Para defender o PT, a esquerda de hoje fica sem chão, vacila, perde as referências.
Cabeça de intelectual petista é assim: pega o conceito de espetáculo que Guy Debord criou para questionar a espetacularização da Lava Jato.
Mas Debord era um marxista convicto, e não um pregador de ideias banais. A rigor, o seu conceito de espetáculo cairia muito bem para criticar o projeto de capitalismo de compadrio e todo o esquema corrupto que o PT articulou para se manter no poder. Mas sobre esse sentido do conceito, o intelectual petista – dito de esquerda – se cala e não tem nada a dizer.
Mesmo com tantas evidências de corrupção, o intelectual petista se indigna com uma questão procedimental de direito. Muito embora a discussão sobre a condução coercitiva deva ser feita, a sua função de “cortina de fumaça” a serviço dos interesses pessoais de Lula é óbvia. Na época do marxismo, a esquerda ainda citava Brecht: “O que é um roubo de banco, comparado à fundação de um banco?”. Hoje, o petismo reescreve Brecht com o mesmo cinismo com que relê Debord: “O que é o desvio de bilhões na Petrobras, comparado à condução coercitiva de Lula para um depoimento?”.
Essa explosão de legalismo é histriônica. Logo a esquerda, tão crítica do normativismo! Os mais alucinados protestam que Sérgio Moro não é um formalista, que o Estado de Direito deveria ser respeitado à risca, e dois minutos depois fazem posts convocando para uma revolução armada. Os mais sofisticados evitam ser levianos, mas não conseguem esconder suas fraquezas quando se trata de Lula.
A decadência da inteligência petista passa por Renato Janine Ribeiro se escandalizando ao perceber que o Sr. Luiz Inácio é um cidadão comum, e que o seu valor, para a lei, é o mesmo de qualquer outro cidadão da República.
O problema não é só a incoerência e a valentia fácil das redes sociais. Para defender o PT, a esquerda de hoje fica sem chão, vacila, perde as referências. No mesmo tom da campanha abjeta de 2014, ela se segura nos esquemas mentais difundidos pela semicultura da militância: a narrativa da vitimização, a narrativa do bem contra o mal, a narrativa da mídia manipuladora com seus poderes totais e infinitos.
João Santana foi preso, mas os fiéis continuam repetindo sua propaganda. Por tudo isso, o ocaso do PT deve ser completo. Não basta que ele saia do poder. É preciso que ele seja superado como são superados os paradigmas: a própria realidade o desautoriza, expõe os seus limites, atesta a sua falência, e finalmente o substitui pelo novo que formos capazes de produzir.
Rodrigo Cássio
Professor e pesquisador. Autor de Filmes do Brasil Secreto (Ed. UFG).
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