Por que o PSOL comete suicídio político?

por Paulo Roberto Silva (05/03/2018)

Era uma vez um partido que dava trabalho ao PT no governo. Agora, o PSOL morreu como alternativa de poder.

Em um dos artigos incluídos em Nested Games, o cientista político Georges Tsebelis usa um modelo de teoria dos jogos para entender por que o Partido Trabalhista britânico tendia a tomar decisões políticas que o afastavam da opinião pública. A conclusão do artigo, que se chama “Por que o Partido Trabalhista parece cometer suicídio político?”, foi que a militância exerce uma maior pressão sobre a direção do partido que a massa de eleitores. Por isso, se a militância se dissocia da sociedade em geral, o partido tende a tomar decisões que o afastam do cidadão comum.

Neste final de semana o PSOL escolheu um militante do PT como candidato a presidente. Sim, você não entendeu errado. O PSOL não decidiu lançar um candidato próprio, nem apoiar o candidato do PT, mas escolheu um militante do PT como seu candidato. O fato permite várias interpretações, a maioria ruim para o partido. Em resumo, o PSOL comete um suicídio político com essa decisão.

Por quê? Pense. Qual a razão para votar em candidatos de um partido que se declaram completamente incompetentes para disputar uma eleição majoritária? Se é para votar em alguém do PT, por que não votar no candidato do PT de uma vez? O PCdoB, pelo menos, escolheu uma deputada deles para disputar a eleição. É mais digno. Hoje não consigo escolher um militante do PSOL nem para funcionário do mês.

A razão por trás de uma decisão dessas está relacionada, como demonstrou o artigo de Tsebelis, a um processo cruel desencadeado na militância de esquerda a partir de 2014. Já tratamos dele aqui mesmo na Amálgama. Reproduzo rapidamente a descrição do mecanismo:

As narrativas do medo (…) são instrumentos eficazes para promover o status quo. Ameaçados por mudanças rumo ao desconhecido aterrorizante, as pessoas tendem, por instinto de sobrevivência, a deixar tudo como está. “Na dúvida, não mova um músculo”, diz o cérebro.

E aqui:

Apesar de nossa tradição autoritária, especialmente para com os mais pobres, o regime de 1964 parece ter deixado marcas mais fundas no imaginário da esquerda. Torturas, mortes cruéis, prisões, desaparecimentos. Foi como se toda a esquerda brasileira, democrática ou não, se visse diante do inimigo mais terrível que poderia enfrentar.

O fato de não termos resolvido de forma adequada esse legado negativo no Brasil só alimenta esse monstro imaginário. Afinal, permitimos que o torturador Brilhante Ustra, como tantos outros, pudesse morrer em paz, sem sofrer uma única condenação pelos seus crimes contra a humanidade. Não só, permitimos que um deputado reivindique esse mesmo Brilhante Ustra como justificativa de seu voto pelo impeachment. Ou seja, não delimitamos o opróbrio da ditadura ao seu devido lugar, e permitimos que seu fantasma esteja em todo canto.

Desde 2014 o PSOL vem abandonando seu lugar de oposição de esquerda ao petismo para adotar uma linha de ala esquerda do lulismo. Esse movimento vem acontecendo apesar dos evidentes prejuízos políticos que o partido sofreu com esta opção. A eleição de 2016 no Rio de Janeiro é um exemplo: Marcelo Freixo, que sempre foi crítico à aliança Lula-Cabral-Paes, apareceu como o campeão da defesa do legado petista, enquanto Marcelo Crivella, ex-ministro de Lula e Dilma, soava como oposição. O resultado, obviamente, foi a eleição de Crivella.

Contudo, o PSOL parece ser aquele tipo de pessoa que cura ressaca com cachaça, ou intoxicação alimentar com salmonela. Ao invés de operar um distanciamento do petismo, intensificou seus laços umbilicais com o PT. Guilherme Boulos não é uma voz interna crítica aos rumos do partido. Pelo contrário, se posiciona como chefe do exército de Lula, o lobista da Odebrecht. Sua candidatura, portanto, não é de crítica ao legado lulista, mas de continuidade deste legado. Não foi à toa que o próprio Lula saudou sua candidatura.

Contudo, o eleitor busca distância desse legado. Já na eleição de 2016 os candidatos do PT tomaram uma surra nas urnas, com raras exceções. As pesquisas mostram que isto se repete em 2018, e mesmo Lula lidera a rejeição. Por que disputar um legado tão ruim? Não é racional. É a lógica da Narrativa do Golpe operando.

Era uma vez o partido que dava trabalho ao PT no governo. Neste final de semana, o PSOL morreu como alternativa de poder.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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