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O regime petista degenerou em pornografia

por Daniel Lopes (17/03/2016)

E a sociedade não é mera vítima.

(esse texto foi publicado inicialmente no Senso Incomum, ontem, antes da divulgação dos áudios de Lula)

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Em um curto e delicioso editorial, o jornal português Público compara a ascensão de Luiz Inácio ao ministério de Dilma Rousseff a uma farsa, onde “o velho herói sobe ao palco e é apupado. Perante as críticas, pega na máscara da mentira e coloca-a sobre a cara. Sem falsidade, veste a mentira à frente de todos”.

Mais ao ponto, eu diria que Luiz Inácio ministro é uma cena de pornografia de péssima qualidade, a qual o resto do país está sendo forçado a assistir. Farsa é ainda haver muita gente opinando como se a democracia se resumisse à conquista do poder por meio de eleições, e não fosse fundamentalmente sobre como essas eleições são ganhas e como o poder é subsequentemente exercido. Farsa era quando o regime petista ainda tinha alguma fachada de seriedade no “debate” de 2014.

Mas já passamos desse ponto. Estamos no ponto em que um ministro de Estado pego em áudio tentando subornar e efetivamente ameaçando uma pessoa sob custódia da Justiça decide ficar no ministério, e sua chefe decide que está tudo bem. Estamos no ponto em que um sujeito profundamente envolvido com o topo da cadeia de comando do maior caso de corrupção da história do país assume um dos ministérios mais importantes do governo, em um claro movimento para fugir da Justiça.

“Em off”, figurões do regime petista admitem com desembaraço a seus amigos jornalistas a seriedade das denúncias do ex-líder do regime no Senado e do que já se sabe sobre a delação dos executivos da Andrade Gutierrez. Estamos atualmente no campo da franca obscenidade. De fato, eu nem sei se alguém, em 2016, consegue captar a verdadeira dimensão do espírito de falência moral que governa Brasília. Talvez estará nas mãos dos historiadores essa tarefa de medição, bem como a resposta mais correta à indagação de como uma nação que há apenas poucas décadas havia acordado da noite de uma ditadura e, pouco depois, se livrado de um governo corrupto conseguiu por tanto tempo ser feita refém de um esquema de poder que conseguiu misturar corrupção alucinada, mentira deslavada e incompetência abrangente como poucas vezes na história da humanidade.

O que me traz ao tema da culpa.

Se ainda houver algum resquício de República no Brasil, Dilma cairá em breve, e com ela Luiz Inácio, que em seguida fará companhia a alguns de seus familiares na prisão. Mas, até lá, não fiquemos na autoindulgência. Não finjamos que somos todos vítimas sem culpa do regime petistas. Em paralelo ao combate do mal instalado em Brasília, aproveitemos para refletir sobre a ascensão do PT ao governo e, mais do que isso, como ele pôde se sentir tão à vontade para assaltar o Estado e atentar contra as instituições.

Gente como eu tem que fazer essa reflexão – gente que hoje está na direita, mas que já foi de esquerda. No último domingo, participei do 13 de Março, em Teresina. Foi apenas a segunda vez que participei de um ato político na vida. A primeira vez, em 2002, foi um comício de Luiz Inácio, realizado não muito longe de onde se deu o 13 de Março. Noto em muitos ex-esquerdistas, especificamente ex-petistas, o sentimento de que anos atrás fomos apenas bem-intencionados iludidos, manipulados pela discurso de um partido que, na verdade, antes de chegar ao governo federal já havia dado farta amostra de seu nível de moralidade e cinismo.

Mas se é verdade que quem era jovem demais em 2002, como eu, foi vítima de uma engrenagem, logo depois muitos, novamente como eu, simplesmente se tornaram voluntários nessa engrenagem. Assim que explodiu o Mensalão, eu e uma legião simplesmente decidimos nos fechar à realidade e alegremente aderimos à ficção do “povo contra a elite”. Escolhemos não ler a imprensa “errada”, escolhemos acreditar que Lula não tinha qualquer responsabilidade pela subversão do Legislativo, decidimos que impeachment seria golpe, e reelegemos Lula em 2006. Alguns foram longe o suficiente para dar um voto em Dilma em 2010 – eu, de novo.

Se nós, ex-esquerdistas, negarmos nosso papel na atual tragédia brasileira, não apenas não saberemos escolher as melhores táticas nesse round final contra o petismo, como também não saberemos evitar a propagação da religião política no pós-petismo – da qual tanto os atuais petistas poderão ser vítimas, como nós mesmos.

E os que eram esquerdistas em 2002 e continuam sendo de esquerda hoje, ainda que da esquerda não petista? Lamento informar, mas no geral eles são uma vergonha pura e concentrada.

Se eu tivesse que apontar um momento em que a esquerda começou a cavar sua sepultura atual, eu apontaria agosto de 2007. O que veio antes disso, envolvendo a chancela de uma liderança corrupta, foi ruim o bastante, mas em agosto de 2007 a esquerda definiu com clareza seu inimigo: aquilo que ela chamava de “moralismo”, ou “falso moralismo”; mas o pensamento partidário-governamental que inspirou essa luta era um pensamento, hoje ninguém pode ter dúvida, inimigo da moral mesmo, curta e simples.

Foi em agosto de 2007 que surgiu pelo país manifestações do movimento cívico que ficou conhecido como “Cansei” – movimento que abrigava artistas e algumas instituições como a OAB de São Paulo. Nossa, como nós fomos à forra! Lembram? Como conseguimos retratávamos com sucesso aquele pessoal como uma elite ressentida! Como debochamos de suas passeatas que nunca reuniram mais que 5 mil pessoas! Como, a cada denúncia de corrupção, apontávamos uma política social lulista de sucesso! Éramos malufistas e não sabíamos.

Os que continuam de esquerda nunca perderam aquele ranço. Quase todos os que se decepcionaram com Dilma Rousseff preferiram voltar sua atenção ao justiçamento social, à utopia indigenista e à distopia black bloc. Cada vez que surgia um indício de corrupção sistemática no aparelho partidário-estatal, nossos anarquistas do serviço público insistiam na necessidade de se lutar contra a “causa raiz” da corrupção (invariavelmente, o capitalismo). Para eles, toda e qualquer manifestação contra a “corrupção em si” continuava não passando de “moralismo”. Alguém acredita que esse caldo deixou o regime petista menos à vontade para dilapidar o país?

Quando o Movimento Brasil Livre fez sua primeira manifestação, em novembro de 2014, mesmo o esquerdismo que odiava Dilma, por causa da violação dos direitos indígenas, saiu em sua defesa contra aquele bando de moleques que apoiava uma tal de Lava Jato e não aceitava a “voz das urnas”. Dava para sentir a felicidade da “esquerda crítica” ao se esbaldar novamente no espírito de agosto de 2007.

Até hoje, a esquerda não petista passa a maior parte do tempo sendo “anti-anti-petista”. Ela se indignou mais com uma babá trabalhando no 13 de Março do que está se indignando com Luiz Inácio ministro de Estado. Todos nós que éramos esquerdistas até recentemente temos responsabilidade pelo ponto a que o Brasil chegou. E quase toda a esquerda, “antimoralista” ao mesmo tempo que imersa em um moralismo próprio, continua sendo diariamente responsável pela falência da política. Quando coloca a “justiça social” acima da Justiça, a esquerda, o que quer dizer a maioria da classe intelectual, se comporta menos como uma espectadora forçada da pornografia política atual do que como uma coadjuvante mal paga e com pouco amor próprio.

Daniel Lopes

Editor da Amálgama.

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