O que nossa geração tem o dever de fazer não é pouca coisa. Estamos nas ruas para defender a República.
Eu nunca conheci algo diferente. Nenhum de nós conheceu. Para minha geração – agora em idade universitária – não existe o “antes do chavismo”. Eles chegaram ao poder quando éramos bebês ou criancinhas. Nossa memória viva só alcança dois presidentes: Hugo Chávez e Nicolás Maduro.
A primeira vez que fiquei sozinho em casa foi em 2002, quando meus pais foram para um comício em La Carlota. E a única memória que tenho daquele momento é uma transmissão na RCTV de uma mulher sendo brutalmente espancada por soldados da Guarda Nacional. Aquela foi minha primeira impressão das pessoas no comando do país. Minha primeira memória do que é o poder.
Nascemos e fomos criados em uma Caracas saturada de más notícias, violência e instabilidade política. Nossos presidentes sempre foram um Chávez falando sobre sua diarreia ou um Maduro falando sobre uma revolução pacífica – mas armada. Crescemos em um romance distópico: A Revolução dos Bichos, edição república bananeira.
Acredito que minha geração reconhece algo que escapa àqueles mais velhos: insistir na mesma estratégia de merda não vai mudar o governo. Isso ficou provado muitas vezes.
Todos conhecem a história: algo desencadeia protestos, as pessoas se mobilizam e o governo começa a se sentir encurralado. Então as forças de segurança começam a distribuir bombas de gás e todos ficam putos com as forças de segurança. A comunidade internacional pede algum tipo de concessão (em 2014 e ano passado foi diálogo; este ano, eleições regionais) e a oposição se rende. Os protestos acabam e jamais se consegue algo.
O governo joga com essas regras repetidamente. Parece que não aprendemos a lição.
Agora, a resolução 156 do Tribunal Supremo – que eles fingiram reverter, mas de fato não o fizeram – dá todos os poderes da Assembleia Nacional para Nicolás Maduro (ou para seu Tribunal fantoche, o que é a mesma coisa).
Esse erro de cálculo político gerou uma dinâmica positiva para a oposição e uma fratura visível dentro do chavismo. Minha geração não pode ficar calada: somos quem mais tem a perder.
Dia desses, estávamos em uma avenida próximo à Plaza Venezuela, tentando tocar o terror.
A polícia chegou rápida e dura, numa demonstração de força preventiva, antes que a coisa pudesse aumentar. Mas antes mesmo das forças de segurança fazerem seu trabalho, eu consegui ouvir esse pedaço de conversa entre uma garota da minha faixa etária e dois policiais:
“Vão em frente e cumpram suas ordens”, a menina disse, “mas minha luta também é por vocês.”
“Eu já disse”, falou o primeiro policial, “abram logo a rua.”
“Ou vocês abrem”, o outro policial adicionou, “ou nós abriremos.”
“Nosso protesto é para a sua família”, disse a garota, se recusando a desistir. “Ninguém está a salvo da crise e da onda de criminalidade.”
O primeiro policial deu meia volta e saiu andando, e o tom do seu parceiro mudou.
“Mi niña”, ele disse, agora quase implorando, “por favor saiam daqui. Eles vão foder com vocês.”
Aprendi muito com essa garota sobre o que devemos fazer, enquanto estudantes, para ter um impacto real. Devemos ficar ativos nas ruas, sim, mas também devemos ser irreverentes e jamais desistir do nosso papel de consciência da sociedade. Policiais jovens não estão assim tão distantes de nós em idade, e os mais velhos podem ter filhos da nossa idade. Podemos fazer uma conexão com essas pessoas. Isso nos dá legitimidade. Algumas pesquisas de opinião sugerem que o Movimiento Estudiantil – nosso movimento – é o de maior credibilidade no país. Se estivermos nas ruas, as pessoas se unirão a nós.
Temos que mandar uma mensagem aos serviços de segurança – policiais, Guarda Nacional, Exército, todos eles. Essa não é uma questão de confrontação ou antagonismo; é uma questão de mostrar que estamos lutando por eles. E pela constituição.
O que nossa geração tem o dever de fazer não é pouca coisa. Estamos nas ruas para defender a República. Pouco a pouco, se resistirmos, eles se juntarão a nós. A reação da Procuradora Geral mostrou que essa esperança não é um sonho.
O movimento estudantil tem muito mais poder sobre os partidos políticos do que estes têm sobre nós. Mas apenas podemos manter a credibilidade atual se agirmos independentemente da Mesa da Unidade Democrática (MUD). Então, para prevenir a mesma “estratégia de merda”, temos que elevar os custos políticos de qualquer negociação.
Temos que levar as vovozinhas a sério. Durante as manifestações, elas sempre nos dizem que confiam na gente, do movimento estudantil, e não nos políticos. Isso não quer dizer que devemos atacar a MUD apenas por atacar. Quer dizer que devemos estar ao lado dela, mas também criticá-la quando os interesses pessoais de políticos entrarem em conflito com os da batalha mais ampla.
Veja qualquer manifestação, e bem na linha de frente, onde existem riscos reais, você verá estudantes. Essa é nossa luta. É nossa mensagem que realmente pode entrar nas Forças Armadas e ajudar a criar mais e maiores fraturas. Nossa geração compreende: os policiais não são nossos inimigos; eles são tão vítimas do regime quanto nós. É nosso dever mobilizar a sociedade civil. Ninguém mais o fará. Nosso futuro nos foi roubado, e estamos determinados a recuperá-lo.
Ignacio Ayala
Estudante de Direito na Universidade Católica Andrés Bello. Escreve no Caracas Chronicles.