Em "Impasses da Democracia no Brasil", Leonardo Avritzer oferece uma reflexão equilibrada sobre o momento do País.
Fazer Ciência Social à quente, analisando fatos enquanto eles acontecem, não é tarefa fácil. Há sempre uma grande chance de o cidadão se sobrepor ao cientista, e o resultado ser mais a expressão de um desejo pessoal que o resultado da observação das evidências. Por isso textos como O 18 do Brumário de Karl Marx ou Os Sertões de Euclides da Cunha são ainda relevantes: ao analisar fenômenos sociais contemporâneos aos autores, conseguiram superar os limites do momento e oferecer insights novos à compreensão da realidade – e, no caso de Marx, a transcender os limites de sua própria teoria.
No outro extremo, há inúmeros casos de teoria social produzida à quente que não valeria um caracol. Para ficar em alguns exemplos próximos, a análise de Marcos Nobre sobre o peemedebismo e o livro mais recente de Jessé Souza são alguns dos muitos textos que terão espaço garantido na cooperativa de reciclagem de papel da História das Idéias.
Não é o caso de Impasses da democracia no Brasil, de Leonardo Avritzer. Se é cedo para alçá-lo ao lugar dos clássicos – e o texto tem seus problemas – está acima da média das análises sociais produzidas à quente sobre o momento histórico do país. Neste sentido, se assemelha ao lugar de Revolução e contrarrevolução na Alemanha, de Trotsky: um texto que acerta no diagnóstico, ainda que erre na terapêutica.
Quem é Leonardo Avritzer? Cientista Político com doutorado e pós-doc nos Estados Unidos e professor da UFMG, pesquisa processos de participação política como o Orçamento Participativo e as Conferências Nacionais de políticas públicas. É deste ponto de vista que sua análise parte, de uma Ciência Política baseada em dados empíricos e com referências teóricas norte-americanas.
Isto evita que ele caia em duas armadilhas responsáveis pelo estado lastimável das análises que temos lido: o ensaísmo exagerado e o partidarismo analítico. São esses os males que tem prejudicado Jessé Souza no debate sobre patrimonialismo e mesmo André Singer – o primeiro a identificar a ascensão da “nova classe média” e seu impacto político no pacto conservador lulista – cujas colunas na Folha parecem dar verniz acadêmico às bobagens do governismo petista.
Avritzer apresenta o Brasil como um país de democracia sólida e eficaz, capaz de entregar o aperfeiçoamento institucional que garantiu a estabilidade econômica, a redução da desigualdade e o combate à corrupção, entre outras conquistas. Seus méritos seriam também fontes de seus impasses, e o desafio estaria em como superá-los preservando os avanços democráticos.
Quais seriam esses méritos que se tornam impasses? O presidencialismo de coalizão, capaz de criar maiorias que asseguraram a estabilidade política, tornou-se um incentivo à corrupção. O processo de participação popular na construção de políticas públicas, estimulado pelo PT historicamente, foi limitado e interrompido pelo próprio PT no governo federal, gerando um descasamento entre movimentos sociais e o governo – especialmente na área ambiental e na infraestrutura. E o arcabouço institucional para combate à corrupção, para cujo reforço o governo petista contribuiu, bateu de frente com os escândalos de corrupção do próprio governo.
Em paralelo, as mudanças sociais das últimas décadas geraram empobrecimento da classe média, levando-a à ruptura com a esquerda. A partir de junho de 2013, a classe média, que desde o fim da ditadura apoiou a centro esquerda, entra em rota de colisão com a esquerda no governo e assume uma nova pauta. Isso teria dado origem a uma nova direita, a qual, diferentemente do passado, teria uma agenda moderna e liberal. O desafio seria a democracia brasileira se acostumar à direita nas ruas.
O problema de Avritzer está em seu último capítulo, onde ele propõe saídas para superar os impasses apresentados. Aí, nesta parte do texto, o cidadão se sobrepõe ao cientista, e se destila wishful thinking: financiamento público de campanhas, desejo que o PT assuma uma pauta anticorrupção, percepção de que a Lava Jato é partidarizada, acusar a oposição de falta de compromisso com o país… O último capítulo é um anticlímax.
Mas não teria como ser muito diferente, talvez. Essa crise que vivemos muda o cenário a cada dia, e fica difícil estabelecer o distanciamento necessário para uma análise equilibrada. Neste sentido, o trabalho de Avritzer tem seu mérito: apresenta uma análise fria dos nossos problemas políticos, ainda que estrague o final.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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