A terceirização pode melhorar a vida do trabalhador

por Paulo Roberto Silva (24/03/2017)

A terceirização aumenta a produtividade e aloca os fatores de produção de forma mais eficiente, melhorando a renda do trabalhador.

Deputados da oposição contra o projeto da terceirização (22/03/17)

Uma onda de indignação varre o país com a aprovação do projeto de lei que regulamenta a terceirização. Muito se fala, pouco se entende, até porque o debate está delimitado por paradigmas que o travam (ora, cadê a novidade?), onde conceitos como produtividade do trabalho sequer aparecem. O objetivo deste artigo é promover um certo curto-circuito de conceitos, mostrando dinâmicas e insights empíricos que mostram o benefício potencial da terceirização para melhorar a renda do trabalho.

Para isso, primeiro precisamos desafiar o conceito de “direito trabalhista”. Não significa que estou defendendo a volta da escravidão, pelo contrário. O que queremos é refletir o quanto o direito trabalhista é um “direito”, e o quanto ele é consequência de economias mais eficientes e produtivas. Se é de produtividade que estamos falando, a melhor pauta não é “nenhum direito a menos”, mas assegurar a parte do trabalhador nos ganhos de produtividade.

E se estamos falando de produtividade, a pergunta que vem é: a terceirização eleva ou não a produtividade da economia? Ou, dizendo em outras palavras, cada trabalhador gera mais riquezas com a terceirização, ou não? Se sim, regulamentá-la é fundamental para que se possa aumentar a renda do trabalhador sem canetadas, de forma sustentável.

Direitos trabalhistas e produtividade: as lutas sindicais do século XIX

Uma frase que costuma sair meio que no Ctrl+C Ctrl+V em todo discurso para defender os direitos trabalhistas é que “eles foram conquistados com muita luta durante a Revolução Industrial”. E, sim, é verdade. Mas não é toda a verdade.

Antes de tudo, o período que se inicia na segunda metade do século XIX é de intenso crescimento da produtividade, graças à expansão da indústria e das tecnologias movidas a energia elétrica e petróleo. Por exemplo, no período entre 1870 e 1979 o PIB real por hora de trabalho chegou a crescer até 2.480% nas economias desenvolvidas (Productivity Growth, Convergence, and Welfare: What the Long-Run Data Show). Ou seja, um trabalhador que produzisse o equivalente a US$ 100 no Japão de 1870 estava gerando US$ 2.480 em riquezas cem anos depois, sem contar a inflação do período.

É este ganho absurdo de produtividade que cria a oportunidade para a luta sindical obter conquistas reais para os trabalhadores no período. Os direitos trabalhistas não foram conquistados simplesmente porque houve luta, mas porque o avanço tecnológico e transformações organizacionais possibilitaram uma maior produção de riqueza. Houve “conquista” porque havia o que ser “conquistado”.

Produtividade no Brasil

No Brasil, os ciclos de prosperidade estão relacionados a ganhos concretos de produtividade, que impactaram a renda do trabalhador. De acordo com estudo liderado por Naércio Aquino de Menezes Filho no Insper, a produtividade da economia como um todo cresceu de 1950 a 1980, para depois cair e estagnar em torno de US$ 16,4 mil por trabalhador. E isso graças ao crescimento da produtividade na agricultura a partir de 1980, que de certa forma compensou a queda na produtividade industrial no período. Para comparação, um trabalhador da Coreia do Sul produz US$ 75 mil por ano, e um norte-americano cerca de US$ 100 mil por ano.

Agora, como foi possível aumentar o salário mínimo e a renda média do trabalhador durante a primeira década do século XXI sem que a produtividade crescesse? Este recurso foi retirado especialmente das margens dos pequenos empresários, principalmente os industriais, que tiveram que absorver os recorrentes reajustes acima da inflação.

Em 2014 um estudo publicado pelo IPEA, de autoria de Regis Bonelli, afirmava que “os ganhos de produtividade tornam-se um imperativo com o fim do bônus demográfico – se o objetivo é acelerar o crescimento para além daquele dado pelo ritmo de evolução da força de trabalho”.

Terceirização e produtividade: alocação de fatores

Uma forma de se tornar uma atividade mais produtiva é realocar os fatores de produção. Grosso modo, esta é a ideia por trás do que o modelo Toyota chama de kaizen: um processo de continuamente identificar desperdícios e ineficiências em processos para torná-los cada vez mais eficientes e produtivos. Por meio da metodologia do kaizen, a mera realocação do processo impacta a produtividade.

Agora, imagine que seja possível realocar fatores de produção em toda uma economia. Seria possível? Estamos vendo isso com o automóvel e os aplicativos de transporte, como o Uber: ao invés da pessoa pagar para ter o carro e usá-lo 10% do tempo do dia em média, ela paga um valor infinitamente menor para utilizar o carro de outro apenas durante o tempo necessário. Esse proprietário, por sua vez, alavanca seu rendimento atendendo diversas pessoas diferentes no decorrer do dia. O uso do carro tornou-se mais eficiente.

Agora, veja o que acontece com a renda do motorista. Na situação inicial, a renda que ele retira da atividade de dirigir é zero. Na nova situação, ela sobe na proporção da utilização e de acordo com a tarifa cobrada pelo aplicativo. Sobe a renda daquele motorista tornado trabalhador, e, ao se gerar um número maior de transações, sobe também a renda gerada pela economia como um todo.

Quando você leva isso para dentro de um processo produtivo, o impacto é ainda maior. Pense na faxineira da fábrica. Como a limpeza do ambiente não é a atividade fim daquela empresa, ela será sempre faxineira. Mas, ao se terceirizar a atividade, torna-se possível surgir um negócio cuja atividade fim é a limpeza. Nesta empresa é possível à faxineira fazer uma carreira, incorporar novos cursos e habilidades, e atingir níveis salariais que ela não teria acesso como funcionária da fábrica.

“Ah, mas isso é mundo ideal!” Então explique porque o ranking de 2016 das Melhores Empresas Médias para se Trabalhar (GPTW) tem duas terceirizadoras de TI entre as dez melhores, Radix e Dextra?

Indo mais longe, uma fabricante de determinado produto pode se concentrar na gestão da marca e da qualidade, e terceirizar cada etapa da produção. Assim, uma central de usinagem, por exemplo, não fica alocada apenas para produção do produto x, mas consegue receber os mais diferentes projetos, de peças de automóveis a componentes de geometria complexa para bens de capital sofisticados. Da mesma forma, uma empresa química pode produzir cosméticos para as marcas A, B e C, que vão cuidar apenas da venda e do projeto.

Sem a regulamentação da terceirização, o funcionário da central de usinagem que está produzindo a peça que vai no carro da Volkswagen se torna imediatamente um funcionário da montadora, por meio do regime de responsabilidade solidária. Isso independentemente do fato de ele produzir a peça da Volks na segunda, a da Fiat na terça e um paliteiro de aço na quarta. Para o sindicato e o MPT, trata-se de uma “quarteirização”, e não uma especialização.

A precarização associada ao processo de terceirização está mais relacionada a uma terceirização incompleta e imperfeita. O que é necessário enfrentar e combater são modelos nos quais apenas se transfere o head-count da terceirizadora para a terceirizada, sem a geração de economias de escala que possam tornar a terceirização eficiente. Contudo, o que se tem feito hoje é praticamente forçar o engessamento dos modelos de negócio e impedir o aproveitamento das economias de escala, ao se impor limites artificiais à terceirização.

Contudo, a construção de empresas de terceirização cada vez mais poderosas pode ser o meio de reequilibrar a relação e gerar os ganhos de produtividade que dão sustentação aos direitos do trabalhador. Ao movimento sindical, cabe construir estratégias inteligentes de levar os empresários a compartilhar os ganhos de produtividade, ao invés de forçar a partilha da miséria.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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