Margaret Thatcher (1925-2013)

Por que, afinal de contas, o governo Thatcher foi tão importante e é ainda tão lembrado?

Margaret Thatcher

“There is no alternative.”
Margaret Thatcher

Na primeira década do século XXI, o autor britânico Jonathan Coe escreveu o elogiado Bem vindo ao clube, primeira parte de uma espécie de educação sentimental do governo conservador na Inglaterra – alguns anos depois, o escritor assinaria O círculo fechado, uma sequência que mostrava o desfecho da formação de caráter daqueles jovens apresentados no primeiro livro. Do ponto de vista objetivo, a política não estava contemplada naquelas narrativas; todavia, de forma indireta, esse era o tema das histórias. Ou, por outra, de como toda uma geração de adolescentes teria suas vidas impactadas por uma série de mudanças sociais – e a vida política era um desses pontos que estava prestes a se transformar.

Uma das principais artífices dessas mudanças foi, sem dúvida alguma, a então primeira-ministra Margaret Thatcher (1925-2013). Peça fundamental para compreender a década de 1980, Thatcher, que foi primeira-ministra entre 1979 e 1990, tinha posições tão firmes e tão diretas que hoje em dia não se encontra figura equivalente na Europa. Quando todos a imaginavam frágil, foi daí que se fez forte; quando todos lamentavam por sua condição de mulher, ainda que sem levantar a bandeira da, como se diz?, condição de gênero, ela foi, viu e venceu. Certamente, seus detratores podem dizer que, no final da carreira, a Dama de Ferro tomou um golpe dentro do próprio partido, o que a escanteou do poder. Nesse processo, foi substituída por um apático John Major, que, anos mais tarde, seria engolido por Tony Blair. Aliás, alguém se lembra de Major hoje em dia? Da mesma forma que Gordon Brown, o premiê que substituiu Blair, foi varrido da história como poeira cósmica.

A propósito, está em cartaz no NetFlix a série House of Cards, que mostra os bastidores da política acontecendo em Washington. A série é uma adaptação de uma produção inglesa que acontece exatamente no período do governo de Thatcher. De forma semelhante, há alguns anos, o filme Special Relationship, produção original da HBO, levava às telas a dinâmica do relacionamento entre Inglaterra e Estados Unidos na década de 1990, quando Blair e Clinton se refestelaram no poder e controlaram os rumos da política mundial, aquele servindo de escada para este na maior parte do tempo. E, como se vê nesse último filme, é curioso observar como o discurso dos trabalhistas teve de se renovar depois do mandato conservador de Thatcher.

Em 2012, saiu por aqui o livro Reagan e Thatcher: Uma relação difícil, de Richard Aldous. E a obra interessa porque o autor reconstitui de forma exemplar os momentos cruciais onde essa aliança foi forjada, como quando da eleição do presidente norte-americano. Assim, escreveu a premiê em mensagem endereçada a Reagan: “O senhor vai assumir a presidência num momento em que a amizade íntima entre nossos dois países pode, acredito eu, desempenhar um papel crucial no sentido de fortalecer a cooperação no seio da aliança. Espero ter logo a oportunidade de discutir com o senhor os problemas urgentes que todos estamos enfrentando”.

Outra passagem interesse do livro de Aldous dá conta de um dos momentos mais tensos das relações entre Argentina e Inglaterra, o embate em torno das ilhas Falklands (em 2008, foi publicado no Brasil o romance Ciências morais, do escritor Martin Kohan, no qual a desastrada tentativa dos militares argentinos de criar uma crise com os ingleses é registrada em tom metafórico). Richard Aldous analisa o contexto político daquele momento, resgatando, inclusive, o questionamento em torno da capacidade de dar conta de um enfrentamento daquela natureza. Afinal, o apelido de Dama de Ferro, embora adotado em tom ufanista pela imprensa inglesa, havia sido concedido no contexto das observações que ela fizera em defesa contra a União Soviética e seus aliados, mas seria naquele episódio das Falklands, “em sua função aqui na Câmara, que a nação e a ilustre dama vão saber de que metal ela é feita”, escreve o autor.

Ao mesmo tempo em que aponta como é que havia sido forjada essa liderança, Reagan e Thatcher mostra como os Estados Unidos hesitaram no conflito entre Argentina e Inglaterra, pois, como superpotência, os norte-americanos possuíam interesses globais e regionais simultaneamente. Dessa maneira, a hesitação se baseava num dilema crucial naquele momento importante para o desfecho da Guerra Fria, conforme explica Aldous: “A questão dos políticos era se os Estados Unidos deviam se contrapor a um dos maiores e mais importantes países de seu próprio hemisfério – a Argentina –, principalmente quando esse país era uma peça tão vital na estratégia da Guerra Fria norte-americana na região”. Em síntese, a cooperação de Reagan a Thatcher durante o conflito, a despeito do que a narrativa geral afirma, não foi tão presente assim. E isso talvez se explique, mais uma vez, pelo fato de o então presidente norte-americano endossar a política externa pró-ditaduras na América do Sul.

Ainda assim, em Reflexões sobre um século esquecido, o historiador Tony Judt mostra como na explicação sobre o fim da Guerra Fria o papel atribuído a Margaret Thatcher pode ter sido para lá de elogioso – Judt menciona especificamente o livro de John Lewis Gaddis sobre o tema, no qual a dama de ferro aparece como figura a um só tempo extremamente popular e também decisiva, ao lado de Reagan e de João Paulo II, para derrubar o comunismo. Outro historiador, Mark Mazower, escreve na obra O continente sombrio, de 2001, que o legado de Thatcher não foi lá muito exitoso, exatamente porque sua guinada econômica não promoveu mais empregos e acirrou, ainda mais, a desigualdade social existente na Inglaterra – em parte, segundo indica o autor, “graças ao monetarismo e à redução de impostos para os ricos”.

Diante de tamanha controvérsia (como o apoio ao general chileno Augusto Pinochet) e de tanta polêmica envolvendo sua liderança, talvez caiba a pergunta: por que, afinal de contas, o governo Thatcher foi tão importante e é ainda tão lembrado? As hipóteses são variadas, mas certamente têm a ver com o impacto na cultura que seu governo representou: não são muitos os líderes que decidem enfrentar sindicatos, defender de forma incontrastável seus princípios e, ainda assim, arrumar tempo para administrar a casa. Em seu texto sobre a ex-primeira-ministra, a The Economist destacou que o mundo precisa de mais thatcherismo, não menos. Arrisco dizer: o mundo precisa de mais lideranças corajosas para fazer o que é necessário em momentos de crise.



  • Evandro L Portes

    Thatcher foi uma pessoa coerente consigo mesma e com a história do país que liderou. Merecido descanço na eternidade e lembrada será por quem compreende que democracia não se faz agradando a todos, mas sim , promovendo lo que se pode esperar de um bom pollítico: Lealdade… Tão rara aqui na (s) América (s).

  • Luís Itaretama

    #$*& Que piada!

  • Cairbar Garcia Rodrigues

    Falar bem de Margaret Tatcher é, no mínimo, não saber o que ela representou de maligno para os mais pobres, fazendo uso de uma política que a tendeu aos interesses da selvageria capitalista que enriqueceu a muitos e acabou com a economia do Reino Unido.

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