A época da formação política é uma parte quase tão interessante da vida de Zhou quanto a época de sua relação com Mao
1.
Logo após a histórica visita de Nixon à China, em 1972, começaram os ataques de Mao a seu premiê, Zhou Enlai, principal articulador da aproximação EUA-China. Mao sempre colocara alguma dúvida quanto ao nível de dedicação ideológica de Zhou. Quando o ilustre visitante partiu de volta para a América, Mao instruiu uma sobrinha-neta sua, além de uma auxiliar, a passarem adiante falsas informações sobre o encontro entre Zhou e Henry Kissinger. De acordo com a boataria, tudo o que Zhou conseguira fora atar a China militarmente aos EUA.
Como Gao Wenqian nos explica em sua ótima biografia de Zhou Enlai, no entanto, Mao não queria derrubar Zhou para valer, nem desta vez nem das vezes anteriores em que entraram em atrito. Ele queria manter Zhou em seu lugar – nas duas acepções da expressão. Grande parte da velha guarda comunista via no premiê um sucessor natural de Mao, mas o Líder tinha outros planos – ou melhor, outro nome: o ultraesquerdista Wang Hongwen. Por outro lado, os poderes organizacionais e administrativos de Zhou eram preciosos demais para Mao tirá-lo de cena e arriscar jogar o país mais populoso do mundo no caos irreversível. Desta forma, desenrolou-se um dos relacionamentos políticos mais interessantes do longo século 20.
Nascido em março de 1898 no seio de uma família bastante educada e boa de vida da província de Jiangsu, Zhou Enlai acabaria uma presença forte no topo do governo que instituiu algumas das maiores matanças de que a humanidade tem notícia. A única forma de vê-lo como um moderado, como Wenqian o vê, é mesmo colocando-o ao lado de indivíduos dessaborosos como Mao e Wang.
Durante a juventude, entretanto, Zhou definitivamente esteve entre os mais exaltados. Inicialmente o comunismo serviu-lhe apenas como subsídio ao nacionalismo. “Para que a China possa ascender” era um mote do autor revolucionário Zou Rong que encantou o mocinho Zhou. Esse nacionalismo em breve iria se manifestar mais como anti-imperialismo, diante das absurdas exigências japonesas de 1915. O Japão, apesar disso, era para onde muitos jovens chineses promissores iam tentar os estudos. Foi lá que a revolução bolchevique encontrou Zhou. Apenas então sua postura política adquiriu caráter comunista, no sentido de colocar as esperanças de redenção nacional mais na classe operária do que nos chineses como um todo.
Os trabalhadores do campo e das cidades historicamente têm alguma dificuldade em aderir ao espírito revolucionário, e na China de princípios do século 20 não foi diferente. Lá como alhures, estava claro que, para as promessas históricas enfim se realizarem, seria preciso um empurrão da classe de revolucionários profissionais. Zhou Enlai agora estava no lugar certo tanto para beber desta suma verdade quanto para engajar-se na política profissional: a Europa ocidental, onde estudantes chineses estavam recrutando gente para o Partido Comunista. O PCC foi fundado oficialmente em julho de 1921, mas três meses antes Zhou já estava incorporado a suas fileiras, para onde foi levado por um casal de ativistas chineses em Lyon. “Zhou agora era um revolucionário profissional de carreira”, relata Gao Wenqian, “vestido com trajes de negócios ao estilo ocidental pagos pelo Comintern, a organização Comunista Internacional.” Nestes mesmos meses e anos, estudavam na Europa muitos dos que viriam a ser figuras chave no governo revolucionário chinês – o paranoico Li Lisan; Nie Rongzhen, fundador do programa nuclear chinês; Zhu De, pai fundador do Exército Vermelho; e Deng Xiaoping. Lá, Zhou também travou contato e trabalhou brevemente com o vietnamita Ho Chi Minh.
A época da formação política é uma parte quase tão interessante da vida de Zhou Enlai quanto a época de sua relação menos que perfeita com Mao Zedong. Antes de ir estudar na Europa, ele fracassou nos estudos no Japão, voltando para a China em abril de 1919. Gao Wenqian explica que isso foi uma grande decepção para Zhou, mas que o período de martírio durou muito pouco. Isso porque o jovem se encantou de vez pela ideia de revolução, um engajamento com a qual seria infinitamente mais importante, para o indivíduo e para a sociedade, do que uma boa pontuação neste ou naquele exame. “Ele decidiu que seu fracasso pessoal no Japão significava pouca coisa agora que tamanhas tarefas estavam diante dele”, conclui Wenqian. Na Universidade de Nankai, onde Zhou finalmente conseguiu uma vaga, ele “estava empolgado demais com o ativismo estudantil e com sua própria eficiência como líder radical para dedicar seu talento a feitos acadêmicos.” Eleito para a diretoria de um grêmio estudantil municipal, Zhou organizou boicotes a mercadorias produzidas no “império” (Japão), e em uma ocasião os estudantes queimaram em praça pública os produtos japoneses que haviam conseguido socar em dez caminhões.
Tamanha inquietude acabaria levando Zhou para uma temporada de seis meses no xilindró, em 1920. Vendo transformando em ultrarrealismo o chiste de que a esquerda só se une na prisão, lemos que
A maior parte dos internos do centro de detenção era composta por estudantes e professores. Para passar o tempo, eles organizaram um tipo de universidade própria na prisão. O anarquismo era o ideal socialista que gozava de maior popularidade na China naquele momento. As teorias de Karl Marx em geral não eram familiares à maioria dos chineses. Zhou Enlai tomou para si a responsabilidade de ministrar cinco aulas sobre marxismo na então chamada universidade da prisão.
Essa foi a única oportunidade em que Zhou e muitos de seus amigos souberam o que é estar preso. Como explica Wenqian, aquele era um “grupo de elite”, que em pouco tempo angariou apoio em uma sociedade com queda para pessoas supostamente cultas. Quando iniciou uma greve de fome, Zhou foi transferido para uma acomodação melhor, onde os presos homens se misturavam com as mulheres, onde havia liberdade de movimento, abertura para visitas e para a entrada de livros e revistas.
Ainda assim, Zhou depois diria que esse período na prisão o radicalizou ainda mais, despertando sua “consciência política” e focando sua atenção para uma ordem social que precisava ser mais humana. Isso tudo é curioso, claro, em vista do fato de que, em algumas décadas, Zhou e seus amigos inaugurariam um regime que ficou mundialmente famoso por muitas coisas, mas uma delas não foi a prisão como sinônimo de espaço para socialização e leitura.
2.
Um livro sobre Zhou Enlai teria necessariamente que ser em grande parte um livro sobre Mao Zedong. O Líder está presente por toda a obra de Gao Wenqian. Na centésima página, nos deparamos com a narração da vez em que Mao quase cai no ostracismo, ainda no período de guerra civil pré-49. O Politburo quis afastar completamente o futuro ditador das funções militares que vinha desempenhando, mas foi persuadido a afastá-lo apenas parcialmente. Persuadido por Zhou Enlai.
Gao Wenqian vive hoje em Nova York. Por anos, ele trabalhou na China para um centro de pesquisas históricas governamental, dedicando-se especificamente ao passado dos grandes líderes do PCC e suas ideias e escritos. Foi no Escritório Central de Pesquisa para Documentação do Partido Comunista que ele primeiro travou contato seriamente com a história de Zhou Enlai. Suas pesquisas o levariam por fim a escrever um livro sobre o ex-premiê, mas, antes disso, ele já tinha enviado para fora do país, por meio de amigos, um monte de referências que havia levantado durante as pesquisas, e por fim evadido-se ele próprio para os Estados Unidos.
Na trajetória de todo comunista desiludido, há um momento Kronstadt. O de Wenqian foi o massacre de 1989 na praça da Paz Celestial. Ele estava por perto, havia apoiado os reformistas, e foi ali, diante da reação do governo, que ele decidiu que sua cota de tolerância batera no nível máximo. Hoje, ele faz parte de uma organização que observa as violações de direitos humanos na China. Quando sua mãe estava no leito de morte, ele foi proibido pelas autoridades de presenteá-la com uma última visita.
Surpresa nenhuma, portanto, que seu livro tenha sido proibido no país natal. Não bastasse o histórico recente de atitudes contrarrevolucionárias do autor, sua biografia de Zhou Enlai ainda expõe Mao em luz desfavorável, além de em diversos momentos colocar Zhou positivamente como a antítese do Líder. Obviamente, a obra não é tão rica em detalhes quanto a biografia de Mao escrita por Jung Chang e Jon Halliday (também proibida na China; as listas negras desses regimes são como o Indexda Santa Madre: o que está ali é mais ou menos leitura obrigatória). Mas é rica o bastante. Wenqian traz para o palco o Mao ardiloso – após uma vida de antiamericanismo, quando por fim resolve normalizar as relações com o Grande Satã pôs a culpa da rabugice passada na militância do ministro da Defesa, Lin Biao, a quem atinge. Mao, com sua mania de tirar licença médica sempre que a situação apertava. Mao, com uma desatenção crônica aos detalhes de tarefas rotineiras.
E, claro, Mao, o paranoico e egomaníaco. “A Revolução Cultural”, na opinião de Wenqian,
realmente foi produto de sua paranoia, desencadeada pela ‘desestalizinação’ na União Soviética e pelo temor de como isso poderia prenunciar o destino de seu próprio legado e prever o futuro da China. A Revolução Cultural foi resultado do totalitarismo chinês, um sistema burocrático e organizacional que sujeitou quase um bilhão de pessoas aos desejos de um único homem: Mao Zedong.
A ideia de que um país – ou uma região, ou uma etnia, ou um culto – não é forte o suficiente para sobreviver e evoluir sem sua luz e sábia presença, esse é o combustível que move até o mais ridículo dos tiranetes em potencial. Mas apenas os piores tiranos dão o salto a mais de colocar incontáveis vidas abaixo de seu sucesso total e irreversível.
De quem lembramos quando lemos o trecho acima sobre Mao? De Hitler, claro, que – como o mundo sabe cristalinamente desde pelo menos as obras reveladoras de Sebastian Haffner – decidiu que, se os alemães não fossem resilientes o bastante para tornar realidade seus sonhos psicopatas de expansão territorial e supremacia racial, então eles mais do que mereceriam sofrer nas mãos dos Untermenschen eslavos e americanos.
Segundo Kruchev, Mao habitava “seu próprio universo”. E não era um universo cor de rosa. Em 1966, ele decidiu que era hora de subir a Revolução Cultural mais um nível, porque as coisas na capital chinesa estavam “muito calmas”. No final daquele mesmo ano, em sua festa de aniversário, o homem dedicou um brinde especial à “total guerra civil no país”. E pensar que até ontem existiam maoistas em corredores universitários acreditando que as lamentáveis milhões de vidas perdidas na China se deveram a um desvio das reais intenções do Grande Timoneiro.
Mas encontramos também algo de divertido no livro de Gao Wenqian. Ainda que essa não seja a intenção do autor, não dá para não rir, por exemplo, dos lances teatrais do pobre Lin Biao, que levou ao ápice sua tática de agradar a Mao para colocar-se forte na corrida da sucessão ditatorial quando decidiu que, ao comparecer em solenidades públicas junto ao Líder, jamais deveria ficar à frente deste, mas também jamais deveria ficar muitos passos atrás. É o tipo de pompa do PCC e de seus membros que ainda hoje faz a festa de ficcionistas como Ma Jian.
E quanto às ironias? Na Conferência de Trabalho de 1964, Mao, basicamente para atingir a imagem de Lin, arrotou que “a principal contradição que fundamenta o Movimento das Quatro Limpezas está entre o socialismo e o capitalismo. O foco da retificação deve ser aquelas pessoas de dentro do partido que estão nos levando para o caminho capitalista.” A conferência havia sido organizada por um homem da confiança de Mao: Deng Xiaoping.
3.
Mao precisava da competência administrativa de Zhou. Ele estava certo ao julgar Zhou um adepto nem tão empolgado de seu próprio ideário político radical, mas precisava tê-lo por perto ainda assim.
Zhou, por seu turno, jamais abandonaria Mao, mesmo nas fases mais delirantes da Revolução Cultural. Aliás, ele não apenas não o abandonaria (o que, por sinal, podia ter-lhe custado uma cabeça), como ainda daria um jeito de fazer parte da cúpula decidindo e executando as políticas da Revolução.
Por quê?
Por mais grotesca que a comparação possa parecer à primeira vista, o relacionamento entre Zhou e Mao de certa forma lembra o leitor contemporâneo do relacionamento entre Tony Blair e George W. Bush. O premiê britânico compartilhava com o presidente estadunidense, embora com empolgação um pouco menor, uma vontade de transformar o Oriente Médio; acreditava que W. Bush levaria a cabo suas guerras de regime change com ou sem o apoio da comunidade internacional; e decidiu embarcar junto para assim poder diminuir o racha no coração do Ocidente e tentar de alguma forma amenizar os efeitos da política internacional de W. O jornalista Peter Stothard, do Times, ficou na cola de Blair durante 30 dias, que por acaso foram dias decisivos para a guerra do Iraque, e captou várias das manifestações do premiê, sem dúvida entre as mais sinceras de sua carreira política. O relato de Stothard está em Thirty days: An inside account of Tony Blair at war, e quem o leu sabe que as questões acima não saíram em nenhum momento da atormentada cabeça do europeu.
De início, Zhou Enlai foi um soldado dedicado do projeto maoista. Quando Mao estava preparando o terreno para a Revolução, em 1963/64, ele decidiu colocar na linha os artistas chineses, supostamente engajados em “revisionismo”. Diligentemente, Zhou aderiu. Quando a Revolução começou para valer, Zhou viu o absurdo da coisa, embora nunca tenha chegado a se lhe opor abertamente. E foi junto. Apesar dos absurdos, ele decidiu que poderia fazer a diferença de dentro, amenizando alguns dos efeitos das políticas e mantendo a unidade do Partido.
Gao Wenqian faz justiça a Zhou, e relata diversas oportunidades em que a presença de Zhou próxima ao Líder realmente fez a diferença para melhor na vida de muitas pessoas que, de outra forma, teriam sido simplesmente eliminadas, e nem sempre de maneira tão prazerosa quanto com um tiro na nuca.
A influência de Zhou se fez sentir desde o lançamento das bases teóricas da Revolução, quando ele amoleceu o quanto pôde o texto final dos “16 Pontos”, riscando termos mais pesados que faziam referência aos inimigos do povo. Aos ultrarradicais guardas vermelhos – que foram à forra por todo o país, a mando inclusive da delirante esposa de Mao, dona Jiang Qing – Zhou recomendou que “denunciassem com palavras, não com violência”, talvez o pedido mais fútil de todo o século 20, mas de qualquer forma bem intencionado.
Embora nem tão distinguíveis à época quanto seriam em mais alguns anos, havia duas correntes de opinião distintas no PCC, referentes ao que deveria ser considerado prioridade para o futuro do país. Uma corrente, a de Mao, considerava que o mais importante era pureza ideológica, e que portanto a Revolução deveria ser levada impiedosamente às suas últimas consequências. A outra, achava que o país já tivera o suficiente de pregação ideológica, e que agora era preciso preparar as bases econômicas para melhorar a vida da população. Zhou era adepto deste segundo grupo. Até por isso, durante a Revolução, ele tentou fazer com que as vidas de técnicos e cientistas supostamente inimigos do povo fossem poupadas. Em alguns casos, teve sucesso. Em outros, não – como quando da morte de Zhao Erlu, vice-presidente do comitê estatal de ciência e tecnologia.
Zhou Enlai nutria um profundo desgosto pela Guarda Vermelha. Esta era formada por milhões de secundaristas e universitários fanatizados pelo discurso de Mao, que agiam no campo e nas cidades expondo e maltratando qualquer um que julgassem não determinado o suficiente com a pureza ideológica, ou mesmo ativistas ortodoxos sobre cujo passado algum documento desenterrado de repente jogava dúvida.
Mas os guardas vermelhos, impossível não notar, eram a versão 2.0 dos próprios companheiros de batalha do jovem Zhou, décadas atrás. E talvez uma consequência lógica do discurso dos revolucionários dos anos 1920 posto em prática.
4.
As consequências da participação de um Zhou Enlai “moderado” e de alto poder organizacional na cúpula do Partido durante a Revolução seriam perfeitamente resumidas por Deng Xiaoping: “Sem o premiê, a Revolução Cultural teria sido muito pior. E sem o premiê, a Revolução Cultural não teria se arrastado por tanto tempo”.
O final do processo tardou, mas chegou, e, com ele, Zhou seria mais uma vez requerido por Mao, para ajudar a remover os escombros e curar as feridas deixadas pela sanha ideomaníaca. O que ele fez com algum sucesso. Até por isso, é deprimente ler o seu (Zhou) final.
Ajudando Mao a organizar os ataques a Zhou após a visita de Nixon, estava Deng Xiaoping. Gao Wenqian não compartilha da opinião de que Deng ascendeu ao poder em oposição a Mao. Enquanto é verdade que eles tinham alguns pontos de discordância, explica o autor, a proeminência do futuro sucessor de Mao se deveu enormemente aos esforços do próprio Líder.
Durante todo o período pré-49, Zhou esteve em posições de comando (inclusive das forças militares comunistas) com as quais Deng podia apenas sonhar. Mas já nos anos 1940 Mao elevou o status de Deng e espalhou que Zhou cometera diversos erros estratégicos e tomara posições ideológicas equivocadas. Com a ascensão dos vermelhos ao poder em 1949, Zhou virou premiê e Deng, vice-premiê. Após o congresso do PCC de 1956, para manter Zhou e Liu Shaoqi em rédeas curtas, Mao fez com que Deng acumulasse as funções de vice-premiê e secretário-geral do Partido.
Deng espertamente entendeu por que o Líder o colocara em posição de destaque: para falar “verdades inconvenientes” sobre Zhou e outros concorrentes indesejáveis à sucessão de Mao, sem que o próprio precisasse abrir a boca. Embora Wenqian não coloque nesses termos, Deng galgou os primeiros degraus mais importantes da escada que o levaria à liderança na China graças à sua competente atuação como boneco de ventríloquo.
Como hoje sabemos, as políticas de Deng quando no governo não foram exatamente as que Mao havia se preparado para assistir direto do túmulo. Mas, como lemos na biografia de Wenqian, o pragmatismo de Deng chegou a atingir o Líder ainda em vida, até porque havia uma clara convergência com Zhou. Os dois entraram em acordo implícito e passaram a viver em paz. “Seu entendimento gerou o pior pesadelo vivo de Mao”, escreve Wenqian, “uma vez que eles se juntaram para levar a China na direção da modernização política e econômica”. Isso era anos 1970, e o Líder já não podia fazer cabeças rolarem com a mesma facilidade dos tempos áureos.
No entanto, se a estrela de Deng estava se preparando para brilhar com ainda mais força, a de Zhou estava rápida e irreversivelmente perdendo a luz. No início dos anos 1970 o premiê chinês havia sido diagnosticado com um câncer na bexiga. Em quase nenhum momento Mao permitiu que ele tivesse um tratamento adequado. Em parte porque não podia prescindir da presença de Zhou para ajudar-lhe nas coisas de governo, em parte devido puramente à sua natureza infernal. Se tivesse havido uma intervenção médica logo que o câncer foi detectado, as chances de Zhou superar a doença teriam sido enormes. Foi apenas após um alto e respeitado militar, Ye Jianying, ter indignadamente intercedido junto a Mao a favor de Zhou, que o Líder permitiu que os médicos examinassem premiê,
mas deu instruções explícitas de que o tratamento parasse ali. Essa equipe médica resistiu às ordens de Mao. Secretamente, para estabilizar a condição de Zhou, seus médicos removeram as áreas com câncer durante o exame cirúrgico, em maio de 1973. Mas era muito pouco, e muito tarde.
Pouco menos de três anos depois, no dia 8 de janeiro de 1976, Zhou morreria. Oito meses depois, seria a vez de Mao. E restaria apenas Hua Guofeng no meio do caminho de Deng.
Se o ex-premiê não é uma figura detestada na China oficial de hoje, é devido ao seu comportamento comedido, sua política de nunca afrontar abertamente o líder da nação, de sempre ter a unidade do Partido em alta estima. É apenas nesses termos que seu nome e seus textos podem vir à tona. Mas esse seu retrato está longe de ser o quadro completo, e é por isso que o a biografia escrita por Gao Wenqian não deve tão cedo circular livremente nas livrarias e bibliotecas chinesas.
::: Zhou Enlai: O último revolucionário perfeito :::
::: Gao Wenqian (trad. Flávia Souto Maior) :::
::: Record, 2012, 400 páginas :::
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Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
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