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Por que ir às ruas no dia 3 de abril

por Lucas Berlanza (31/03/2018)

No dia 4, o STF pode decretar que a lei não é para todos.

O inimigo, em 2015 e 2016, era claro. O Brasil precisava se livrar de uma governante inepta que, representando um hediondo projeto de poder, cometeu crime fiscal e mergulhou o país em recessão profunda. Precisava reagir a um espúrio estelionato eleitoral. O alvo imediato era claro: Dilma Rousseff – e, ao mesmo tempo, o PT.

Alvo justo, necessário, prioritário e que precisava ser desesperadamente expurgado. Fomos às ruas de forma pacífica tomar a parte que nos cabia na História. Saímos triunfantes, o objetivo foi alcançado, a figura contra quem nos uníamos todos – conservadores, liberais, bolsonaristas, Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua, sociais democratas – foi removida. O país respirou ares de maior liberdade, aliviado por ter impedido os riscos imediatos que corria. Retificou o erro histórico primordial que havia sido confiar à quadrilha vermelha a sua condução.

Entrementes, apenas os muito iludidos suporiam que os esforços estariam então concluídos. Não nos referimos aqui apenas à necessidade de reformas estruturais, de projetos de nação que venham substituir o vácuo deixado pelos meliantes autoritários destronados. Não nos referimos também tão-somente à obviedade de que, à queda do PT, seguiu-se um incremento de disputas entre os diferentes poderes da República, invadindo-se mutuamente as prerrogativas. Tampouco unicamente ao fato de que, conquanto não esposem socialismos embolorados ou doutrinas genocidas e tenham conseguido resgatar alguma razoabilidade nos indicadores econômicos, os fisiológicos que permanecem no comando da política nacional não são exatamente as figuras mais recomendáveis.

O próprio PT, ou, por outra, a própria extrema esquerda, em seus artifícios de reinvenção, não deixaram de ser entrave, mesmo tendo perdido o Poder Executivo, mesmo sofrendo duras derrotas nas urnas. A sombra de Lula permaneceu esvoaçando sobre nós, desrespeitando a lei eleitoral desbragadamente, vociferando ameaças, tentando constantemente nos lembrar de que este país não pertence a ninguém senão a ele. Derrotamos sua criatura, obrigada a abandonar o Planalto antes do término de um mandato a que jamais deveria ter sido reconduzida. Ganhamos espaço, nós, os que divergem, os que contestam, os que se indignam, como poucas vezes o tivemos antes. Ele, por sua vez, decaiu de seu pedestal megalômano sob as bordoadas da verdade pura e simples, desnudada pelas investigações policiais e consagrada pelo juízo de duas instâncias.

E aí sobreveio o Supremo Tribunal Federal – em boa medida, na constituição de seu time atual, também ele criatura do lulopetismo. A instância máxima da Justiça, o guardião da Constituição: epítetos que se provam, a cada dia, tão hiperbólicos quanto despudoradamente falsos. Em aparente tentativa de tatear nosso senso de propósito e nossa tolerância ao escárnio público, os distintíssimos ministros decidiram deixar para depois, exatamente para o dia 4 de abril, a fim de saborearem as delícias de um feriado prolongadíssimo, a continuidade de uma votação de pedido de habeas corpus da defesa de Lula, concedendo-lhe um esquizofrênico “habeas corpus provisório” que impede a aplicação de sentença já definitivamente estabelecida. O tribunal “acovardado”, como o próprio Lula a ele se referiu, decidiu prestar um novo serviço ao mestre decaído, com uma deferência que, todos sabemos, não seria oferecida ao Zé das Couves se ele estivesse no lugar do ex-presidente.

Abate-se sobre nós o risco redobrado. Um ministro do STF pode simplesmente “pedir vistas” e permitir que o fantasma da impunidade sobre Lula se adense sobre nós, prolongando suas zombarias de nossa decência, revigorando as palavras de Rui Barbosa sobre a “vergonha de ser honesto”.  O tribunal pode, por outro lado, conceder o habeas corpus – e, sem sombra de dúvida, se esforçar por abrir um perigosíssimo precedente, capaz de beneficiar, mais adiante, sobretudo se revisarem igualmente a prisão após segunda instância, outros caciques políticos criminosos de diferentes partidos, bem como outros tipos de crápulas, incluindo traficantes. Está nas mãos da suprema esfera do Judiciário, que já agiu de modo a privilegiar Lula, o poder de decretar o deboche institucionalizado, transformar a impunidade em cláusula única da Constituição brasileira e estabelecer de vez a insegurança jurídica.

O mesmo STF que aliviou as punições do impeachment para a presidente Dilma; o mesmo STF que dispõe de membros ávidos por legislar, por surrupiar competências que não lhes cabem; o mesmo STF, paradoxalmente, o Poder Judiciário, pode decretar o vale tudo. Pode estabelecer o caos completo. Pode aniquilar toda a previsibilidade e fomentar a ruptura institucional.

Pode fazer tudo isso se der um simples recado: a lei não é para todos. Alguns merecem mais cuidados do que outros. Lula não estava nutrindo delírios de grandeza: o Brasil é dele mesmo. Dele e de toda a excelentíssima escória que se beneficiará das deliberações arbitrárias de insanos de toga.

Essa situação periclitante nos encontra divididos, arrefecidos pela tímida melhoria do peso sobre os bolsos, mas enfrentando-nos uns aos outros por preferências eleitorais. Até certo ponto, tudo isso é naturalmente compreensível; até certo ponto. Para além deste, passará a ser irresponsabilidade. Passará a ser a mais completa falta de percepção de prioridades.

Ir às ruas no dia 3 – e no dia 4, em Brasília – não é apoiar esse ou aquele candidato. Não iremos às ruas para que tal ou qual plataforma triunfe. Não iremos para que tal ou qual movimento organizado tenha sucesso. O momento é de clareza cristalina, na mesma proporção em que dolorosa, e não demanda grande complexidade para ser compreendido: a manifestação para que Luiz Inácio Lula da Silva seja preso, para que o STF não nos subtraia os mínimos fundamentos de uma sociedade organizada sob a égide da lei, é uma manifestação tão ou mais importante, tão ou mais decisiva, quanto aquelas que empreendemos pelo impeachment.

Se há bandeira que nos deve unir, à revelia de partidos e desavenças por quinquilharias, é o combate a este drama capital. A hora é de sermos grandes, não de nos atarmos os pés e nos quedarmos na pequenez. O STF nos desafiou, mais uma vez. Ele desdenha de nós. Sente-se inteiramente fora do alcance do homem comum. Acredita que pode fazer, julgar e executar a lei, todo-poderoso, sem consequências.

Se não queremos que nossos descendentes olhem para trás e se envergonhem do silêncio desonroso com que teremos respondido, temos o dever de estar nas ruas novamente. O inimigo, desta vez, é mais poderoso que uma presidente da República e acredita que nosso grito não pode encontrá-lo. Acredita que suas chicanas medíocres tem o condão de pairar ilesas sobre a consciência do povo.

Pelo nosso futuro como nação, pelos nossos filhos, netos e bisnetos e, talvez de forma ainda mais gritante, pela nossa honra pessoal, é hora de provar que estão errados. É hora de declamar nosso apreço pela impessoalidade da lei. Hora de deixar registrado, em verde e amarelo, que nossa bandeira não é uma excrescência sobre a qual esses senhores têm o direito de cuspir, a que possam dar de ombros. 18h, dia 3, e em Brasília, dia 4, nós temos um compromisso. Não faltemos.

Lucas Berlanza

Jornalista, colunista do Instituto Liberal e editor da Sentinela Lacerdista. Autor do Guia bibliográfico da Nova Direita.