O jovem Cioran de "O livro das ilusões" apresenta suas sensações com um fôlego de causar inveja.
O que seduz tanto na obra do pensador romeno Cioran é a forma que ele se entrega à filosofia. Não se trata mais de perseguir o conceito, mas sim de saber que a renúncia à palavra não é uma opção. Assim percebemos com o recém lançado O livro das ilusões.
O jovem Cioran de O livro das ilusões apresenta suas sensações com um fôlego de causar inveja. Em parte isso deve ao fato de que o compromisso aqui não é com o desvelamento da verdade, nem com orientações teóricas, ou seja, não há aquele cuidado característico dos autores que costumam figurar nos nossos livros de história da filosofia. O que existe é a expressão, a mensagem.
Logo no início do livro, ele anuncia: “Na música e no amor só há sensações únicas; sentes com todo teu ser que estas não poderão mais voltar e lamentas com toda tua alma a vida cotidiana para a qual regressarás”. Depois de discorrer sobre o êxtase musical, explorado na passagem anterior, ele passa a fazer algumas considerações sobre a felicidade de não ser santo. Thomaz Brum já tinha mencionado no prefácio que as duas questões fundamentais da obra são a música e a santidade. Acredito que as duas temáticas foram os meios que Cioran encontrou para falar sobre a vida.
Se nos voltarmos para a obra do pensador romeno, iremos constatar que a reflexão sobre a vida transforma as meditações mais corriqueiras em problemas filosóficos. A filosofia como um saber predominantemente prático é uma ideia bem simples, iniciada com os primeiros filósofos gregos, mas um tanto negligenciada pela tradição; a mesma tradição que permitiu que a filosofia passasse a ser associada a discussões distantes da realidade.
“Não me parece nem heroico nem dramático lutar para derrotar a vida que há em ti, matar os instintos para edificar o espírito sobre essas ruínas. A autotortura como luta contra a vida é algo crimininoso.” Com uma simples passagem como essa, podemos identificar a complexidade de temas que a vida abrange. Na verdade, quando Cioran discute os desejos, os instintos, o instante, o sofrimento, fica claro que ele deseja leitores mais próximos e atentos a essa complexidade, mas requer de seus leitores sobretudo o contato com suas próprias experiências.
Talvez a substituição do termo ilusões por desilusões tornasse o título mais adequado à proposta, mas até imagino que Cioran tenha pensado nisso e ignorado logo em seguida, para não soar pedante. De qualquer forma, o livro é muito bem-vindo.