Sobre Marcela Temer e a individualidade não violada

A falsa polêmica sobre a "bela, recatada e ‘do lar’" esposa de Michel Temer.


Marcela Temer

O título é “Marcela Temer: bela, recatada e ‘do lar’” e as reações são as mais diversas e efusivas, chegando ao ápice de termos fotos com legendas ironizando as qualidades apresentadas no texto como uma forma de protesto. Há quem considere que a matéria seja apenas uma apresentação de Marcela e há quem considere que na realidade foi uma ofensa à liberdade das mulheres.

Vimos a profusão de textos, alguns nauseantes, com a finalidade de defender que a matéria da Veja foi machista e misógina, que impunha um padrão de como deve ser a mulher ideal. Um texto, pasmem, chegou a afirmar que a suposta exaltação dessas qualidades em Marcela é um ataque à – adivinhem – Dilma Rousseff.

Particularmente, considero o texto apenas uma análise rasa da esposa de Michel Temer. O título? Foi exatamente para acentuar as principais características abordadas pela análise, nenhum mistério – na realidade, o texto aborda o assunto com uma ironia que, acredito, foi imperceptível para a maior parte de seus leitores. Nada disso demonstra, porém, machismo: análises rasas trazem características específicas para que o público possa criar um julgamento a partir disso, o que pode acontecer com homens ou mulheres.

Tais matérias são criadas com a intenção de mostrar impressões específicas do que se quer passar para a população. Podemos citar o exemplo de Dilma Vana Rousseff: em 2010, logo após ser eleita, houve reportagens declarando sua exigência e um histórico de trabalhos que teriam sido, supostamente, muito bem executados; entretanto, o que lemos na mídia sobre ela atualmente mostra alguém desestruturada, com surtos de raiva e que não consegue resistir ao ambiente hostil da política.

Indo mais além, podemos dizer que o causador dessa mudança não é o machismo ou a misoginia – surpreendentemente, o que mudou nas características e na forma como a (ex-)presidente é retratada foi o tempo, que pôde nos mostrar que Dilma, ao deixar a proteção de Lula e alçar voo, é uma mulher incompetente que não consegue lidar com o cargo em que está.

Nosso presidencialismo concentra os poderes de chefe de Governo e de Estado em Dilma Rousseff; nossas expectativas para com ela são diferentes das que teríamos por seu marido – se ela tivesse um. Quando Michel Temer assumir, teremos Marcela como primeira-dama, por quem, a exemplo do aconteceria com o hipotético marido de Dilma, nutrimos expectativas – muito menos que os norte-americanos, vale ressaltar.

Para ilustrar, guardadas as devidas proporções, podemos tomar como referência duas britânicas. Margaret Thatcher, como chefe de Governo, que entrou para a história como a Dama de Ferro; e, com um papel que alguns brasileiros podem considerar de menor relevância que o da primeira, a Duquesa de Cambridge Kate Middleton, que podemos enxergar como uma mulher “bela, recatada e do lar”.

A mídia, ao tratar de Thatcher, mostra uma chefe de Governo controversa e destemida: foi uma estadista que resistiu às pressões e tinha o marido ao lado – marido esse que, certamente, não era um homem cujo comportamento pudesse prejudicar a esposa. Thatcher cuidava do marido, cozinhando para ele todas as noites, tendo chegado a admitir que talvez não entrasse na política se pudesse voltar no tempo, para se dedicar mais à família; isso não a torna menos mulher, mais fraca ou menor que Denis Thatcher.

Há certa reportagem, dentre tantas, sobre Kate Middleton que destaca que ela está vivendo a fantasia de todas as meninas ao se tornar uma princesa. Mas não é o pior: ao que parece, aponta a possibilidade dela ter cedido aos desejos da Família Real ao largar sua carreira e mesmo sua posição na Party Pieces, empresa de seus pais; assinala também que estão gratos por sua personalidade conservadora ao se vestir e por seu comportamento não ser escandaloso.

Os britânicos não agiram raivosamente ao ter conhecimento dessas características. Obviamente, é um orgulho para eles saber que o Duque de Cambridge tem uma esposa com comportamento sóbrio, que mostra responsabilidade para com seu marido e sua própria vida, que pode criar e educar outra linhagem que chegará ao trono do Reino Unido.

Isso não significa que a vida delas, Margaret e Kate, deva ser um padrão para o resto de nós. As matérias em que aparecem não implicam em uma condenação a qualquer mulher que não seja como elas. Percebem? É o mesmo princípio: apresentação de personalidades.

Não negarei que há homens que irão preferir mulheres como Marcela Temer. Esses homens podem ser chamados de machistas ou retrógrados. Bem como há homens que irão preferir mulheres focadas em suas carreiras ou que não querem ter filhos; um homem pode achar uma companheira na igreja, no trabalho ou na balada – e o “tipo” de homem que você vai atrair depende exclusivamente da mulher que é.

Todo indivíduo é diferente – ainda bem! – e todos têm suas próprias escolhas, cabendo a nós apenas o respeito por elas.

Amálgama




Lorrayne Gaia

Graduanda em Economia pela UFRJ, atualmente trabalha no Movimento Ação Humana.


Amálgama






MAIS RECENTES


  • Esther Torinho

    Não é a mesma coisa que o que foi colocado pela Veja.
    Não sei de nenhuma revista que tenha feito a apologia de nenhuma das citadas aí, como sendo “bela, recatada e do lar”, como requisito para ser Primeira Ministra. Essa matéria é tão tendenciosa quanto a da Veja. É lamentável que essa matéria tenha sido escrita por mulher e que a mesma ainda não tenha entendido o que está em jogo nesse caso.
    E mais: ninguém reagiu raivosamente por ela ter essas características, mas pelo que isso representa simbolicamente.
    E a ironia da Veja ficou por sua conta. Vc é mais inteligente do que todo mundo.
    Mais: Marcela Temer vai saber lidar com o fato de ser Primeira Dama, quem sabe até ser Presidente. KKK. Vc é de – !

  • Isabella Passos

    Parabéns Lorrayne. Uma perspectiva que ninguém fala, talvez porque não gere polêmica, mesmo pelos que insistem em ‘problematizar’ até a folha que cai da árvore.

  • Sarah Forte

    😣😣😣😣😦😦😦😦😦 ain…a veja fazendo filhotinhos…. Deus nos proteja…

  • Leonardo Alano Rodrigues

    Não me causa estranheza que existam mulheres, jovem como vc que ainda caem neste conto, afinal nossa sociedade ainda se basa no patriarcado onde uma mulher pra ser plena tenha que se casar, ter filhos e ser devota ao lar como as que vc citou no seu texto. Mas me pergunto pq não citou outras referências femininas como Olga, Frida, ou Simone e muitas outra que fizeram história. E veja bem é preciso um homem vir a sua página senalar esse seu padrão machista no texto. Sim o texto da veja, foi tendencioso, tentou vender a imagem da mulher perfeita chegando a comparar Marcela como a Grace Kelly brasileira, preparando o terreno pra aceitação do Golpista e família. E mais as fotos postadas rompem com esse paradigma, mas em nenhum momento crítica Marcela, ja que lugar de mulher é onde ela quiser estar. Mas relevo talvez não seja sua culpa, vc foi ensinada a ser assim, buscar marido e viver pro lar direito seu. Mas não queira defender a matéria da veja e nem falar que foi irônica, por que em Ironia eu sou doutor. Bjos princesa.

  • Nara Rossi

    Que horror de reportagem! Esse mundo tá perdido mesmo!!!

  • Rosemary Guadelup

    Qual o problema em ser “recatada e do lar’ ?
    Quisera mais mulheres tivessem esse privilégio!
    Com toda certeza teríamos menos jovens envolvidos com drogas, menos mães adolescentes, menos crianças obesas e menos alunos desrespeitosos agredindo professores, menos…menos….menos…..a lista é grande!

  • Rafael

    esse site está cada vez mais parecido com o midia sem mascara

  • Romeu Menezes de Paiva

    Nossa! quanto MAV dando as caras por aqui hein!?