A entrega de Cioran

O jovem Cioran de "O livro das ilusões" apresenta suas sensações com um fôlego de causar inveja.

"O livro das Ilusões", de Cioran. (Rocco, 2014, 224 páginas)

“O livro das Ilusões”, de Cioran. (Rocco, 2014, 224 páginas)

O que seduz tanto na obra do pensador romeno Cioran é a forma que ele se entrega à filosofia. Não se trata mais de perseguir o conceito, mas sim de saber que a renúncia à palavra não é uma opção. Assim percebemos com o recém lançado O livro das ilusões.

O jovem Cioran de O livro das ilusões apresenta suas sensações com um fôlego de causar inveja. Em parte isso deve ao fato de que o compromisso aqui não é com o desvelamento da verdade, nem com orientações teóricas, ou seja, não há aquele cuidado característico dos autores que costumam figurar nos nossos livros de história da filosofia. O que existe é a expressão, a mensagem.

Logo no início do livro, ele anuncia: “Na música e no amor só há sensações únicas; sentes com todo teu ser que estas não poderão mais voltar e lamentas com toda tua alma a vida cotidiana para a qual regressarás”. Depois de discorrer sobre o êxtase musical, explorado na passagem anterior, ele passa a fazer algumas considerações sobre a felicidade de não ser santo. Thomaz Brum já tinha mencionado no prefácio que as duas questões fundamentais da obra são a música e a santidade. Acredito que as duas temáticas foram os meios que Cioran encontrou para falar sobre a vida.

Se nos voltarmos para a obra do pensador romeno, iremos constatar que a reflexão sobre a vida transforma as meditações mais corriqueiras em problemas filosóficos. A filosofia como um saber predominantemente prático é uma ideia bem simples, iniciada com os primeiros filósofos gregos, mas um tanto negligenciada pela tradição; a mesma tradição que permitiu que a filosofia passasse a ser associada a discussões distantes da realidade.

“Não me parece nem heroico nem dramático lutar para derrotar a vida que há em ti, matar os instintos para edificar o espírito sobre essas ruínas. A autotortura como luta contra a vida é algo crimininoso.” Com uma simples passagem como essa, podemos identificar a complexidade de temas que a vida abrange. Na verdade, quando Cioran discute os desejos, os instintos, o instante, o sofrimento, fica claro que ele deseja leitores mais próximos e atentos a essa complexidade, mas requer de seus leitores sobretudo o contato com suas próprias experiências.

Talvez a substituição do termo ilusões por desilusões tornasse o título mais adequado à proposta, mas até imagino que Cioran tenha pensado nisso e ignorado logo em seguida, para não soar pedante. De qualquer forma, o livro é muito bem-vindo.

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