Ideólogos querem que crianças escolham o próprio gênero. Mas, na maior parte dos casos, a disforia de gênero naturalmente se resolve até a puberdade.
1. Hoje estarás comigo no Paraíso
Imagine um maravilhoso vale, onde todas as pessoas são inexoravelmente felizes. Não importa se são gordas ou magras, altas ou baixas, ricas ou pobres – provavelmente não existiria algo como riqueza monetária nesse vale –, bonitas ou feias. A condição de absolutamente todas as pessoas que vivessem nesse verdejante vale, com belos rios, árvores frutíferas, clima ameno e ausência de insetos e parasitas seria a da felicidade.
O que é isto – a felicidade? Desde Platão até Carlos Drummond de Andrade, parece que ainda não conseguimos definir a antropologia da felicidade. Antropologia, porque não há sentido em falar de felicidade animal. É raro vermos um cão ou um gato que, psiquicamente, não goze de plenitude e boa-aventurança em sua existência ou que, ao contrário, goze do sofrimento por ser apenas uma criatura que prescinde de racionalidade, capaz de atitudes bestiais e totalmente desprovidas de razão no sentido de preservar sua existência. A tristeza que comumente recai sobre nós de forma crônica, configurando a depressão, é vista em outros seres vivos de forma casuística, geralmente após grave trauma, como o abandono, ou em síndromes orgânicas.
O estado natural do homem, dessa forma, é a miséria. O homem, ao atribuir valor às coisas através da consciência, torna-se incapaz de alcançar a plenitude por ter consciência da escassez, da finitude, da limitação e de tudo que isso decorre, como o fracasso, a doença e a morte.
Fora dos paraísos e da vida eterna profetizada por algumas religiões, a Montanha Mágica não existe neste mundo. Neste mundo, governado por leis de conservação de massa e de energia, não é possível fisicamente que haja um recorte da realidade no qual todos tenham tudo o que desejam, no momento em que desejam, sem grandes esforços.
Imaginar um paraíso não é um problema em si. Eu sempre imagino um mundo onde não existam doenças e que as pessoas vivam 120 anos. Essa é a minha Montanha Mágica. O problema é tentar criar uma Montanha Mágica neste vale de lágrimas que é o mundo terreno. É tentando criar um paraíso que se cria um inferno.
Historicamente, todas as tentativas de se mudar o mundo “para melhor” lograram em fracasso genocida. No século da violência, o século XX, o mundo conheceu ideologias radicais e que ultrapassaram os limites morais do ser humano na construção de uma utopia onde, curiosamente, todos seriam felizes. É isso que prometia o comunismo – o paraíso da igualdade –, o nazismo – o paraíso da supremacia ariana –, o fascismo – o paraíso dos trabalhadores. Em toda utopia há o nós e eles – e eles são os culpados do mundo não ser já um paraíso, necessitando serem destruídos. Toda utopia é teológica: a única diferença é que a ideologia promete um reino deste mundo; enquanto a religiosa, um reino que não é deste mundo. Para um conservador, essas tentativas de se mudar o mundo por meio da política são tão estúpidas quanto inúteis. É assim que uma Montanha Mágica vira um Vale da Sombra e da Morte.
No século XXI, nós também temos nossas políticas de um mundo melhor. Elas estão disseminadas em todo espectro político, desde o higienismo antipobres, até o higienismo de esquerda, da velha luta de classes. O que nos interessa, nesse caso, no entanto, não são os higienismos clássicos, mas os modernos. O que nos interessa, aqui, é o higienismo do bem-estar, onde você pode ser qualquer coisa, menos doente, mas esse aspecto destrutivo imposto pelas ideologias é uma conversa para outra hora.
A ditadura da felicidade já jogou filhos contra pais no estilo musical, na vestimenta, na cultura, na linguagem, na sexualidade e, hoje, joga no gênero. Fortemente baseada nos conceitos beauvoiranos de “fazer-se mulher”, expandindo-os, os intelectuais de esquerda, como na criação de um Frankenstein que usa perfume e maquiagem, elaboraram um conceito novo para a liberdade individual: a ideologia de gênero.
Um desses intelectuais é Judith Butler. Em sua obra, contrariando a genética, a seleção natural e a endocrinologia, ela defende que o sexo biológico está separado do sexo mental, ou seja, que genitália masculina não significa sexo masculino. Até certo ponto, Butler está certa, mas dentro do campo da psicopatologia, que será melhor explorado adiante. De resto, esses e os demais autores feministas, prafrentex e “do bem” são como bêbados discutindo num boteco.
Não é de hoje que a esquerda liberal prega a liberdade sexual e social em todos os seus aspectos. A revolução cultural dos anos 60 reinventou de forma definitiva a expressão moral e sexual dos indivíduos, servindo como fresco paradigma no novo contexto comportamental da sociedade do ocidente. Hoje, qualquer um que tenha desvios na heteronormatividade das relações, ou que deseje vestir-se de forma diferente, não sofrerá mais preconceito institucional. Até mesmo os conservadores já aceitaram o multiculturalismo vindo de indivíduos internos e externos à sociedade.
No esteio da liberdade individual absoluta, que beira paradoxalmente o relativismo, desponta a torta ideologia de gênero. Em síntese, essa ideia política, que é vista pejorativamente pela esquerda (sendo preferida por eles a expressão “questão de gênero”, como se não se tratasse de um embate de idéias, apenas de uma problemática que se faz presente na sociedade), defende que o gênero é uma construção: meninos possuem comportamento masculino porque são moldados dessa forma, e o mesmo valeria para mulheres e que, caso o inverso fosse feito em sua criação, mulheres seriam viris e homens seriam femininos.
Psicologicamente, faz sentido. Se você criar um indivíduo do sexo masculino como mulher, ele agirá e terá os trejeitos de uma mulher no futuro – como os Hijras indianos –, o mesmo valendo para o sexo feminino. Usando isso e casos de disforia de gênero como substrato teórico, como se não fosse uma doença, mas sim, exemplos de indivíduos hígidos que são de sexos opostos aos biológicos, os defensores dessa tese de gênero afirmam com unhas e dentes que o mais correto eticamente é permitir à criança escolher o próprio gênero e, caso ela escolha o oposto, que se inicie a terapia hormonal e, futuramente, a cirurgia de mudança de sexo.
Contra as tradições, como se elas fossem ruins per se, a esquerda quer transformar o mundo, ao mesmo tempo em que deseja manter um controle permanente sobre ele. O que resta saber é: caso a esquerda suceda em suas empreitadas revolucionárias, o que ela fará em seguida, já que o paraíso arquitetado terá sido, com sucesso, erigido. Basta olhar para Cuba e ver como as coisas estão.
2. A = A
O hipotálamo é uma região do cérebro humano, localizada no diencéfalo (aproximadamente no centro do órgão), muito próximo anatomicamente ao sistema límbico, que é a região cerebral responsável pelas emoções e comportamento. Ele é formado por uma pequena porção de tecido cerebral, sendo o elo entre o cérebro e o sistema endócrino, controlando, juntamente da hipófise, quase todas as atividades neuro-humorais do organismo.
Dentre os hormônios que libera, estão o hormônio antidiurético, que controla a pressão arterial e a recaptação de sódio nos rins; a ocitocina, o “hormônio da felicidade” e responsável pelas contrações uterinas no parto e ejeção de leite pela mama; e o GnRH, que é o hormônio liberador de gonadotropinas, cuja função é liberar outros hormônios na hipófise e que irão estimular os órgãos produtores de gametas de cada sexo a entrar em atividade.
Existe evidência comprobatória de que a atividade hipotalâmica determina a preferência sexual, e, o mais importante, a identidade sexual humana através de variações entre hipotálamos de homens e mulheres. Enquanto é absolutamente controversa a tese de que a identidade sexual seja influenciada por fatores pós-natais, é sabido que a quantidade de estrógeno e progesterona, no sangue da mãe ao longo da gestação, por exemplo, influenciam a embriologia hipotalâmica, determinando diferenças no tamanho das células dessa porção cerebral.
A disforia de gênero (DG), em paralelo, tem suas causas correlacionadas ao hipotálamo. É um transtorno mental caracterizado pela angústia de um paciente em ser de um sexo, mas sentir-se como fosse de outro, e é muito comum que os indivíduos afetados busquem a terapia de transição sexual cirúrgico-hormonal. Doença reconhecida e catalogada no CID-10 (código internacional de doenças), que está prestes a ser substituído por um novo, elaborado pela OMS sob supervisão da Associação Americana de Psiquiatria (na parte de doenças psiquiátricas), ela está para ser despatologizada, ou seja, tal condição clínica deixará de ser considerada uma doença, assim como a homossexualidade, em 1987 (quando saiu do DSM, o catálogo de doenças mentais da AAP).
As causas da disforia de gênero ainda são misteriosas, mas há forte evidência de que o núcleo uncinado do hipotálamo determine essa condição. Aponta-se que diferenças a nível celular, determinadas por fatores pré-natais, como o uso de certos medicamentos, ou a concentração de hormônios como o estradiol na corrente sanguínea da mãe poderia ocasioná-la, estando a etiologia desse transtorno neuropsiquiátrico ainda não totalmente elucidada.
Na maioria esmagadora dos casos, a DG resolve-se até a puberdade, apontando que, em boa parte das crianças, a incongruência entre o sexo biológico e o mental seja psicológica e que, com os picos hormonais da puberdade, o organismo adaptasse-se à condição de seu cariótipo (XX para mulheres e XY para homens) e o florescimento do desejo sexual poria a termo a incongruência entre genitais e identidade de gênero. Então, a DG propriamente dita, onde haveria um distúrbio orgânico envolvido, ocorreria numa minoria quase insignificante dos casos, o que já faz cair por terra a ideia de que as crianças podem escolher seu sexo ao entrar na puberdade. Ora, se a disforia resolve-se em mais de 90% das crianças ao entrar na puberdade, por que deixaríamos que elas escolham o próprio gênero, abrindo a porta para arrependimentos no futuro? Essa é uma das questões que os propositores da ideologia são incapazes de responder, e que tira da inércia os argumentos médicos contrários a essa proposta: como podemos submeter uma criança de 11 anos, por exemplo, que não sabe nem se prefere o sorvete de baunilha ou o de morango, a um procedimento hormonal irreversível que determinará de forma crítica sua saúde e, principalmente, sua vida social como um todo futuramente?
A psicologia tem despontado como um elemento crucial à medicina na nossa era, especialmente na abordagem e entendimento da situação mental do paciente, e não é de se espantar que ela exerça grande influência no meio. Dentro da psicologia há diversas correntes de pensamento, e uma das maiores é a da rejeição de critérios objetivos na observância de doenças mentais, priorizando, dessa forma, o sofrimento de cada paciente. A DG seria uma doença, então, não porque um indivíduo do sexo masculino encontra-se como feminino, mas porque um indivíduo do sexo masculino encontra-se como feminino e não consegue tornar-se mulher, seja por inacessibilidade ao tratamento ou por estigma social. A “cura” para a DG seria, então, a terapia de transição, e o indivíduo pararia de sofrer. Estando extinto o sofrimento, estaria extinta a doença mental. A psiquiatria não estaria imune a esse entendimento, e a AAP, que coordena o CID na área de psicopatologia, também não: por esse motivo, haveria a normatização, em breve, da disforia de gênero, o que significaria um retrocesso em anos de entendimento da patologia de doenças psiquiátricas e do tratamento desses doentes como um todo.
Dentre muitas coisas já vistas na história da medicina, como não lavar as mãos antes de procedimentos cirúrgicos, ou tratar esquizofrênicos pela da limitação de movimentos em câmaras de tortura, essa seja talvez a mais absurda. Tratar um transtorno mental dando ao doente o seu objeto de desejo psiquiátrico é como dar a morte a um suicida, permitir ao indivíduo portador de transtorno obsessivo-compulsivo com limpeza que lave suas mãos quantas vezes quiser até que destrua sua pele ou dar drogas a um toxicômano. Essa é a lógica torpe que rege, hoje, vários centros de estudos em psicologia: a “atenuação” do sofrimento, através do aceite da condição do doente, seria a flauta mágica dos transtornos mentais, representando uma nova terapêutica na psiquiatria.
Isso, além de ferir o mais básico princípio da ética médica que é o antes de tudo, não fazer o mal, uma vez que reitera a doença – em outras palavras, a amplia –, aproxima a medicina do nosso século, que deveria caminhar cada vez mais na elucidação das causas e fisiopatologia das doenças, a um misticismo teórico que faria até Freud, em suas psicoses por uso de cocaína, cair das cadeiras. Refutada pela neurociência e psicologia evolutiva, a tese do sofrimento em psiquiatria contraria os princípios básicos de saúde-doença, significando um abandono em relação aos pacientes.
Ainda, não há evidência sólida de que a terapia de transição melhore a vida dos pacientes submetidos a ela, além de que é sabido que ela causa infertilidade, tolhendo mais uma das possibilidades da vida futura do indivíduo, transgênero ou não.
O discurso da “aceitação do diferente”, que vale totalmente para a sexualidade (uma vez de que não haja evidência de que a homossexualidade seja uma doença), é posta para os casos das pessoas trans, como uma bandeira político-ideológica. Sem deslegitimar o movimento LGBT, mas aqui não falamos de política e cultura, e sim, de medicina e os interesses que a cerceiam.
3. Vós conhecereis a liberdade
O atual tratamento proposto pela World Professional Association for Transgender Health, órgão máximo em saúde dos transexuais, é composta por uma tríade terapêutica: tratamento hormonal, psicoterapia e, por fim, a cirurgia de troca de sexo.
O tratamento hormonal para transexuais é composto de duas partes: a primeira, por um bloqueador do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH), de forma a não estimular as gônadas do paciente, impedindo que ele produza testosterona, caso seja homem, ou estrógeno e progesterona, caso seja mulher. Assim, e quando feito até os 11 anos de idade, “bloqueia-se” a puberdade do paciente, e então é possível administrar os hormônios do sexo oposto, para que ele tenha características sexuais secundárias (barba, voz grossa, ou cintura fina e quadril largo e seios avantajados) conforme o sexo escolhido.
A parte psicoterápica consistia, até os anos 70, na terapia de manutenção, de forma a orientar a mente do indivíduo para o sexo biológico. Hoje, a orientação desse tratamento está na transição – para que o paciente seja capaz de adaptar-se ao novo corpo que terá em alguns anos.
Por fim, a parte biológica – ou anatômica – do tratamento consiste na cirurgia de troca de sexo, que não consiste apenas em mudança da genitália, mas também na colocação ou retirada de seios, cirurgias plásticas faciais, de tórax, de quadril, de membros inferiores, etc.
Agora, aos números. Um tratamento hormonal completo para a terapia de transição custa cerca de R$ 4,5 mil ao ano, incluindo aí os bloqueadores de GnRH e hormônios sexuais. A psicoterapia, quando realizada no privado, tem um preço médio de R$ 2 mil no mesmo período de tempo. Para a troca de sexo efetiva, leva-se de seis a oito anos de terapia, precisando o paciente desembolsar, em média, R$ 80 mil apenas para a primeira parte do tratamento.
O tratamento anatômico é o mais caro. Como há campanhas para despatologização da DG, se esta não é uma doença, nenhum dos procedimentos que lhe são necessários terão cobertura pelo SUS, então haverá particulares ganhando dinheiro com essa cirurgia – será que já não ouvimos essa história antes com outro procedimento cirúrgico muito reivindicado pela esquerda? –, que gira em torno de R$ 12 mil, quando realizada no privado, isso apenas para a redefinição do sexo, excluindo-se as demais cirurgias plásticas para que a troca de sexo seja completa.
O conto do vigário de algumas indústrias farmacêuticas é antigo em medicina. É a velha história que nos contam do primeiro ao sexto ano na faculdade, sobre o representante farmacêutico que bate na porta do seu consultório oferecendo um medicamento novo e inovador para qualquer doença importante que você trate e que, caso você o receite, receberá entradas para congressos, viagens na faixa, educação para os seus filhos e, além disso, estará fazendo um bem danado para o seu paciente que não melhora da doença dele com o medicamento novíssimo. Isso quando nós, alunos, não estamos buscando apoio para os congressos universitários que queremos organizar e, enquanto a padaria do bairro ou a papelaria do campus nos oferece patrocínio de um valor tal, um laboratório qualquer oferecerá esse valor ao quadrado para mostrar seu logo e, de brinde, trará um “consultor farmacêutico”, oportunamente um médico, para falar de um medicamento nunca antes visto para a doença que será abordada no simpósio. Somos instruídos pelos professores antigos ou possuidores bom-senso a ter uma postura reacionária diante novos estudos e fármacos lançados no mercado, porque mais da metade deles é inútil e representa apenas o que certos grupos de interesse desejam.
Um bom exemplo disso é a síndrome hemolítico-urêmica atípica. A SHUa é uma microangiopatia trombótica, ou seja, uma doença que afeta os pequenos vasos renais, dentre outros. Há um novo tratamento no mercado, o eculizumab – um anticorpo monoclonal que custa mais de meio milhão de reais ao ano. Os nefrologistas, dentro e fora da academia, são sempre assediados por enviados de empresas que lhes querem enfiar por goela abaixo os “benefícios” do eculizumab frente à conduta conservadora, isso quando eles mesmos não oferecem benefícios ao médico. Enquanto isso, a terapêutica clássica para essa doença é a plasmaférese – filtração de elementos do plasma sanguíneo, parecida com a diálise –, que não custa mais de dez mil reais ao ano.
A terapia conservadora para a disforia de gênero, que consiste principalmente na psicoterapia e, quando muito, de antidepressivos para a condição mental do paciente, não vai muito além de dois mil reais ao ano. Uma vez que um dos fatores de cura para condições psiquiátricas, como a depressão, são no mínimo dois anos de tratamento, o paciente que queira – ou que seja orientado nesse sentido pelas autoridades de saúde, as quais a maioria dos pacientes ouve e confia – dificilmente ultrapassará R$ 5 mil, sem grande sequela física ou psíquica, já que terá tido um desenvolvimento puberal normal, e seu fígado, rins, miocárdio e cérebro não terão recebido doses cavalares de hormônios para os quais seu organismo não está apto a tolerar, ainda mais de forma crônica.
4. E a verdade vos libertará
A não-intervenção é melhor do que a intervenção danosa. Em medicina, a relação custo-benefício é um dos pilares da terapêutica, seja ela cirúrgica, farmacológica ou de qualquer natureza. Falamos também do custo de um tratamento e do benefício que ele trará ao paciente, sendo isso objeto da farmacoeconomia.
Não somente, também entra nessa equação a iatrogenia – que são os danos causados ao paciente por qualquer tratamento. Um exemplo clássico disso é o tratamento para o câncer de próstata. O carcinoma prostático é uma doença crônica e, na maior parte dos casos, é de evolução lenta e raramente metastatiza. Até 96% dos homens estarão vivos quinze anos depois do câncer de próstata.
Agora, pensemos: se a quase totalidade dos pacientes sobrevive por mais de quinze anos a esse câncer, compensa realizar o tratamento num homem que tenha descoberto a doença com oitenta anos, considerando que essa é uma idade avançada? Será útil ao sistema de saúde, ao paciente e sua família que ele se submeta à prostatectomia, fique com sequelas urinárias e sexuais, seja submetido à quimioterapia e radioterapia, além do enorme trauma para si e para a família tratando um câncer nessa idade? O tratamento acaba causando mais dano do que o não tratamento, sendo que o paciente, nessa idade avançada, muito provavelmente possui outras condições clínicas que o levarão a óbito antes do câncer, como doenças cardiovasculares ou neurodegenerativas – como o Alzheimer. A expectativa de vida desse paciente será aumentada? Dificilmente.
No entanto, para um paciente de 60 anos, sem nenhuma doença importante diagnosticada, é útil tratá-lo? A resposta é sim: a expectativa de vida do paciente será aumentada caso ele se submeta ao tratamento, ainda que sofra os efeitos colaterais da terapêutica.
A questão da antropologia da morte tem cercado a medicina desde há muito tempo, e despontou junto da bioética na figura da eutanásia, ortotanásia e mistanásia. Pode ser colocado, aí, também, a questão da iatrogenia – o dano ao paciente causado pelo médico, que sempre existe, mesmo num tratamento para caspa –, sendo essa o nosso objeto de estudo.
A iatrogenia do atual tratamento para a disforia de gênero é grande demais: alterações hormonais, anatômicas, e câncer ao longo prazo, além do impacto na vida pessoal e social da pessoa – e, conforme discutido ao longo deste artigo, e visto nessa seção, dificilmente vale a pena você aceitar o pedido desse paciente, lembrando que ele tem um transtorno mental – para iniciar a terapia de transição sexual. Paralelamente, a iatrogenia para o tratamento conservador é substancialmente inferior: não envolve cirurgias nem hormônios, além de possuir um custo infinitamente menor ao paciente, que chegará na sua vida adulta com um corpo sadio, não com uma dívida milionária.
O tratamento da DG em crianças, na prática, significa experimentação em massa – como o Experimento Tuskegee, para sífilis, feito dos anos 30 a 70 nos EUA –, e esterilização de crianças cognitivamente incapazes de decidir por si mesmas (Colégio Americano de Pediatria, 2018).
Como tudo na vida tem armadilhas, uma das armadilhas da medicina são os “especialistas” que rogam pela terapia de transição, sem pensar duas vezes na saúde e bem-estar real do paciente em troca do seu dinheiro e do seu sofrimento. Como sabemos que a maldade existe e bate a nossa porta, é inútil querermos que essa gente pare de agir de forma anti-ética, vendendo tratamentos desnecessários e perigosos a pacientes fragilizados. Em vez disso, nós, como comunidade, precisamos ser refratários ao tratamento atualizado de disforia de gênero e à ideologia que o patenteia, os quais representam ruinosas conseqüências no futuro para as nossas crianças e para a sociedade.
Se você não dá hormônios ao seu cachorro, por que daria ao seu filho?
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REFERÊNCIAS
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VILLAR, Lucio. Endocrinologia clínica. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan, 2013.
Augusto Gaidukas
Estudante de medicina na PUC-Campinas. Possui formação em finanças pela mesma universidade.