A decisão de transformar Lula em ministro prova que governo resolveu ignorar de vez a opinião pública.
Este texto não é a favor, nem contra, nem de direita, nem de esquerda, nem muito pelo contrário. Trata-se de uma avaliação dos riscos e oportunidades abertos pelo governo Dilma com a reforma ministerial de hoje, da qual a principal notícia foi a nomeação de Lula como ministro. Tampouco é um texto jurídico – Horácio Neiva e Hugo Guimarães navegam melhor nesta praia do que eu – mas uma análise como cientista social e profissional de comunicação.
Deste ponto de vista, o da relação do governo Dilma com a opinião pública, a manobra que levou Lula ao Palácio do Planalto enterrou de vez as pontes com a opinião pública. Não digo com a base de simpatizantes petistas, capazes de replicar qualquer discurso em favor do governo, por mais ilógico que seja. Tampouco com os adversários de sempre do petismo, com os quais não há canal de diálogo faz tempo, de parte a parte, neste ambiente envenenado e estimulado pela prática salutar de de chamar o outro de fascista. Digo pelo cidadão comum, que pega o transporte público toda manhã e vai ao trabalho, assiste à novela das oito e o futebol do final de semana.
O governo Dilma e o petismo vem se esforçando com muita energia e planejamento em romper qualquer diálogo com o cidadão comum. Começou em 2014, quando ela foi eleita defendendo um programa fortemente estatista – dizendo inclusive que ajustes fiscais eram desnecessários – e começou a governar ensaiando uma inflexão ao ajuste fiscal. Ali estabeleceu-se a ruptura, por conta do sentimento de traição.
A traição não veio por conta da adesão ao ajuste – necessário e urgente – mas por ter escondido o tamanho do rombo até depois das eleições. FHC passou por processo parecido em 1999, quando congelou artificialmente o câmbio até as eleições e o liberou em seguida. Uma postura de maior franqueza naquele momento poderia ter custado a eleição, mas manteria aberto o canal de interlocução do petismo com o cidadão comum.
Este canal de interlocução é a base da legitimidade política, e é ela que permite chamar o povo ao sacrifício pelo bem do país. Foi ela que permitiu a Lula implementar um duro ajuste fiscal em 2003, para tranquilizar os mercados e estabilizar o país após sua eleição. Foi ela que faltou em 2015, permitindo ao Congresso aprovar pautas bomba que colocariam o ajuste em risco.
A quebra de confiança do final de 2014 jamais foi retomada, e o petismo fez de tudo para aprofundá-la. Intensificou o balcão de negócios com o Congresso, apostou na divisão do país, promoveu passeatas com militância movida a pão com mortadela, jogou contra a Lava Jato, tentou reverter decisões do Congresso no tapetão. A cada decisão tática do petismo, seu parco capital político foi se corroendo mais e mais.
Na sua última jogada, o ministério Lula demonstra a fraqueza e a inanição política do petismo não importa por qual ponto de vista isso seja observado. Se foi um movimento para proteger o ex-presidente de uma investigação, pode ser compreendido como uma declaração de culpa. Se, por outro lado, foi para fortalecer a articulação política do governo, pode ser compreendido como uma terceirização do governo. Em qualquer sentido, não há o que ganhar com a opinião pública. Nas frentes política e jurídica, ganha-se apenas um pouco mais de tempo. E só.
Por fim, é importante destacar que este movimento não foi um golpe. Foi, pelo contrário, um pastiche de golpe. Golpes de estado pra valer são dados por grupos com forte aceitação popular – os militares em 1964, os bolcheviques em 1917, Hitler em 1933 – e o uso da força serve apenas para imobilizar o lado oposto da contenda. Aqui não. Aqui trata-se de um grupo político extremamente enfraquecido buscando um pouco mais de tempo.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
[email protected]