O impeachment é um desfecho da farsa montada por Lula e Dilma em 2010.
O balcão montado por Lula no Hotel Golden Tulip para comprar votos contra o impeachment é um dos quadros mais obscenos da história política do Brasil. Uma cena que o país não merece.
Ali está, de um lado, dando expediente full-time, um ex-presidente da República; um ex-presidente investigado pela Justiça, é certo, mas ainda admirado por uma parcela expressiva de nossa sociedade, que, já por esta razão, devia se dar ao respeito. Do outro, o segmento mais frágil da Câmara, aquele mesmo baixo clero a que Lula certa vez se referiu como “um bando de 300 picaretas”. Lula age sem a menor preocupação quanto ao efeito aviltante de sua ação sobre a instituição legislativa, à qual, como todo bom proto-ditador, sempre devotou mal disfarçado desprezo.
De que recursos ele se vale nessas indecentes transações? De dinheiro público, evidentemente; dos impostos que você, eu e todos nós pagamos, com o agravante, porém, de ser dinheiro transformado na mais suja das moedas que ameaçam toda República: a distribuição de funções relevantes na estrutura do Estado a indivíduos desprovidos de caráter e credenciais para as exercer.
Mas deixemos de lado o método – de Lula e do PT, ele é o que se haveria de esperar –, e reflitamos sobre a substância. O objetivo de tal operação, qual é, exatamente? Contrapor-se ao impeachment, já o disse acima. Mas contrapor-se com base em quê, em nome de quê? Para defender os milhões de desempregados que vivem dias de penúria, vítimas da desumana obtusidade de Dilma Rousseff, que arrastou a economia brasileira para uma catástrofe sem precedentes? Para aliviar a desesperança que se abateu sobre milhões de jovens recém-chegados ao mercado de trabalho, que já pressentem que tão cedo não encontrarão emprego? Para abrir ao menos uma fresta pela qual o cidadão brasileiro possa vislumbrar um futuro em que as leis serão observadas e as autoridades se lembrarão do que o artigo 37 da Constituição estipula, desincumbindo-se de suas funções com um mínimo de probidade?
Claro que não. Evidente que não.
Afora a tragédia em que o governo Dilma se transformou – pensando só no terreno criminal, e carecendo a presidente da grandeza da renúncia, que pouparia o país de mais riscos e sofrimentos –, há motivos para levarmos a luta ao extremo do impeachment? “Sobram crimes”, como disse a jurista Janaína Pascoal, num primor de síntese.
Fora parlamentarista o nosso regime de governo, 1/10 dos malfeitos de Dilma Rousseff seria suficiente para lhe apontarmos a porta da rua. Mas nosso regime é o presidencialismo, e neste o remédio disponível é a pedreira do impeachment.
O problema, infelizmente, é que esse é o desfecho previsível de uma farsa arquitetada a portas fechadas pelo Sr. Luís Inácio Lula da Silva e pela Sra. Dilma Rousseff. Refiro-me à eleição de 2010, naturalmente. Lula queria duas coisas: um poste que lhe esquentasse a cadeira até 2014, e impedir o surgimento de uma liderança rival dentro do PT. O candidato natural à sua sucessão seria evidentemente José Dirceu. Dilma queria continuar subindo na vida, expressão que, em sua estreiteza de horizontes, tinha um só significado: subir na escala do poder burocrático. Aquiesceu, pois, em participar da farsa, evidenciando o que em outras oportunidades já demonstrara ser: uma farsante.
Essa, meus caros leitores e leitoras, é a história sem retoques do descalabro que se abateu sobre o Brasil. A origem nua e crua desse novo espetáculo de indecência cívica a que Lula recorre para satisfazer sua desmesurada gana de poder.
Nossa esperança é que o tiro de Lula saia pela culatra. Que uma parcela importante dos deputados que tenta aviltar na física e na jurídica – como indivíduos e como detentores de mandatos eletivos –, tomem-se de brios, mobilizem o resto de hombridade que trazem no peito, e se comportem como o que são: representantes de verdade dos eleitores que neles confiaram.
Bolívar Lamounier
Cientista político e escritor. Autor, entre outros, de Da Independência a Lula: Dois séculos de política brasileira (2005) e Tribunos, profetas e sacerdotes: Intelectuais e ideologias no século XX (2014).