Ainda há algum bom senso nas ciências sociais

por Paulo Roberto Silva (01/03/2016)

Em "Impasses da Democracia no Brasil", Leonardo Avritzer oferece uma reflexão equilibrada sobre o momento do País.

"Impasses da democracia no Brasil", de Leonardo Avritzer (Civilização Brasileira, 2016, 200 páginas)

“Impasses da democracia no Brasil”, de Leonardo Avritzer (Civilização Brasileira, 2016, 200 páginas)

Fazer Ciência Social à quente, analisando fatos enquanto eles acontecem, não é tarefa fácil. Há sempre uma grande chance de o cidadão se sobrepor ao cientista, e o resultado ser mais a expressão de um desejo pessoal que o resultado da observação das evidências. Por isso textos como O 18 do Brumário de Karl Marx ou Os Sertões de Euclides da Cunha são ainda relevantes: ao analisar fenômenos sociais contemporâneos aos autores, conseguiram superar os limites do momento e oferecer insights novos à compreensão da realidade – e, no caso de Marx, a transcender os limites de sua própria teoria.

No outro extremo, há inúmeros casos de teoria social produzida à quente que não valeria um caracol. Para ficar em alguns exemplos próximos, a análise de Marcos Nobre sobre o peemedebismo e o livro mais recente de Jessé Souza são alguns dos muitos textos que terão espaço garantido na cooperativa de reciclagem de papel da História das Idéias.

Não é o caso de Impasses da democracia no Brasil, de Leonardo Avritzer. Se é cedo para alçá-lo ao lugar dos clássicos – e o texto tem seus problemas – está acima da média das análises sociais produzidas à quente sobre o momento histórico do país. Neste sentido, se assemelha ao lugar de Revolução e contrarrevolução na Alemanha, de Trotsky: um texto que acerta no diagnóstico, ainda que erre na terapêutica.

Quem é Leonardo Avritzer? Cientista Político com doutorado e pós-doc nos Estados Unidos e professor da UFMG, pesquisa processos de participação política como o Orçamento Participativo e as Conferências Nacionais de políticas públicas. É deste ponto de vista que sua análise parte, de uma Ciência Política baseada em dados empíricos e com referências teóricas norte-americanas.

Isto evita que ele caia em duas armadilhas responsáveis pelo estado lastimável das análises que temos lido: o ensaísmo exagerado e o partidarismo analítico. São esses os males que tem prejudicado Jessé Souza no debate sobre patrimonialismo e mesmo André Singer – o primeiro a identificar a ascensão da “nova classe média” e seu impacto político no pacto conservador lulista – cujas colunas na Folha parecem dar verniz acadêmico às bobagens do governismo petista.

Avritzer apresenta o Brasil como um país de democracia sólida e eficaz, capaz de entregar o aperfeiçoamento institucional que garantiu a estabilidade econômica, a redução da desigualdade e o combate à corrupção, entre outras conquistas. Seus méritos seriam também fontes de seus impasses, e o desafio estaria em como superá-los preservando os avanços democráticos.

Quais seriam esses méritos que se tornam impasses? O presidencialismo de coalizão, capaz de criar maiorias que asseguraram a estabilidade política, tornou-se um incentivo à corrupção. O processo de participação popular na construção de políticas públicas, estimulado pelo PT historicamente, foi limitado e interrompido pelo próprio PT no governo federal, gerando um descasamento entre movimentos sociais e o governo – especialmente na área ambiental e na infraestrutura. E o arcabouço institucional para combate à corrupção, para cujo reforço o governo petista contribuiu, bateu de frente com os escândalos de corrupção do próprio governo.

Em paralelo, as mudanças sociais das últimas décadas geraram empobrecimento da classe média, levando-a à ruptura com a esquerda. A partir de junho de 2013, a classe média, que desde o fim da ditadura apoiou a centro esquerda, entra em rota de colisão com a esquerda no governo e assume uma nova pauta. Isso teria dado origem a uma nova direita, a qual, diferentemente do passado, teria uma agenda moderna e liberal. O desafio seria a democracia brasileira se acostumar à direita nas ruas.

O problema de Avritzer está em seu último capítulo, onde ele propõe saídas para superar os impasses apresentados. Aí, nesta parte do texto, o cidadão se sobrepõe ao cientista, e se destila wishful thinking: financiamento público de campanhas, desejo que o PT assuma uma pauta anticorrupção, percepção de que a Lava Jato é partidarizada, acusar a oposição de falta de compromisso com o país… O último capítulo é um anticlímax.

Mas não teria como ser muito diferente, talvez. Essa crise que vivemos muda o cenário a cada dia, e fica difícil estabelecer o distanciamento necessário para uma análise equilibrada. Neste sentido, o trabalho de Avritzer tem seu mérito: apresenta uma análise fria dos nossos problemas políticos, ainda que estrague o final.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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