A luta contra milícias, grupos de extermínio, contra maus policiais, não deveria ser apenas de Marielle Franco e do PSOL.
No meu último artigo publicado pela Amálgama, ataquei duramente as escolhas políticas do PSOL. Condeno com veemência o socialismo, religião que o PSOL professa. O liberalismo é a cartilha pela qual rezo. Mas não posso deixar de dizer que o PSOL é o único partido, dentre as muitas agremiações políticas brasileiras, que combate as milícias.
O liberalismo nasceu da preocupação do cidadão com os excessos do Estado, instituição que, a cada instante, foge do seu papel de proteger as liberdades – e as tolhe, as rouba. O liberalismo não é uma filosofia que prega apenas o livre-mercado. Vai muito além disso: prega que o sujeito não pode ser espoliado dos seus direitos naturais, de seus arbítrios, de suas vontades; não pode perder o direito de ir e vir, de comprar e consumir as coisas que quiser e de quem quiser, de trabalhar como quiser, de amar quem quiser, de viver como quiser.
Como liberal por vocação, tenho o mesmo horror às milícias que tenho às quadrilhas organizadas do tráfico de drogas, que dominam comunidades pobres e impõem arbitrariedade, retirando os direitos humanos mais básicos dos que vivem sob seu domínio. Como liberal por vocação, defendo os direitos de todos os homens à vida. Como liberal por vocação, jamais poderei admitir que criaturas de Deus possam ser barbaramente executadas e torturadas por agentes do Estado, cuja função primordial é justamente proteger as pessoas que por eles são assassinadas.
Acreditando com toda a força na filosofia da liberdade, aplaudo o trabalho da vereadora Marielle Franco, que combateu até o fim a barbárie promovida pelas forças do Estado. E me horrorizo com a forma covarde, cruel, selvagem, ímpia, truculenta e desumana como Marielle foi assassinada.
Marielle Franco foi assassinada porque denunciava as execuções sumárias promovidas por agentes do Estado, como as que ocorreram na favela do Acari. Foi assassinada porque peitou a milícia, que dita o terror e faz absurdos, com as bênçãos do Estado.
A nós, liberais, não nos cabe calar diante de violações dos direitos humanos. O mesmo horror que devotamos aos regimes totalitários, às quadrilhas como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho, devemos por força de nosso próprio credo devotar às milícias e ao Estado que executa sumariamente gente inocente.
Tenho ojeriza verdadeira dos imbecis que enchem as caixas de mensagem dos portais de notícia, de páginas do Facebook, em respostas a tweets, zombando desse assassinato cruel e dizendo: “era só uma vítima da sociedade”, “e os outros 60.000 assassinados por ano, onde estão?”, ou, no caso dos mais vis, “bem-feito”. São idiotas. Tão idiotas que não percebem que, amanhã, do nada, podem ser sumariamente executados, sendo cidadãos de bem ou não, porque olharam torto para um policial membro de grupo de extermínio, porque peitaram um miliciano sem saber, porque testemunharam sem querer uma execução sumária. Isso acontece o tempo todo!
Nesse momento de horror, simbolizado por uma vereadora cujo mandato combatia as execuções e o terror promovido por forças de Estado, os liberais, por coerência, devemos nos somar à luta. A luta contra milícias, grupos de extermínio, contra maus policiais, torturadores, não deveria ser apenas de Marielle Franco e do PSOL. Deve ser uma luta de todos nós.
Quem se calar e quem se regozijar, diante do sangue que escorre à nossa vista, com as bênçãos do poder público, que é o sangue de Marielle e de muitíssimos outros brasileiros, não defende a liberdade, mas a arbitrariedade e o totalitarismo. Não se queixe a Deus, não implore perdão àquele de quem nada se pode esconder, quando for a próxima vítima. Quem comemora um assassinato perpetrado provavelmente por milicianos, não é diferente de um entusiasta de Nicolás Maduro.
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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