Até hoje nunca havíamos tido conhecimento de uma corrupção tão desenvolvida e metódica
Depois de meses de suspense, finalmente tivemos acesso aos nomes de políticos investigados na Operação Lava-Jato. Por enquanto, foram abertos inquéritos contra alguns parlamentares. De certa forma, há uma grande expectativa em torno do esquema, de suas somas vultosas e a quem ele implica. As associações imediatas provocadas pelas imagens em torno do “escândalo” nem sempre geram um entendimento sobre a substância do caso. Em síntese, o “Petrolão” funcionava da seguinte maneira:
a) algumas empreiteiras combinavam preços de obras da Petrobrás, formavam um cartel, e os contratos eram superfaturados;
b) este dinheiro (público) superfaturado servia para pagar propina para executivos da Petrobrás e operadores do esquema;
c) as diretorias da Petrobrás eram distribuídas para o PT, PMDB e PP, que indicavam seus diretores e tinham seus operadores;
d) os operadores repassavam a propina com diferentes porcentagens, de acordo com cada diretoria, para o caixa dos partidos (para financiar campanhas eleitorais) e para políticos que indicavam estes diretores.
Uma aliança entre elite política, burocracia tecnocrática e elite econômica.
A diretoria de Abastecimento era do PP, que indicou Paulo Roberto Costa. A diretoria de Assuntos Internacionais era do PMDB, que indicou Nestor Cerveró. E a de Exploração, Serviços, Gás e Energia (a mais polpuda) era do PT, que indicou Renato Duque. O operador do PP era Alberto Youssef, o do PMDB era Fernando Baiano, e o do PT era João Vaccari (tesoureiro do partido). Nas diretorias de Abastecimento e Internacional, 1% iria para PP e PMDB, e 2% para o PT. Na que correspondia ao PT, o partido embolsava os 3% integralmente. As principais obras investigadas são: a Refinaria Abreu e Lima, o Complexo Petroquímico do Rio-Comperj, a Refinaria Presidente Getúlio Vargas e a compra da Refinaria de Pasadena. Políticos de outros partidos também estavam envolvidos em torno do superfaturamento de obras.
Eis a lista dos envolvidos:
PMDB
– Senador Renan Calheiros (AL), presidente do Senado
– Senador Romero Jucá (RR)
– Senador Edison Lobão (MA)
– Senador Valdir Raupp (RO)
– Deputado Eduardo Cunha (RJ), presidente da Câmara
– Deputado Aníbal Gomes (CE)
– Ex-governadora Roseana Sarney (MA)
PT
– Senadora Gleisi Hoffmann (PR)
– Senador Humberto Costa (PE)
– Senador Lindbergh Farias (RJ)
– Deputado José Mentor (SP)
– Deputado Vander Loubet (MS)
– Ex-deputado Cândido Vaccarezza (SP)
– Ex-ministro Antonio Palocci (SP)
PP
– Senador Gladson Cameli (AC)
– Senador Benedito de Lira (AL)
– Senador Ciro Nogueira (PI)
– Deputado Arthur Lira (AL)
– Deputado Aguinaldo Ribeiro (PB)
– Deputado Simão Sessim (RJ)
– Deputado Nelson Meurer (PR)
– Deputado Dilceu Sperafico (PR)
– Deputado Eduardo da Fonte (PE)
– Deputado Luiz Fernando Faria (MG)
– Deputado Jeronimo Goergen (RS)
– Deputado Luis Carlos Heinze (RS)
– Deputado José Otávio Germano (RS)
– Deputado Renato Molling (RS)
– Deputado Afonso Hamm (RS)
– Deputado Sandes Júnior (GO)
– Deputado Renato Balestra (GO)
– Deputado Missionário José Olímpio (SP)
– Deputado Lázaro Botelho (TO)
– Deputado Lázaro Britto (BA)
– Deputado Waldir Maranhão (MA)
– Ex-deputado e ex-ministro Mario Negromonte (BA)
– Ex-deputado João Pizzolatti (SC)
– Ex-deputado Pedro Corrêa (PE)
– Ex-deputado Roberto Teixeira (PE)
– Ex-deputada Aline Corrêa (SP)
– Ex-deputado Carlos Magno (RO)
– Ex-deputado e ex-vice governador João Leão (BA)
– Ex-deputado Luiz Argôlo (BA) (filiado ao Solidariedade desde 2013)
– Ex-deputado José Linhares (CE)
– Ex-deputado Pedro Henry (MT)
– Ex-deputado Vilson Covatti (RS)
PSDB
– Senador Antonio Anastasia (MG)
PTB
– Senador Fernando Collor (AL)
Há uma fundamental dimensão política nesse esquema. Superfaturamento e propinas em obras do Estado são tão antigas quanto atos ilícitos e imorais na disputa pelo poder ou em seu exercício — não à toa devemos sempre desconfiar dos políticos. Porém, até hoje nunca havíamos tido conhecimento de uma corrupção tão desenvolvida e metódica.
O governo usa a repartição de cargos públicos como mercadoria para alugar uma base aliada, e os partidos da base aliada usam seu poder no Parlamento ou nos estados como mercadoria para ter acesso ao polpudo orçamento de ministérios e diretorias – ou seja, ter acesso às propinas. Junta-se a vontade de corromper com a fome de ser corrompido.
Neste sentido, o “Mensalão” continuou como loteamento das estatais; só que agora há mais do que a compra de apoio político com propinas. O envolvimento de políticos do PT e do tesoureiro do partido como operador no esquema prova isso. Tudo indica que as propinas eram usadas para abastecer o caixa dos partidos envolvidos, sendo utilizadas em campanhas políticas. Segundo o delator Pedro Barusco, o PT recebeu U$$ 200 milhões em propina da Petrobrás.
O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, declarou incompetência formal para investigar a atual presidente Dilma. O artigo 86 da Constituição Federal veda que se faça isso com o presidente da República por atos estranhos ao exercício de suas funções. Entretanto, as finanças da campanha de Dilma em 2010 serão analisadas no pedido de investigação contra o ex-ministro Antônio Palocci (PT). Certamente, muitas outras campanhas da base aliada (e quiçá da oposição) foram patrocinadas com dinheiro público captado em propinas. É possível que, sendo feita a mesma investigação na Eletrobras, no BNDES, e em outros setores do governo federal, se encontrem esquemas parecidos, com mais políticos da base aliada/alugada pelo governo.
Mais do que um caso banal de enriquecimento ilícito, vemos uma distensão em torno da ideia de democracia liberal. E, nisto, reside a segunda questão a que o esquema nos leva: a relação promíscua que um Estado forte cria entre uma elite política, uma burocracia tecnocrática e uma elite econômica.
Uma das características da democracia liberal (poder difuso) é a desconcentração de poder, através da disputa gerada por antagonismos na sociedade, gerando certo equilíbrio tenso entre os diferentes polos da elite política e da elite econômica, sendo que essas duas não são coincidentes. Um grande empresário pode ser conservador e patrocinar o Partido Republicano, e outro empresário pode ser progressista e patrocinar o Partido Democrata. Não há uma coincidência entre elite política e elite econômica.
Ao contrário do poder concentrado (socialismo soviético), que tenta suprimir a elite econômica, dando a nomenclatura do partido todo controle econômico, o Estado forte do poder integrado centraliza em si o que é essencial para a reprodução econômica da sociedade. A elite econômica é distinta da elite política, mas se torna dependente de um acordo perene com a elite política, sem a qual iria à ruína.
O Estado socializante do poder integrado é o crony capitalism (capitalismo de compadres). Um sistema onde a intervenção do governo gera dividendos econômicos a partir do tratamento favorável a quem tem uma relação pessoal com o governante. As ajudas governamentais são subsídios, leis especiais, conhecimento privilegiado, crédito, empréstimos etc. E isto implica um apoio mútuo. Se o êxito do negócio passa por ter boas relações com o governo, o dono do capital tem duas opções: ser amigo da elite política ou quebrar. O sonho de Eike Batista em se tornar “empresário do PT” demonstra isto.
O Estado concentrador das atividades econômicas, e extremamente regulador, torna os empreendedores de alto porte dependentes de favores e benesses. Estas características estruturais foram potencializadas pelo PT na formação de um imenso capitalismo de compadres, onde os empresários buscam no governo favorecimentos contínuos aos seus negócios, diluindo barreiras burocráticas e terceirizando os riscos. A onipresença do Estado na sociedade vai tornando poder político e econômico coincidentes, criando um poder sutil, diluído e quase imperceptível sobre a vida do cidadão.
O Petrolão revela não só um esquema de corrupção fortuita, mas o ápice de um projeto de poder, de um Estado socializante, que vai tornando elite política e econômica coincidentes e corrompendo as bases da democracia. Mais do que uma exclusividade nacional, estamos na vanguarda do mundo hipermoderno, e na demonstração dos problemas desse poder infernal. A aliança entre a elite política (o PT e seus aliados), a burocracia tecnocrática da estatal e a elite econômica (clube das empreiteiras) demonstra isto.
E que ninguém se espante com opositores envolvidos no Petrolão, ou com esquemas parecidos de opositores para captação ilícita de recursos para campanhas políticas. O esquema metódico de corrupção mostra a realidade da era petista de governo, mas coroa também uma cultura política e demonstra um pouco dos problemas do crony capitalism e do poder integrado no mundo.
Quanto ao futuro, é melhor uma crise institucional que atinja Presidência, Parlamento e, quem sabe, a oposição, do que se fingir que nada ocorreu. Mais do que corrupção, o Petrolão revela que a “Nova República” está na lama.
Elton Flaubert
Doutor em História pela UnB.
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