Dou o braço a torcer aos amigos petistas: é golpe! Mas o golpe consiste em salvar o chefe petista da prisão.
Quando da delação de Sérgio Machado, que atingiu fortemente a cúpula do PMDB (hoje, MDB), havia um só avatar nos perfis de Twitter e Facebook de cada sujeito que gritava “golpe”. Era uma gravação de uma conversa com o senador Romero Jucá (MDB-RR), em que ele falava em um grande acordo nacional para levar Michel Temer à presidência. Seletivamente, alguns trechos não constavam nos avatares, nem nos portais de notícias falsas bancados pelo finado governo Dilma.
Antes de entrar propriamente no assunto, cumpre dizer que estavam certos. Existiu um grande acordo nacional. Mas, ele não consistia apenas em alçar Temer à suprema magistratura da República. Tinha mais, muito mais. Relembremos. Machado disse a Jucá: “O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo”. A resposta de Jucá? “Com o Supremo, com tudo”.
Vimos no último dia 22, quinta-feira, o grande acordo nacional em andamento. Num julgamento pouco ortodoxo, com as bênçãos dos ministros José Antônio Dias Toffoli – insuspeitíssimo ex-advogado do PT e ex-Advogado-Geral da União do próprio paciente do habeas corpus -, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, o ex-presidente Lula recebeu um salvo-conduto para ficar fora do xadrez.
Diante do exposto, dou o braço a torcer aos amigos petistas: é golpe!
Mas o golpe consiste no conchavo sujo que a quadrilha cognominada Partido dos Trabalhadores tem feito desde o princípio para salvar o seu chefe da prisão, que é o seu lugar. O golpe começou quando a ex-presidente Dilma, à altura da espontânea revolta popular de junho de 2013, tentou propor uma inédita e ilegal assembleia constituinte “exclusiva” para a reforma política – para empurrar goela abaixo dos brasileiros dispositivos constitucionais autoritários, à venezuelana.
Tivemos manifestação do golpismo quando Dilma, enquanto as investigações da Operação Lava-Jato avançavam, tentou nomear Lula para o posto de ministro-chefe da Casa Civil, com o fim de dar-lhe foro privilegiado e livrá-lo do juiz Sérgio Moro. Golpismo, aliás, que escarnecia da população brasileira, que lotou ruas e praças, e promoveu panelaços para protestar.
Tivemos manifestação do golpismo quando Waldir Maranhão, então vice-presidente da Câmara, resolveu tentar anular a votação do impedimento na Câmara através de uma canetada.
Tivemos manifestação do golpismo mais grosseiro – ao inteiro arrepio da Constituição – quando resolveu-se condenar Dilma, obviamente culpada de crime de responsabilidade, mas sem a pena obrigatória, e não acessória, da perda dos direitos políticos por oito anos. Tudo sob as bênçãos de Ricardo Lewandowski, essa menina dos olhos do petismo, como comprovou-se durante o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como processo do mensalão.
Agora, para coroar o bolo com uma cereja, tivemos uma manifestação do golpismo no plenário do Supremo Tribunal Federal, quando livraram Lula da justa prisão iminente.
O petismo não é só golpista no sentido da ciência política, mas do vulgo popular. É uma seita de estelionatários da verdade, que simulam uma realidade paralela e negam o que está diante dos olhos. É golpista quando finge que é atingido por um golpe análogo ao do que são partícipes e promotores.
Golpismo sórdido é o que tenta dizer que a morte da vereadora Marielle Franco é parte da perseguição penal a Lula. Chega a ser um vilipêndio à memória da vereadora — porque Lula foi condenado, ainda que provavelmente jamais cumpra a pena, por enriquecer a si e a seus parceiros usando de cargo público, enquanto Marielle foi provavelmente morta por denunciar excessos do Estado.
Golpismo poltrão, mofino e covarde é o que tenta comparar a prisão de Rafael Braga, sob as bênçãos da lei-antiterrorismo de Dilma, que não teve um Supremo Tribunal Federal a lhe conceder salvo-conduto, que foi preso por portar uma garrafa de Pinho Sol e teve poucos defensores abnegados, ao contrário de Lula, um branco, milionário, poderoso, protegido por uma legião de abilolados, defendido em ofício por gente do quilate do ex-ministro Sepúlveda Pertence, e que tem sua impunidade comemorada em verso e prosa pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Golpismo rasteiro é o de quem diz que estamos num “Estado de exceção”, no qual não há justiça, porque Lula está sendo processado diante de provas irrefutáveis de crimes. Curiosamente, nesse suposto “Estado de exceção”, eis Lula, o perseguido, tendo todas as garantias penais que a multidão da massa carcerária não tem!
Um-sete-um é a expressão popular, inspirada no Código Penal, que mais perfeitamente se amolda à solidez da cara-de-pau do petismo. Vimos isso nos protestos contra o pífio ajuste fiscal – que deveria ser muito maior! – e na alegação de que tudo começou a piorar na posse de Temer, que recebeu um país quebrado na mão de uma das criaturas mais incompetentes que já passaram pelo gabinete da Presidência. Vimos isso nas mentiras sobre perdas de direitos, que não se sustentam diante de uma pergunta: quais direitos foram retirados?
Depois, com muita petulância em ousadia, chamam de avanço fascista a resposta de grande parte do povo brasileiro, quando foi às ruas pedir a saída de Dilma. A cada denúncia contra Michel Temer, perguntam, cinicamente, onde estão as panelas. Se esquecem, é claro, que Temer foi eleito duas vezes vice-presidente na chapa capitaneada pelo PT; para elegê-lo, bastava apertar 13. Mas entendem, no fundo do coração, que ninguém bate qualquer panela justamente porque é preferível o banditismo e a rapinagem de Temer, Moreira Franco et caterva, ao golpismo descarado, autoritário, verdadeiramente fascista, promovido pela bandalha de Lula.
O que querem, afinal? Querem gerar mais convulsão social? Querem que o Brasil, enojado, resolva eleger um imbecil radical como Jair Bolsonaro? Querem realmente testar até que ponto a sociedade passiva, que prefere implodir-se a tomar as ruas, pode aguentar?
O que querem, não posso afirmar. Posso afirmar o que não quer o petismo e o seu séquito, engordados ao longo de 13 anos por verbas à mão cheia, irresponsabilidade fiscal, descompromisso com a democracia, messianismo e, como diria o ministro Barroso, pitadas de psicopatia. O que não querem é paz, estabilidade, liberdade, honestidade e transparência. O que não querem é que – pelo preço que for, e ainda que o Brasil pereça – seu corrupto lavador de dinheiro vá para a cadeia.
Lucas Baqueiro
Bacharel em Humanidades pela UFBA. Editor de política e atualidades da Amálgama.
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