Para muitos "alunos" enviados ao exterior, não havia iniciativa melhor que o papai-estado poderia oferecer.
Criado no início do primeiro mandato da presidente Dilma, em 26 de julho de 2011, o objetivo formal do Ciência sem Fronteiras era incentivar a formação acadêmica no exterior, oferecendo bolsas de iniciação científica e incentivando projetos em universidades de excelência em outros países. Para cumprir a bela meta, escrita em papel, de “aumentar a presença de pesquisadores (e estudantes) de vários níveis em instituições de destaque no exterior para promover a inserção das instituições brasileiras internacionalmente, abrindo oportunidades semelhantes para cientistas e estudantes estrangeiros e assim ampliar o espírito inovador de pessoal das indústrias tecnológicas”, foram gastos 3 bilhões de reais apenas até o final do seu terceiro ano de existência.
Mas, na prática, este programa corroborou, mais uma vez, a regra “O que se vê e o que não se vê”. Postulada pelo pensador francês Frédéric Bastiat há mais de 150 anos, ela demonstra que inciativas autocráticas, de gestão estatal e pagas com dinheiro público “sobrevivem pelos efeitos que geram e que podem ser vistos. Contudo, morrerão por causa dos efeitos que não podem ser vistos”. Mesmo na avaliação de especialistas de universidades públicas, que ignoram a natureza dos investimentos, “o Ciência sem Fronteiras repete a praxe brasileira de colocar as ideias em prática antes de criar indicadores precisos que possibilitem a avaliação criteriosa quantitativa e qualitativa da ação”, de acordo com o afirmado em 2014 por um especialista da Faculdade de Educação da USP.
No aspecto individual, para muitos “alunos” enviados ao exterior, não havia iniciativa melhor que o papai-estado poderia oferecer. Com cerca de 80% das vagas direcionadas para alunos de graduação (na chamada “graduação-sanduíche”), as bolsas chegaram a R$ 60.000 para cursar apenas 2 matérias por semestre. “É muito engraçada a fama que o estudante brasileiro tem aqui nos Estados Unidos. Todo mundo pensa que somos ricos: porque todos os bolsistas do Ciência sem Fronteiras têm um Apple [notebook que pode custar até R$ 4,2 mil], um iPhone 5 [celular que vale R$ 3 mil], roupa de marca que compramos aqui e porque viajamos quase toda a semana para uma cidade diferente”, disse em 2014 à reportagem do Último Segundo um universitário que estudou nos EUA pelo programa.
Não é difícil encontrar, em fóruns na Internet, a opinião de jovens que participaram do programa. Facilmente reconhecida como uma iniciativa para publicidade política, num destes fóruns um jovem declara que “aqui na Austrália, na minha cidade, tem uns 500 brasileiros no programa e boa parte dos estudantes ‘torra’ a bolsa na ‘balada’ cantando ‘obrigado, tia Dilma'”. Um grupo de 7 jovens em intercâmbio em Portugal, 5 deles bolsistas do Ciências Sem Fronteiras, chegou a criar um grupo de pagode chamado Samba Rousseff, que fez shows nas principais cidades do país, como Porto, Coimbra e Lisboa e outros países da Europa, como França e República Tcheca. Em 2014 eles cogitavam gravar um DVD e vendiam camisetas oficiais do grupo nos shows.
Porém, toda festa acaba quando não há mais cerveja ou os donos do dinheiro cansam de financiá-la. No caso do intercâmbio, o motivo foi a falta de dinheiro, já que o pagador de impostos brasileiro parece nunca negar o financiamento de regalias para uma minoria privilegiada. Diante do absurdo déficit de R$ 170 bilhões de reais previsto para 2016, em setembro de 2015 Dilma Rousseff já havia decidido congelar o programa. O valor de R$ 2,1 bilhões foi provisionado apenas para sustentar os estudantes que ainda se encontravam no exterior, um valor 4 vezes maior que o planejado para o investimento na construção e manutenção de creches, que caiu R$ 4,2 bilhões para R$ 502 milhões no primeiro ano do segundo mandato da presidente (houve um corte de 87% dos programas sociais do governo no início 2016).
Com resultado pífio já nos seus primeiros 4 anos de existência e o dispêndio de R$ 6,4 bilhões de reais de impostos pagos por uma população que tem níveis de educação básica bastante inferiores à média mundial (no ranking de 2015 do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes , o Brasil ocupou a 59ª posição em leitura, 63ª em ciências e 66ª em matemática de 70 países avaliados), desde 2015 era anunciado o previsto fim do Ciência Sem Fronteiras.
A medida do MEC de encerrar o financiamento de bolsas do Ciência sem Fronteiras para alunos de graduação é irrisória. Nenhum dinheiro retornará, nem nenhum imposto terá sua alíquota reduzida para o seu José, mestre de obras, para a dona Maria, copeira, ou para seu Renato, metalúrgico, que continuam a trabalhar e economizar muito para pagar as contas destes estudantes no exterior, além do que seria necessário para a formação dos próprios filhos.
Lucas Oleiro
Formado em finanças e administração, trabalha com Tecnologia da Informação.