Não existe fundo nesse poço – é algo que se ouve constantemente nas ruas de Caracas.
No final da noite passada, enquanto os venezuelanos ainda estavam se curando da ressaca de dois dias de política externa pythonesca e do autoritarismo rotineiro, o Tribunal Supremo venezuelano anunciou que assumiria as funções parlamentares da Assembleia Nacional pelo tempo em que o órgão eleito popularmente permanecesse em desacato (em desafio à corte).
Eles basicamente anularam o Legislativo.
Agora sim, esse foi o ponto de ruptura. Não, agora é sério. Foi nesse instante. Juro com a mão no peito. Promessa de cruzar os dedinhos. Acreditem!
O chavismo conseguiu elevar o nível da Nirvana goebelliana, expondo o público exaustivamente a absurdidades e a um estado geral de miséria crua.
Quem é que vai se importar com o Estado de Direito e as instituições políticas quando se tem que lidar com uma burocracia infernal como a nossa, entrar em filas inacreditáveis ou simplesmente revirar lixeiras atrás de comida para os filhos? Quem é que vai acreditar que “agora sim, esse foi o momento” depois de assistir um assassino condenado ser nomeado para presidir a mais alta instancia jurídica do país, e depois de saber que o vice-presidente foi listado como o Chefão das Drogas mais procurado? Quem é que vai acreditar que esse é o ponto em que nossa democracia morre, se já dissemos a mesma coisa milhares de vezes antes?
Fraude constitucional? De novo? Quem se importa?
El pozo no tiene fondo. Não existe fundo nesse poço – é algo que se ouve constantemente nas ruas de Caracas.
Mas não é verdade. O poço tem um fundo. O problema é que, quando você passa por esse fundo, se vê em outro poço com outro fundo, e depois outro, e mais outro.
O fundo do poço é o limite que define o que você considera razoável dentro da realidade em que atualmente se encontra. Tão logo cruze esse limite, você se encontra em outra realidade, à qual se aplicam outras regras e onde existem padrões diferentes de razoabilidade.
Talvez a solução seja jamais aceitar a nova realidade. Nunca acostumbrarse. Nunca se acostumar com o abuso. Nunca perder a capacidade de se impressionar e ficar indignado e furioso. Se apegar àquele sentimento profundo que te diz que isso-não-é-normal. Que isso é inaceitável.
Mas não seria humano pedir tal coisa. Certo?
Raúl Stolk
Advogado venezuelano, vive em Miami. Publica em inglês no Caracas Chronicles e no Huffington Post, e em espanhol no Prodavinci.
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