"A Noite do Destino" acerta na história dos bastidores da campanha de 1985

"Tancredo Neves: A noite do destino", de José Augusto Ribeiro. (Civilização Brasileira, 2015, 868 páginas)

“Tancredo Neves: A noite do destino”, de José Augusto Ribeiro. (Civilização Brasileira, 2015, 868 páginas)

Se pudesse resumir minha impressão geral sobre esta biografia, diria que estamos diante de um texto bom e ruim ao mesmo tempo. O seu pior lado é a opção por ser uma hagiografia, na qual Tancredo aparece como infalível e capaz de sempre tomar a melhor decisão. O melhor surge na narrativa da campanha das Diretas e a subsequente eleição no colégio eleitoral, sobre a qual José Augusto Ribeiro traz dados impressionantes sobre a guerra de nervos travada com a banda podre da ditadura e a articulação com os dissidentes do PDS.

É completamente dispensável adjetivar a vida de Tancredo Neves. Dizer, por exemplo, que o filho de uma das famílias mais tradicionais de São João del Rei “conheceu a pobreza” chega a soar forçado. E passar por alto do fato de que começar a carreira política por indicação de um velho amigo do pai, indício de coronelismo do brabo, não ajuda. E tudo isso é dispensável para a construção do personagem histórico Tancredo: bastava o homem real, capaz de combinar princípios democráticos e habilidades políticas como poucos.

Tancredo é um político da velha escola do raposismo. Capaz de jogar o jogo do poder pelo poder, de chegar a acordos com os maiores inimigos para construção da democracia. De fazer parte do mesmo partido que Magalhães Pinto, por exemplo, que sempre esteve em lado oposto ao seu durante o regime militar.

E aí chegamos ao ponto alto do livro, que cobre da eleição ao governo de Minas Gerais à escolha pelo Colégio Eleitoral. José Augusto Ribeiro conta a história da luta entre o raposismo e a linha dura, e como aquele venceu. Naquele terrível período do governo Figueiredo, Tancredo usa a SUDENE para abrir canais de comunicação com o Nordeste, abre portas dentro do regime e articula a transição democrática com setores do PDS e autênticos do PMDB.

Aliás, a geração que construiu a transição democrática foi de uma qualidade que se perdeu. É terrível pensar que o partido que já foi de Montoro, Ulisses, Pedro Simon e Tancredo Neves seja hoje comandado por Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Aqueles combinavam habilidade e princípios. Estes não têm uma coisa nem outra, são tratores da glutonaria estatal. Diante deles, chega a soar ingênua as gestões de Tancredo para evitar que seu staff se enchesse de muamba durante a viagem internacional pós eleição.

Essa combinação de habilidade e princípios foi fundamental para a derrota da ditadura. A linha dura armou tentativas de assassinato, guerra de nervos e chegou a colocar fogo no escritório de campanha de Tancredo. Essas coisas se resolviam com atos de coragem pública e negociações de bastidores. Ato de coragem pública como ir a um comício após ter recebido ameaça de morte por telefone, para ele e Sarney. Negociações de bastidores como a mantida para manter a candidatura Maluf, bombardeada pela linha dura para viabilizar um golpe militar. Ou as conversas com Geisel para isolar a linha dura nos meios militares.

Hoje faz 30 anos que Tancredo morreu. Ele não era infalível – a decisão de adiar o tratamento médico o levou à morte e nos deu Sarney. Mas a velha arte do raposismo político faz falta nos dias de hoje, quando uma crise política paralisa o país e os líderes que temos são incapazes de construir uma saída.

Paulo Roberto Silva

Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.

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