Os testes do tempo

Jared Diamond é um autor que deveria ser mais lido no Brasil. Sua abordagem foge tanto do eurocentrismo quanto do multiculturalismo relativista.

"O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais?", de Jared Diamond. (Record, 2014, 616 páginas)

“O mundo até ontem: O que podemos aprender com as sociedades tradicionais?”, de Jared Diamond. (Record, 2014, 616 páginas)

João Pereira Coutinho diz em seu As ideias conservadoras que o conservador defende a tradição por acreditar nas práticas que sobreviveram aos “testes do tempo”. Ou seja, entre uma inovação social cujos riscos para a sociedade são desconhecidos e um comportamento já convencional, este último seria preferível por questão de segurança.

Foi com este olhar que decidi encarar o último livro de Jared Diamond, O mundo até ontem. O autor, professor de Geografia da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), parte da análise das sociedades tradicionais – entendidas como as sociedades tribais sem contato com o mundo ocidental, como os ianomâmis – para avaliar até que ponto o comportamento moderno pode ser considerado mais ou menos seguro em relação a eles.

Diamond é um autor que deveria ser mais lido no Brasil. Sua abordagem foge tanto do eurocentrismo quanto do multiculturalismo relativista. Sua análise dos hábitos culturais e sociais parte da relação do homem com o meio ambiente, considerando a genética, a fisiologia e a disponibilidade de recursos essenciais para a vida em cada caso. Neste sentido, não há para o autor comportamento melhor ou pior em termos universais, mas sim comportamento mais ou menos adaptado às condições biológicas.

Ele já havia feito o mesmo em Armas, germes e aço, livro no qual analisa como as condições naturais podem ter influenciado padrões de desenvolvimento econômico (uma crítica embasada a Diamond se encontra em Por que as nações fracassam, de Acemoglu e Robinson). Naquele texto, ele apontava que a disponibilidade de recursos naturais que permitiam a produção de alimentos em larga escala na região do Mediterrâneo, por exemplo, havia permitido àquela região o desenvolvimento de sociedades complexas, enquanto regiões florestais demandavam sociedades mais simples para dar conta da escassez de alimentos. A mesma disponibilidade de alimentos em escala teria acontecido nas regiões da China e México (ou seja, não se trata de eurocentrismo).

Neste trabalho, Diamond olha para uma frente que se torna crescentemente politizada em nossos tempos: os costumes. Afinal, a cada dia surgem novos pleitos regulatórios sobre questões como família, educação dos filhos, alimentação, conflitos entre vizinhos, entre outros. O estado é chamado a interferir quando um pai castiga o filho, um condomínio decide reduzir o consumo de água dos moradores, ou mesmo se alguém come um Mc Lanche Feliz.

Ao olhar para as comunidades tradicionais, Diamond busca desafiar nosso senso comum em torno desses temas. Assim, descobrimos que é incomum o abandono ou assassinato de crianças (o equivalente ao aborto nas comunidades tradicionais), mães amamentam os filhos até mais de dois anos, conflitos entre vizinhos são resolvidos com foco em reatar a relação e não em uma indenização. E assim por diante.

O mais importante é que o autor não fecha a questão. Mas dá subsídios para avaliarmos nós mesmos se as escolhas da modernidade são preferíveis ou não às práticas tradicionais. Ou mesmo se aquilo que temos por tradição não seria, na verdade, um oposto mais recente a práticas consagradas nos grupos mais antigos.

Especialmente, olhar para o mundo tradicional pode ser uma vacina potente às experiências de engenharia social que volta e meia são propostas a nós. A história do mundo comunista mostra quão arriscado pode ser para as pessoas comuns um projeto de sociedade que transforma o passado em tábula rasa.



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