No geral, o cérebro adolescente é mais vulnerável a estresse e a emoções fortes
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tem o hábito inconveniente de jogar a responsabilidade pelos fracassos de sua política de segurança pública nos outros. Quando comandou o Estado pela primeira vez, ainda sob a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, reagiu a uma onda de ações do crime organizado culpando a tecnologia dos telefones celulares pré-pagos; agora, tenta atribuir ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a morte violenta de um estudante universitário. Suspeito que obteria resultados melhores se fosse menos complacente com a incompetência crônica de seus subordinados, mas posso estar enganado.
O casuísmo do governador paulista reabriu, para o bem e para o mal, o debate sobre a questão da maioridade penal no Brasil. Essa, no entanto, é uma questão feita de um emaranhado de outros problemas, desde conceituais – o que é pena, o que é punição e para que serve, qual a diferença entre castigar e reeducar, quando e como alguém deve ser considerado imputável e punível – a outros bem concretos, como a situação do sistema carcerário brasileiro e a sabedoria de submeter adolescentes à convivência forçada com adultos criminosos profissionais.
É possível invocar dados da ciência para iluminar, pelo menos, alguns pontos da discussão. O primeiro, que pode parecer óbvio, é o de que a disposição de punir certos comportamentos antissociais parece ser uma espécie de pré-requisito, se não para o estabelecimento, para a sustentação das relações de confiança em que as comunidades humanas se baseiam.
Artigo publicado por pesquisadores suíços na revista Nature em 2002 afirmava que “a cooperação floresce se a punição altruística [isto é, da qual o indivíduo executor não se beneficia diretamente] é possível, e entra em colapso se ela é excluída”. E em 2006 a Science publicava um trabalho mostrando que a punição “custosa”, isto é, que consome recursos do grupo ou do indivíduo encarregado de executá-la, é comum em 15 diferentes sociedades humanas. Esse mesmo estudo conclui que a disposição de arcar com os custos do castigo aumenta à medida que aumentam os abusos percebidos.
Um corolário é o de que a aplicação de punições e, mais importante, a ameaça crível de punição são coisas que funcionam: parafraseando o escritor americano Robert E. Howard, criador do bárbaro Conan, o homem civilizado é menos cortês que o selvagem porque sabe que pode ser grosseiro sem que lhe torçam o pescoço.
Simulações realizadas por economistas indicam que o mais eficaz é o castigo inevitável, imediato e que priva o ofensor dos benefícios da ofensa. Essa questão de benefício é importante: toda a análise acima sobre punição depende, fundamentalmente, de o ato a ser punido ter sido cometido de forma deliberada, maliciosa e com vista a algum tipo de ganho.
Até que ponto nosso sistema penal atende a esses critérios – isto é, tem credibilidade, inevitabilidade, rapidez e impede que o criminoso desfrute do que conquistou por meios ilícitos – é algo que deixo ao juízo do leitor. Assim como a ressalva de que constatar que a punição tem um papel social a desempenhar não é o mesmo que defender a aplicação ampla e irrestrita desse remédio: nem todo comportamento antissocial deve ser punido, e alguns desses comportamentos são, em certos momentos, até necessários para evitar que a sociedade entre em estagnação. Distinguir o que deve ser punido do que deve ser tolerado é parte do contínuo diálogo democrático.
A ideia de uma “minoridade” penal é, por sua vez, um tanto quanto óbvia. Ninguém pensaria em processar o feto que, no útero, reabsorve as células do irmão gêmeo em formação, por homicídio e antropofagia. Há algum tempo, um amigo me contou, envergonhado, que seu filho de três anos vinha roubando comida de um coleguinha de creche, que era cego. Brinquei um pouco sobre como a disposição de tirar, rindo, comida da boca de um ceguinho indicava que o garoto teria um futuro brilhante na política, mas nenhum de nós pensou em mandar o menino para o xilindró. Uma boa repreensão foi capaz de ajustar seu comportamento.
Enfim, o desenvolvimento das faculdades humanas, incluindo a de ser um agente moral, passível de culpa ou elogio, é um processo longo, que consome anos. A partir de que momento, então, uma pessoa torna-se plenamente responsável por seus atos?
Bem, enquanto no Brasil debatemos a possibilidade de pôr adolescentes na cadeia, há alguns anos os Estados Unidos discutiram a conveniência de matá-los. Christopher Simmons havia sido condenado à morte no estado do Missouri, quando tinha 17 anos de idade, pelo assassinato de uma mulher, cometido – perdão pelo clichê – “com requintes de crueldade”: a vítima estava amarrada com fita adesiva e cabos elétricos, e foi jogada do alto de uma ponte. Em 2005, quando Simmons já estava com 28 anos, a Suprema Corte dos EUA determinou que a condenação à morte de menores de 18 anos era inconstitucional.
Em 2004, quando a apelação ainda estava em andamento, a revista Science publicou uma extensa reportagem sobre o papel da neurociência no julgamento. Relatório apresentado ao tribunal por um grupo de oito associações médicas afirmava que a preponderância da evidência científica apontava que o cérebro de um jovem de 16 ou 17 anos ainda não atingiu seu desenvolvimento pleno – crucialmente, um neurocientista afirmava que o lobo frontal, responsável por dominar e restringir ações impulsivas, “não começa a amadurecer antes dos 17 anos”. Alguns pesquisadores ouvidos afirmavam que era possível que o cérebro humano só completasse seu amadurecimento na idade de 25 anos. No caso da responsabilidade criminal dos adolescentes, Ruben Gur, da Universidade da Pensilvânia, resumiu a questão assim: “A própria parte do cérebro que o sistema legal julga só entra em ação mais tarde”.
Isso não quer dizer que os jovens não têm nenhum autocontrole (ex-adolescentes tímidos podem até suspeitar do oposto, que tinham autocontrole demais), mas que a organização do cérebro jovem é menos eficaz para exercê-lo. Outro experimento científico clássico, realizado por pesquisadores da Universidade Stanford nos anos 60 e 70 e envolvendo o uso de doces para subornar criancinhas, mostrou que, já aos cinco anos, algumas pessoas são capazes de resistir à tentação de recompensas imediatas, em nome de ganhos maiores no futuro. Essa capacidade, como seria de se esperar, aumenta com a idade.
Pesquisa realizada em 2001 na Universidade de Pittsburgh, também citada no contexto do processo contra Christopher Simmons, indicou que, aos 14 anos, jovens já são capazes de reagir a impulsos instintivos (no caso específico do experimento, olhar para uma luz que se acende de repente) tão bem quanto os adultos, mas a forma como seus cérebros atuam para conter o impulso é diferente, e parece requerer mais esforço. No geral, o cérebro adolescente é mais vulnerável a estresse, a emoções fortes e – num dado que pode ser especialmente importante para o debate da maioridade penal – tem baixa capacidade de analisar as consequências de longo prazo de suas ações.
Essa última informação é crucial: ela indica que, da mesma forma que o risco de quebrar o pescoço não impede adolescentes cheios de adrenalina de descer escadarias de skate, e o risco de gravidez ou de doenças sexualmente transmissíveis não impede muitos apaixonados de praticar sexo inseguro, o risco de ir para a cadeia não impedirá boa parte dos que contemplam cometer um crime de fazê-lo.
Carlos Orsi
Jornalista e escritor, com mais de dez livros publicados. Mantém o blog carlosorsi.blogspot.com.
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