O romance de Benjamin Tammuz é tecnicamente impressionante, mas há um vazio no centro.
Quando este grande conto de amor obsessivo foi originalmente publicado em inglês em 1981, Graham Greene o chamou de “o melhor romance do ano”. O autor, Benjamin Tammuz, viveu em Israel, onde era um escultor, diplomata e editor literário do Haaretz antes de sua morte, em 1989. Agora, a Rádio Londres, nova editora independente na praça, trouxe-nos esta ficção ao Brasil.
O entusiasmo de Greene faz sentido. O personagem principal de Tammuz, Alexander Abramov, é um agente secreto israelense de meia-idade que se sente desconectado de seus falecidos pais, sua esposa, seus filhos e de seu trabalho. Em seu 41º aniversário, Abramov, em algum tipo de missão clandestina, embarca num ônibus nos arredores de Londres. Está chovendo e ele está deprimido. Quando duas mulheres jovens pisam no ônibus e sentam-se em frente a ele, Abramov descobre a sua razão de viver, finalmente: “A jovem da esquerda tinha cabelo cuja cor era uma espécie de cobre, cobre escuro, brilhando com um reflexo dourado. O cabelo era liso e preso na nuca com uma fita de veludo preto, atada num laço cruzado. A fita, assim como os cabelos, destacava-se pela limpeza fresca, o tipo de limpeza imaculada que é encontrada nas coisas que ainda não foram tocadas pela mão que manuseia”.
O nome desta visão é Téa, e no momento deste não-encontro, ela é uma adolescente. Ao longo da próxima década, porém, Abramov a mantém sob vigilância e inunda-a com centenas de cartas anônimas, muitas das quais poderiam ter sido compostas por um compositor de música sertaneja dos anos oitenta. “Santa, santíssima Téa”, começa uma missiva. Outra termina com este elogio meloso e assustador: “Tiro seus sapatos e beijo os dedos de seus pés. Eu os conheço, assim com cada linha de seu corpo. Não se irrite, não tenha pena. Jamais conheci a felicidade até encontrar você”.
Téa responde com frases reticentes, preliminares, cada vez mais provocantes. À medida que os anos passam, ela corresponde à obsessão de seu perseguidor secreto com fantasias românticas de sua própria vontade. Na verdade, ela torna-se tão fixada no seu amigo de correspondência amorosa que nenhum pretendente de carne, sangue e ossos consegue satisfazê-la. Eventualmente, porém, ela torna-se engajada amorosamente, mas seu noivo, G.R., é morto em um acidente(?) de carro. Até mesmo as suspeitas de que seu adorador misterioso pode ser o responsável pelo acidente não conseguem silenciar seu ardor.
Minotauro é totalmente estruturado como uma série de quatro histórias que se sobrepõem: a primeira começa no presente com o flerte epistolar de Abramov com Téa; o último relato leva um olhar retrospectivo intrigante da vida de Abramov no que era então a Palestina. As histórias que ficam no meio são zooms no noivo condenado de Téa e o outro pobre coitado que também torna-se consumido por sua beleza. Como uma realização puramente técnica, a obra é impressionante, o tipo de romance que é destinado para a cadeira de “estrutura da narrativa” em cursos literários.
Mas, para citar um grande escritor americano cujo trabalho nunca seria lecionado em tais cursos, “não há ninguém ali”. Abramov é um estado sombrio da mente, em vez de um personagem; Téa é uma cabeça com cabelo amarrado em uma fita de puro veludo; os outros caras (quais são mesmo os seus nomes?) mal se cadastram. Este é um romance bem construído, mas que é oco no centro. Lê-lo é como ser reduzido a admirar os andaimes de um parque de estacionamento multi-nível. E, depois, há as questões que afligem os leitores mais práticos: mesmo que Téa seja um nocaute de beleza, por que Abramov (tão resoluto e intransponível até ali) sacrifica sua vida para ela? Por sua vez, por que Téa responde com tanto gosto a cartas anônimas de um homem mais velho que diz que está vendo-a tão perto que ele mesmo sabe como são os dedos dos seus pés? Por que não chamar a polícia em vez disso?
Na cena final, Abramov chega à Téa, o objeto fora de alcance de seu desejo. Durante este instante a imagem de Gatsby alcançando a luz verde inevitavelmente vem à mente. A obra-prima de Fitzgerald, no entanto, teve Nick Carraway para tornar as obsessões de Gatsby inteligíveis para os leitores. O narrador onisciente de Tammuz não ajuda neste sentido. Graham Greene pode ter considerado o livro inestimável, mas, como letras árabes ou gregas, mais enfeitam que elucidam quando traduzidas.