar politicamente a troca de poder, e perderão o papel atual de centro da oposição para se tornarem secundários atores no cenário político, tendo que ao menos serem aliados informais ao dominante dos peemedebistas, e suas chances de assumir a presidência em 2018 diminuem consideravelmente. É mais interessante, na cabeça das lideranças tucanas, fazer Dilma se arrastar durante o seu governo, e vencer em 2018 depois. O PT sem o apoio do PMDB, como costumava ter até pouco tempo atrás, ficará enfraquecido, e isso, aliado à crise econômica e à impopularidade da petista, encaminha para a volta tucana à presidência no próximo pleito.
Porém, essa estratégia prova a leitura, no mínimo, míope dos caciques tucanos sobre a situação em que vive o país hoje. O sentimento que se vê nas ruas é bastante claro: quem não está completamente contra Dilma, só pode estar a favor dela, pensa a maioria. Ao ter uma posição tíbia diante da situação presente, o PSDB corre o risco de perder um capital político que tem sido, bem ou mal, seu durante esses 12 anos: o de ser a principal opção dos descontentes com o PT. Nesse momento, surgem lideranças como Ronaldo Caiado, Eduardo Cunha e, em menor grau, Jair Bolsonaro, que têm sido vistas positivamente por terem um discurso pró-impeachment mais claro e buscarem enfrentamento político com os petistas.
Além disso, os tucanos pecam principalmente por não enxergarem a capacidade de resistência e resiliência dos petistas, que ainda possuem uma boa interlocução com diversos grupos relevantes da sociedade civil, como movimentos sociais, sindicatos, CNBB, OAB, ONGs, entre outros, além de possuírem (até agora) a máquina do Estado a seu favor. Este é o momento em que o PT pode ser derrotado e está ficando de joelhos diante de uma situação em que estão perdendo a guerra política – não conseguindo sustentar o presidencialismo de coalizão e perdendo a guerra retórica, ao não conseguir mais justificar a impopularidade do partido como algo restrito à elite, além da falência dos argumentos que tentam igualar os esquemas que haviam na Petrobrás antes e depois da posse de Luis Inácio Lula da Silva.
Desperdiçar essa chance de derrotá-los é dar tempo para o partido se reinventar dentro do poder, e utilizar os recursos financeiros do Estado para isso. Se secar a fonte de Petrobrás, certamente haverá outras fontes para manter o esquema criminoso de poder do PT funcionando. O PT afastado do governo federal neste momento ainda terá uma ampla base parlamentar, porém sua imagem estará bastante desgastada, e as feridas demorarão mais tempo para cicatrizar, pois nem Lula escaparia incólume de um processo de impeachment de sua criação, Dilma.
Diferente do que meu amigo Caio Vioto escreve em seu artigo, o PT tem pouco a ganhar caso o impeachment ocorra. O que ele pode fazer é montar estratégias de acordo com as circunstâncias para tentar sobreviver. Mas o cenário ideal para os petistas é que a ideia de impeachment fracasse, que Dilma tenha tempo para respirar e recuperar algum fragmento da popularidade perdida e jogar com o tempo para haver uma pequena melhora na economia, assim Lula volta em 2018. Ir contra o impeachment é justamente dar o tempo que o PT necessita para se reerguer, ao menos parcialmente.
O PT se agarra a dois argumentos: um, de que impeachment é golpe e uma ruptura institucional; e, dois, de que não há lideranças para colocar no lugar de Dilma.
A retirada do presidente do poder por vias legais não se configura quebra institucional, mas justamente é uma confirmação do funcionamento e da força das instituições políticas da nação. Certamente tal processo é traumático, porém não se deve eximir a sociedade de passar por essas tensões, pois conflitos fazem parte do convívio em uma sociedade democrática. A questão é que esses conflitos devem ser solucionados dentro da legislação, e por isso o impeachment é previsto por lei – para remover governantes sem necessidade de quebra da ordem vigente. E a sociedade, ao passar por esse “trauma”, em vez de sair enfraquecida, sairá com mais confiança em sua solidez democrática.
Quanto às lideranças, elas se criam justamente em momentos decisivos como o que estamos vivendo; não caem do céu prontas para exercerem um posto. Esse é o momento que o protagonismo não deve ser individual, mas sim de refazer alianças em busca de um pacto consensual para abrandar os ânimos da nação, exaltados desde 2013. Itens como saneamento da máquina pública, comprometimento com a transparência na gestão pública, reforma econômica dentro dos eixos que nortearam as bases do Plano Real são temas em torno dos quais haverá enorme consenso. Costurar esses acordos não será tarefa simples, mas é nítido que o governo Dilma Rousseff já não tem a capacidade nem legitimidade política e popular para realizar tal feito. Um outro governante, por mais desconfiança que se tenha dele, poderá mais facilmente conduzir tal processo.
Já é possível abrir o processo de impeachment contra a presidente. Em depoimento ao Congresso, Pedro Barusco confirmou que houve desvios de verba da Petrobrás para a campanha de Dilma. Ives Gandra, um dos maiores juristas do Brasil, já se posicionou a favor de impedir a presidente de exercer seu cargo. Politicamente, o PMDB, DEM, PPS, Solidariedade e outros partidos já se preparam para o longo processo que será retirar a presidente do poder.
Para Maquiavel, o homem tem que ter a virtù para aproveitar as chances que as conjunturas da fortuna lhes oferece. É vitorioso aquele que sabe agir com firmeza e estratégia diante das situações mutáveis da política. O florentino usa a metáfora da raposa e do leão, onde o homem deve ser inteligente o bastante para saber aproveitar o momento de forma sábia e adequada, atuando quando a oportunidade chega com a força impetuosa do leão.
Se o PSDB continuar com o seu argumento de defesa do governo Dilma, se comportando em última análise como linha auxiliar do PT, assim como fez em 2005, além de errar (mais uma vez) na estratégia política, corre o risco de ser varrido com as ondas que se manifestam das ruas, assim como está arriscado acontecer com o PT. Em vez de ser raposa, como aconselha Maquiavel, acabará como um cordeiro imolado no altar político, que não perdoa os que hesitam na hora de agir.
Éder Souza
Formado em História pela Universidade de São Paulo.
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