Admirável Brasil Novo

O Brasil é o país do futuro, e o futuro já chegou.

Uma teocracia em que gays serão mortos sem que haja nenhuma reação, em que se exilarão para escapar da violência ou simplesmente terão de viver escondidos, com medo ao passo em que o governo suspende campanhas, dá declarações pavorosas de que não fará “propaganda de opção sexual” e amplia os poderes de uma casta fanática e intolerante de religiosos ladrões que passam a dar as cartas e definir políticas de “direitos humanos”.

Um país onde índios serão apenas lembrança do passado. Os que não aceitarem ser aculturados morrerão pelas mãos de ruralistas amigos do governo, por milícias de “atingidos pelo meio ambiente” ou serão enfileirados e fuzilados por militares e policiais à serviço de empresas construtoras de usinas numa prostituição explícita do público frente ao privado. Sustentabilidade, conservação e meio ambiente serão apenas fantasia. O que importa é apenas o “progresso”, mesmo que este seja igual à de uma ditadura que ficou no passado, assim como os arquivos ficaram secretos e os criminosos puderam escapar impunes.

A Amazônia será apenas uma vaga lembrança nas mentes dos mais velhos, contado nos livros de história como uma região que atrasava o progresso graças a “santuaristas” que cometiam o crime de defender a biodiversidade, seu uso racional e sua população nativa — agora aculturada ou morta. Teremos uma região coalhada por hidroelétricas, com diversos pontos desertos e grandes “desertos verdes” de soja e outros produtos cultivados com excesso de agrotóxicos, cuja chegada ao Brasil era intermediada por um antigo líder do governo.

O Brasil será o país em que mulheres serão apenas meros objetos de prazer, coisificadas nas TVs sem compromisso com o social e nenhuma função educativa. Entretenimento rasteiro puro, manipulativo, privado, “midiota”. Mas, claro, nada de garantia de salários iguais, nenhum direito ao próprio corpo, afinal, um punhado de células no útero terão os mesmos direitos — ou até mais — que o das mulheres…

A mídia será livre. Livre para mentir, livre para fabricar notícias, livre para criminalizar os movimentos sociais, e responderá apenas e exclusivamente aos interesses de seus donos e patrocinadores, igual ao governo, que apenas responderá aos patrocinadores e para isso investirá em obras faraônicas e destruidoras como forma de garantir o lucro de quem tanto investiu em sua viabilidade política.

O povo que ficar no caminho será removido. À força se for preciso e, se aceitar ser deslocado, receberá indenizações ínfimas e irrisórias apenas para calar a boca. Se não calar a tropa de choque estará pronta a usar armas “não-letais” para torturar e, até, matar um ou outro sem que ninguém dê muita importância.

O país estará nas mãos de empresas privadas que controlarão tudo. Da internet às estradas, passando por aeroportos e, pasme, até nossa aposentadoria. Isto é, se acharem por bem pagar algo depois de anos de contribuição, pois podem usar nosso dinheiro como bem quiserem, inclusive podem perdê-lo no “mercado”, que nada mais é que um jogo de pôquer bilionário.

O povo será controlado e amansado por geladeiras com impostos reduzidos, carros zero em mil prestações e incentivado pela ineficiência cada vez mais acentuada do transporte público — que de “público” não tem nada, pois é pago, é caro e quase proibitivo pra imensa parcela da população -, celulares comprados em 500 prestações — sem juros! — e pela promessa de um futuro melhor… Mas já estamos no futuro!

Alguns terão de ser removidos à força de casa para dar lugar ao progresso ou porque se endividaram nas prestações a juros “camaradas” mais altos do mundo e irão para ocupações ser massacrados por um aparato policial imenso e sob o silêncio do governo que preza pelos direitos humanos (para humanos, o que exclui índios, gays, pobres…).

A intelectualidade será formada por UniEsquinas subsidiadas pelo governo, ao passo que as universidades públicas passarão a cobrar um pouco aqui e um pouco ali, especialmente nas pós-graduações de cursos lucrativos — perfumaria como Filosofia e outros cursos desimportantes serão fechados por falta de público e/ou utilidade “prática” dos mesmos. As universidades públicas terão apenas professores contratados por prazo, como substitutos, sem dignidade, isto quando não houver claros déficits de pessoal/material/bibliotecas ou mesmo de estrutura.

Mas as privadas florescerão. Com seus acordos com as igrejas — que agora são parte do poder e da institucionalidade –, enriquecerão e crescerão, “formando” cada vez mais pessoas para um mercado mais e mais precarizante. Os salários dos professores são apenas um pouco maior que o mínimo, afinal, eles dão aula só por prazer e vocação. E lembrem-se que a aposentadoria deles não está garantida, pois ela também serve ao pôquer mercadológico.

Os que não conseguirem chegar lá nem com tanta “ajuda”, poderão garantir trabalho nas obras faraônicas, mas sem direito à greve, sem dignidade, levando porrada no lombo da polícia mancomunada com os interesses privados (com helicópteros alugados por empresas para policiais apontarem fuzis para o povo ilegalmente em greve), sendo demitidos por protestar e, claro, garantindo prostitutas para apaziguar ou arrefecer os ânimos mais exaltados, ideia excelente de um deputado ligado ao governo e líder sindical anti-greve.

Tudo isto será garantido por uma milícia de consciência. Fanáticos pagos ou não pelo governo, prontos a repetir incansavelmente os mantras governamentais e sustentar tudo e todos. Qualquer oposição será duramente castigada e reduzida a #mimimi. Ameaças serão feitas também, e virão junto com um ufanismo deslocado e pseudo-nacionalista, ao passo que nossas riquezas serão desnacionalizadas e destruídas para produzir produtos primários para exportação.

Mas, como uma mãe tolerante, esses fanáticos estarão sempre de braços abertos para receber qualquer “desertor” do outro lado disposto a fingir apoiar ideologicamente o governo mas que, na verdade, apenas ajudará a aprofundar a teocracia e a ladroaria geral. Mas serão “companheiros”, tratados melhor do que qualquer crítico, mesmo o bem intencionado.

Tudo isso, porém, não será de graça. Teremos um consumismo desenfreado pautado por juros baixos e muito endividamento. Mas, bem, consumir é o principal propósito ou razão da vida, não?

Mas o Brasil é o país do futuro, e o futuro já chegou.



  • Arce

    É fato que o caráter laico do Brasil está sendo cada vez mais ameaçado, mas aos poucos estamos avançando na área diplomática e econômica.

  • http://www.nossostons.com Julio Marinho

    Por mais que eu não queira, sou obrigado a concordar com cada vírgula.

  • http://www.colbertreport.com Gabriel Gabbardo

    Daria para levar o Tsavkko mais a sério se ele fosse mais maduro. “Teocracia”? Está certo que a influência religiosa fundamentalista ficou mais evidente nos últimos anos, mas eu diria que não poderia deixar de sê-lo, frente a alguns avanços nos últimos anos – julgamento dos anencéfalos, união civil de homossexuais. Falar que vivemos em uma “teocracia” uma semana depois da legalização de aborto de anencéfalos é coisa de: A) alguém que não sabe o que é teocracia, e está mais preocupado com sua agenda ideológica do que com a verdade; b) criança birrenta.

    O que ele qualifica como “presente” (sob o manto de “futuro”) da situação da mulher é, a bem da verdade, um estado de coisas de vários séculos. Como já disse o NPTO, para haver retrocesso é necessário haver progresso….

    • http://www.tsavkko.com.br Raphael Tsavkko

      Daria pra te levar a sério se você fosse capaz de compreender ironias e exageros em um texto provocativo….

      Aliás, um texto que não fala necessariamente do “hoje”, mas de um “admirável brasil novo”, ou seja, projeções brincando com o presente.

      Quanto aos avanços, você fala aqueles que o JUDICIÁRIO nos trouxe, já que se depender do executivo e do legislativo voltamos à era da chibata e perseguiremos gays na rua como esporte nacional com pastores aplaudindo?

      Recomendo seriamente que aprendas interpretação de texto, porque tá difícil!

      • Arce

        Como você acha que esse movimento reacionário deveria ser combatido? e na sua opinião,além dessa área,em quais setores o governo cometeu muitos erros e quais foram eles e o que deveria ser feito para resolve-los?

      • http://www.colbertreport.com Gabriel Gabbardo

        Sim, aqueles que o JUDICIÁRIO (sic) trouxe. Porque, se estivéssemos em uma “teocracia”, esses avanços não existiriam.

        Ee não me venha com essa história de ironia e exagero. Palavras significam coisas. Justificar a palavra “teocracia” legitima o “exagero” dos que falam em “ditadura” do “gayzismo”.

        É fácil para alguém com diploma universitário falar de “controle” e “amanso” da população por geladeiras. Difícil é falar com alguém que nunca teve uma geladeira na vida, e dizer que ele está sendo controlado – pela teocracia, talvlvez?

      • http://www.colbertreport.com Gabriel Gabbardo

        Aliás, destaco que não há nenhuma ironia no texto. Até onde sei, utilizar-se de linguagem irônica significa falar bem de algo, querendo, na verdade, falar mal deste algo. Pelo que entendi, tu achas que a “teocracia” é ruim, que os “fanáticos” são fanáticos, que as empresas privadas que controlam tudo controlam tudo MESMO, os juros “camaradas” logo são seguidos pelo qualificador “mais altos do mundo” (o que descaracteriza totalmente a ironia)…

        Enfim, se quiser que eu aprenda interpretação de texto, sugiro me ver algo mais decente.

        Tá feia a situação do Amálgama. Vem o Morgenstern com aquelas bobagens, e depois me vem isso?

  • Arce

    Tsavkko,quem você acha que é o melhor e o pior crítico do Governo Dilma e por quê ?

  • Leonardo

    Muito V de Vingança pro meu gosto.

  • http://www.tsavkko.com.br Raphael Tsavkko

    Falando em teocracia, adivinha o partido que quer fazer o congresso derrubar as decisõs do STF para agradar os Marginais da Fé e barrar a única área progressista dos poderes brasileiros?

    http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2012/04/25/ccj-aprova-proposta-que-autoriza-congresso-a-derrubar-atos-do-stf.htm

  • http://www.parrhesia.org.br sinistro

    http://www.parrhesia.org.br/2012/04/indio-no-forum-social-tematico-2012.html

    deixo essa mensagem a disposição no nosso site quem quiser passar lá e conferir, parabéns pela matéria as vezes uma mentira vale mais que mil verdades ….

    Sinistro

  • Augusto

    Seu texto é em boa parte a mais pura verdade, infelizmente, mas creio que generalizar e radicalizar não é correto. Algumas dessas críticas à essas sujas verdades que você sitou carregam uma certa hipocrisia. Vou citar algumas mais, digamos, práticas e sem fundos que criem espaço a debates filosóficos : Você não come alimentos trangênicos ? Você não trafega por nenhuma avenida no caminho para sua casa aonde um dia existia uma casa ? Você se submete a jogar os seus aparelhos eletrônicos ( fabricados com mão de obra escrava em algum lugar da China ) no lixo para que a demanda de energia elétrica não aumente ? Você não consome alimentos industrializados fabricados a partir da soja cultivada em campos que outrora foram exuberantes florestas ? Se você vive nessa sociedade porca, você também possui sua parcela de culpa em tudo que você sitou.
    Não somos meras vítimas, antes de tudo, somos cúmplices !
    Se é pra radicalizar no discurso, radicalize em suas ações e boicote tudo o que você sitou !

  • Augusto

    Outra coisa ainda mais grave Tsavkko, você critica a grande mídia por ser manipulada/manipuladora ao mesmo tempo que se informa e cita trechos dela ! ( UOL )

  • Luís

    Esqueceu de falar da “Encruzão Dijitau”.

  • Catatau

    O texto é muito bom, como todos que você escreve.

    Mas neste “desabafo” é curioso que ficamos todos girando no vazio sabendo que estamos cheios, denunciamos coisas aqui, ali, acolá, mostramos todos esses aspectos “repressivos” (contra “os” gays, “a” amazônia, “o”, “a”…), mas, para não acolher o que alguns disseram algum tempo atrás, esquecemos de mostrar a maquinaria mesma de todas essas ditas “repressões”, o que elas possuem de produtivo de nossa própria “subjetividade”, o que nelas é “positivo” e engendra nossa sociedade a partir do momento em que saímos na rua ou ligamos a TV.

    Nisso, esse texto se junta com tantos outros num coro que fala muito, mas não sabota a maquinaria que fez falar. É bonito falar que o homem polui a água, mas não denuncio a maquinaria que suja a água da minha rua. Reclamamos do gato mas não o pegamos no pulo, no que o fez pular. Os teocratas continuarão assim, a mídia muito bem obrigado, e os “produtores” desmatando. Inúmeros textos virão sobre o pulo do gato, mas não analisamos a fisiologia mesma que fez o gato pular.

    Michael Hardt dizia algo do gênero: a esquerda não é quem defende um discurso de esquerda, mas quem desmonta a maquinaria (caso a caso, picuinha a picuinha) que gerou os problemas que a esquerda doravante enfrentará. Enfim…

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