PSOL demonstra a insensibilidade da esquerda à mentalidade das classes populares que diz representar
Em seu depoimento à Denise Paraná, Lula registra vários comportamentos estranhos de militantes da esquerda clandestina que tentavam se inserir no meio operário. Entre as bizarrices, menciona uma militante que entrou no bar e pediu pinga. Chamou a atenção. “Operária não pede pinga em bar”, lembra Lula. Vinte anos depois, um amigo, militante trotskista, que trabalhava em fábrica no ABC para disputar a direção do sindicato com os herdeiros de Lula, confidenciou: “operário é conservador, bate na mulher e no filho gay”.
Esses dois casos ilustram a diferença de mindset entre a militância da extrema esquerda e o trabalhador normal. Este pode até aceitar pautas radicais no campo político e econômico, mas será conservador na pauta comportamental. E isso não é uma exclusividade brasileira: quem assistiu Billy Elliot lembra da reação do pai, líder de greve de mineiros contra Margaret Thatcher, ao saber que o filho queria estudar balé.
A explicação para isso está em O Novo Espírito do Capitalismo, escrito por Luc Boltanski e Eve Chiapello. Os autores classificam a crítica ao capitalismo em duas: crítica social, baseada na desigualdade entre ricos e pobres, e crítica estética, sobre a opressão da moral burguesa. Esta última nunca foi majoritária na esquerda, mas sim entre artistas e grupos de classe média. A aproximação entre esquerda e crítica estética teria acontecido após o maio de 1968, e ainda hoje estaria definindo a pauta da nova esquerda.
Corta para 2015. O PSOL do Rio de Janeiro elegeu como deputado o cabo Daciolo, líder da greve dos bombeiros. Desde eleito, o novo deputado tomou três atitudes polêmicas, que o colocaram em rota de colisão com o partido: alinhou-se publicamente a Jair Bolsonaro, apresentou emenda constitucional afirmando que “o poder emana de Deus”, e defendeu os assassinos de Amarildo.
O PSOL, que agora quer expulsar Daciolo, não pode dizer que não sabia. De formação militar e evangélico, não é improvável que não tenha nunca compartilhado suas opiniões com quem estava por perto. Talvez tenha passado por folclórico, e lideranças preferiram seguir em frente para dar um colorido operário a seu partido.
Mas Daciolo agora sofre críticas por operar em um extremo em temas nos quais o PSOL optou por operar no extremo oposto. E isso expõe a dificuldade da esquerda, PSOL principalmente, em dialogar justamente com os mais pobres e trabalhadores. Porque Daciolo pensa parecido com aquela classe operária conservadora de Lula e do militante trotskista acima. Talvez com um viés mais radical.
Lula foi Lula porque soube se comunicar com as classes populares e atraí-las para seu projeto de poder. A esquerda brasileira, neste momento, demonstra total incompetência neste aspecto. E aí não é só o PSOL: setores do PT defendem a mesma pauta estética como “saída para a crise” do governo Dilma. Não entenderam nada. Foi essa mesma visão tacanha que afastou os novos ativistas da esquerda em junho de 2013.
Depois não reclamem quando a nova direita, em todos os seus matizes, encher novamente as ruas em 12 de abril.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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