"Reinventando o capitalismo de Estado" é dedicado quase exclusivamente ao Brasil das últimas décadas.
Aldo Musacchio e Sérgio Lazzarini lançaram um livro importante que trata quase exclusivamente do Brasil. O preço extremamente proibitivo (a edição eletrônica do original custa 110 reais na Amazon) para o público geral brasileiro foi remediado com a muito bem-vinda edição traduzida da Portfolio-Penguin, sob o título de Reinventando o capitalismo de Estado. Bem traduzida, a obra precisa ser lida por todos os interessados na economia política praticada no Brasil nas últimas décadas.
Embora não tenha o alcance teórico e explicativo de outro lançamento recente, O Estado empreendedor, de Mariana Mazzucato, o livro de Musacchio e Lazzarini nos dá um panorama importante: a transformação das participações econômicas estatais na história, no mundo contemporâneo e, mais específica e detalhadamente, no Brasil das últimas décadas. Dois terços do livro são dedicados ao caso brasileiro, apresentando em detalhe os grandes investimentos estatais, as empresas e seus mecanismos de governança, o papel do BNDES e os casos de Petrobras e Vale de forma destacada.
Após o final da Guerra Fria, o desabamento da opção socialista pela economia planificada e o triunfo de ideias mais liberalizantes modificou as expectativas sobre o papel do Estado e sua atuação no mercado. Os desdobramentos dessas mudanças e os efeitos dos eventos econômicos mais importantes (com especial destaque para a crise de 2008) são abordados no livro pelo prisma da divisão da atuação estatal em uma tipologia simplificada, mas bastante útil para compreensão dos leitores mais leigos: o Estado (chamado no texto algo indiscriminadamente como “Leviatã”) como gestor direto ou como investidor majoritário ou minoritário de empresas.
No entanto, o livro apresenta pouco mais do que os elementos descritivos necessários para entender o tal capitalismo de Estado no Brasil. Apesar das primeiras cem páginas dedicadas às várias iterações do capitalismo estatal na história mundial – muito bem explicadas em seus aspectos políticos e sociais, para além dos econômicos –, a ausência de análise mais detalhada da atualidade desse modelo em outros países que não o Brasil dificulta a avaliação das políticas recentes de fortalecimento do “Leviatã como empreendedor”. Em outras palavras: talvez seja necessária uma comparação de Petrobras e Vale com as grandes estatais chinesas, a Gazprom russa, ou mesmo com os esquemas de investimentos estatais na Europa Ocidental, para entender melhor a natureza do capitalismo de Estado. Não era a opção dos autores desde o começo, o que é compreensível, mas não evita certa frustração do leitor mais interessado.
Com sua análise isolada, o caso brasileiro está muito bem descrito, mas faltou o comparativismo que permitiria colocar tudo em uma perspectiva mais capaz de aferir a validade da política adotada nas últimas décadas. Nesse sentido, o livro anterior de Lazzarini, Capitalismo de laços, é muito mais feliz por focar a demonstração de um patrimonialismo de compadrio em funcionamento; a apresentação do mecanismo dos laços tem alcance limitado ao Brasil, mas aprofunda a compreensão do tema inequivocamente. Reinventando… tem ao mesmo tempo escopo maior e grau de sucesso menor.