Ao ver uma mulher que lhe desperte pensamentos de queijo quente sozinha no ponto de ônibus à meia-noite, faça-lhe um enorme favor: siga em frente.
Peço um minuto de sua atenção, amigo-homem-que-pára-o-carro-diante-do-ponto-de-ônibus-para-cumprimentar-a-mulher-desconhecida-que-está-esperando-o-ônibus.
Às vezes você dá só um oi, às vezes diz oi, gostosa! e, outras vezes ainda, emite um som de queijo quente chiando na chapa – fssssss. Qualquer que seja a sua saudação de costume, amigo homem, entenda: me solidarizo e estou com você. Você deve mesmo e está totalmente no seu direito de testar abordagens variadas com quaisquer mulheres que lhe façam pensar em queijo na chapa. Afinal, nunca se sabe quando uma saudação dessas pode se transformar numa melosa história de amor ou numa tórrida noite de sexo selvagem. Eu mesma nunca vi acontecer, mas quem sou eu para dizer – não é isso o que nos mostram os filmes? Pois bem. Sejam quais forem as suas chances de obter um “olá” para o seu “oi” ou um “tesudo!” para o seu “gostosa!”, desejo todo o sucesso do mundo para você. Vá à luta. Antes ir à luta do que ver a vida passar pelo ponto de ônibus e, além do mais, sempre existe uma panela velha para um chinelo cansado, não é mesmo? Então segura na mão dos clichês e boa sorte com a gostosa do busão…
… AO MEIO-DIA.
Perceba, amigo homem, que tudo isso é bonito e válido e cem por cento aprovado pelas organizações Recordar, Repetir e Elaborar se for levado a termo ao meio-dia, em uma avenida movimentada, em um ponto concorrido. Também pode ser ao meio-dia e trinta e sete ou às cinco e vinte, sem problema algum. Sei que não preciso explicar. Você entendeu. Você e eu entendemos que esse tipo de interação é uma das tantas que compõem a gloriosa Experiência Busônica Brasileira, que também inclui vendedores de milho, pessoas gentis que se oferecem para segurar a sua mochila, cobradores sem troco, pessoas imbecis que ocupam o lugar do idoso. Enfim, pessoas. Nesse contexto, de milhos e mochilas e pessoas trombando-se por todos os lados, as interações são previsíveis e balizadas por leis não-ditas do convívio social.
Porém, amigo homem – não queira, por favor não queira puxar papo com a gostosa do busão À MEIA-NOITE.
Eu sei, amigo homem, eu sei que sua intenção é a melhor possível. Que você só quer viver uma melosa história de amor ou uma tórrida noite de sexo selvagem – ou, cá entre nós, que você só quer isso mesmo que acabou de fazer: dizer que ela é gostosa e pronto. Eu sei. Entendo e sou capaz de empatizar com você…
… AO MEIO-DIA.
Ao meio-dia, amigo homem, tudo é possível – até mesmo comer milho no busão.
Mas À MEIA-NOITE, repare bem, à meia-noite em uma avenida deserta e ponto de ônibus idem, se você estiver vindo em alta velocidade, frear o carro bruscamente e baixar o vidro (pontos extras se sair do carro) – nem que você esteja montado num passat branco –, eu lhe garanto que o primeiro pensamento que ocorrerá à mulher parada no ponto não estará relacionado a sexo nem a romance. O primeiro pensamento que lhe ocorrerá será mais ou menos o seguinte:
SEQUESTRO ASSALTO ESTUPRO CARALHO FUDEU
E aí, amigo homem, não vai adiantar você abrir o seu melhor sorriso e dizer oi-gostosa, ou fazer barulho de queijo quente. E sabe por que não vai? Porque você, amigo – você sabe quais são suas intenções. Eu também sei. São ótimas – são lindas – são pulsão-de-vida.
Mas a mulher no ponto de ônibus à meia-noite – ela não sabe.
Ela não está dentro da sua cabeça. Ela está – justamente! – no ponto de ônibus.
E, no ponto em que está, ela não tem a menor condição de distinguir, um milissegundo antes de você baixar o vidro, um homem que pode agredi-la de um homem que simplesmente deseja elogiá-la.
Portanto, amigo homem, ao ver uma mulher que lhe desperte pensamentos de queijo quente sozinha no ponto de ônibus à meia-noite, faça-lhe um enorme favor:
Siga em frente.
Atenciosamente,
Mulher Que Pega Ônibus À Meia-Noite
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