A experiência internacional demonstra: o número de estatais em um país é inversamente proporcional ao combate à corrupção.
Esta semana, a Lista de Fachin, junto das delações da cúpula da Odebrecht, chocou o país pelo alcance e monumental soma de valores. Mas cada vez parece surpreender menos; o noticiário da corrupção ficou batido nos últimos anos, com a eclosão de escândalos como Mensalão e Petrolão, só para citar os maiores. Os escândalos de corrupção são algo recorrente na história da jovem democracia brasileira, e certamente se estendem às décadas anteriores. Para combatermos esta chaga, no entanto, é preciso questionar o que permite que ela seja tão frutífera em solo brasileiro.
Getúlio Vargas sedimentaria o que viria a ser convencional como forma mais rápida e eficaz de se fazer negócios e ascender em terras brasileiras: se aliar ao Estado, forjando uma rede de conexões com o meio político e se tornando habitué dos corredores dos palácios brasilienses.
Ao aliar Estado-Sindicato-Grande Empresa, nosso caudilho-mestre Vargas inseriu diretamente no cerne do funcionamento da máquina pública o corporativismo, de um lado cristalizando na população o patriarcado (como forma de controlá-la para uso como bem entender), ao mesmo tempo em que domava centrais com leis trabalhistas (que as beneficiavam em primeiríssimo lugar), e construindo um aparato estatal forte o suficiente para ditar os rumos da economia, controlando uma enorme soma de recursos e erigindo estatais e programas centralistas e de grande alcance, como forma de manter o empresariado como aliado. Isto se deu pari passu com maior protecionismo interno, garantindo reservas de mercado que deixaram nossas maiores empresas em posição confortável – e permitindo que deitassem em berço esplêndido por décadas a fio. (Conforme concluiu a própria CEPAL, casa de muitos de nossos desenvolvimentistas, em pesquisa do início dos anos 60.)
Esta estratégia seria reproduzida com maestria pela ditadura militar, onde o “milagre econômico” seria fomentado por endividamento externo como forma de manter a ineficiência e sustentar os custos altíssimos de um parque industrial cada vez mais atrasado e menos competitivo, e de uma visão pela qual tudo deveria se produzir aqui dentro. Os militares levariam a estratégia de concentração a outro patamar, constatando que era mais fácil planejar quanto maior os conglomerados e sua articulação com o governo. Além disso, parte preponderante do seu apoio provinha de setores do empresariado, que urgiam pela continuidade das reservas de mercado e pela injeção de estímulos à cambaleante economia, com o programa de substituição de importações dando claros sinais de fadiga.
O fim do segundo mandato de Lula, e em especial a presidência de Dilma Rousseff, marcou um claro retorno ao projeto militar-getulista. A estratégia seria propagandeada aos quatro ventos, nos ufanistas programas eleitorais do Partido dos Trabalhadores e aliados, como o próximo passo para a reconquista da soberania nacional (seja lá o que isto signifique), nosso ticket para o desenvolvimento, financiando a criação e expansão de gigantes campeãs nacionais que teriam capacidade para competir no exterior.
Além disso, se buscaria um maior controle estatal. Ao primeiro sinal de queda no crescimento, se injetaria crédito para o consumo de empresas e famílias, enquanto se agigantaria a máquina, por meio da constituição de estatais, inserindo capital público em empresas privadas, entre diversas outras estripulias. Foram criadas mais de 150 estatais entre o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma, em especial para a infraestrutura, na indústria petroquímica, e para o que foi mais conveniente chamar de planejamento. (O número de empresas na órbita do governo saltou para quase 700 em 2011.)
Como um banquete de alimentos gordurosos para um obeso, nada mais fomentador de corrupção que estatais, ainda mais quando estas estão à disposição de claques políticas, cujo único objetivo parece ser o enriquecimento pessoal e acúmulo de poder. Este pareceu ser o pano de fundo do aumento das empresas públicas no país, cuja expansão acelerada coincidiu com a necessidade do governo de amalgamar apoio (bem documentado no livro Anatomia de um Desastre) – impulsionada pela própria “lambança” do petismo.
A experiência internacional demonstra: o número de estatais em um país é inversamente proporcional ao combate à corrupção.
Ainda assim, intelectuais e movimentos políticos egressos da esquerda e do chamado progressismo, junto de teólogos do desenvolvimentismo nacional, saudariam a renovada plataforma lulopetista, que finalmente se aproximava de suas visões de como a economia brasileira deveria ser liderada, e controlada, pelo Estado – e meia dúzia de brilhantes planejadores.
Não só eles: empresários de diversos setores, em especial os da construção civil e obras públicas, varejo e grandes industriais (FIESP à frente), abraçariam a estratégia do governo no ápice da aceleração econômica. Alguns foram verdadeiros entusiastas da volta do nacional-desenvolvimentismo, contribuindo com somas graúdas em campanhas eleitorais para a manutenção do status quo estatista.
Deixando de lado o (desastroso) resultado deste programa, o ponto é que as investigações de mega-esquemas de corrupção revelam o uso sistemático dessa nova estratégia para enriquecimento pessoal de políticos e empresários. Enquanto o circo dos artificialismos mascarava a falta de dinamismo e o insustentável modelo de crescimento perseguido pelo lulopetismo a partir de 2007, uma parte do empresariado, de modus operandi parasita, viu sua grande chance – mais uma vez.
O BNDES – constituído para garantir capital de longo prazo para empresas que não conseguem se financiar no mercado – foi um dos principais símbolos dessa era de renovada orgia entre recursos públicos e favores privados. Era pedra basilar da estratégia, aumentando de volume em mais de R$ 500 bilhões entre 2008 e 2014 (uma transferência líquida de mais de 10% de toda a riqueza gerada no Brasil).
Os recursos foram, em grande parte, para financiar a compra de empresas médias e pequenas por grandes conglomerados como (bingo!) Odebrecht, JBS, Caoa, BRF, LBR (hoje falida), ou para a construção do que deveriam ser impérios, com o das empresas X de Eike Batista. A visão era clara para o governo Rousseff: quanto mais concentração, mais condições de competirmos globalmente. Ainda que Dilma seja formada em economia, talvez tenha pulado as aulas introdutórias de microeconomia ou mesmo de história econômica, onde se constata uma clara correlação entre um ambiente concorrencial com desenvolvimento econômico e avanço tecnológico, essenciais para a competitividade de um país.
A panelinha de empresários amigos do governo fica evidente quando se verifica o predomínio de alguns gigantes nos esquemas estatais. Eles facilmente conseguiriam captar recursos sem ajuda do BNDES, mas foram responsáveis por cerca de 80% dos empréstimos concedidos no apogeu da Nova Matriz Econômica. Conforme analisei neste artigo:
O protagonismo da Odebrecht nos recentes casos de corrupção, coincidência ou não, também é visto em sua fatia no bolo do BNDES, já que a empresa foi receptora de 41% dos cerca de R$ 44,1 bilhões despendidos para projetos no exterior entre 2010 e 2014. Se considerado o período entre 2007 e 2014, este dado aumenta para espantosos 70%. O financiamento a projetos do conglomerado fora do Brasil subiu da média de US$ 166 milhões anuais, entre 1998 e 2006, para cerca de US$ 1 bilhão em desembolsos anuais entre 2007 e 2013.
Os recursos não só irrigaram empresários, funcionários e políticos nacionais corruptos, mas também serviram de sustentáculo para muitos regimes ditatoriais (ou próximo disto) ao redor do mundo: iam em especial para obras da Odebrecht em Angola, Cuba, Venezuela e Equador, como em duas linhas do metrô de Caracas. A família Odebrecht chegou a reformar a mansão do ditador angolano, há 37 anos no poder – seguindo modelo bem sucedido com o sítio e o duplex de Lula no Brasil.
Outro grande símbolo do projeto lulodilmista são as inúmeras leis de conteúdo nacional, institucionalizando (reforçando, na realidade) as reservas de mercado. Apesar de nunca terem saído do receituário para a economia brasileira desde Getúlio, estas foram levadas a outro patamar por Dilma e equipe, exigindo a produção de todas as etapas da produção em setores como óleo e gás em certo percentual dentro do país – não importando os custos. Oportunidade de ouro para consórcios de empresários embolsarem bilionários lucros de monopólio, ao constituírem-se fornecedores em esquemas onde, muitas vezes, eram os únicos provedores para estatais (empresas privadas, sem recursos do Tesouro Nacional, não tinham como viabilizar sua produção aqui dentro, e saíram do país ou fecharam as portas).
A empresa Toyo Setal, por exemplo – constituída em 2012 só para o Pré-Sal – confirmou propina em oito grandes obras da Petrobras. Em uma delas, a megalômana Refinaria Abreu e Lima, os custos saltaram de cerca de R$ 7 bilhões para mais de R$ 56,4 bilhões, sem sequer concluir-se a construção da refinaria. Isto sem falar da IESA, Confab, Promon, Engevix e diversas outras envolvidas em megaprojetos da estatal de petróleo – e agora envolvidas na Lava Jato.
Sendo fato, como citado logo no inicio deste artigo, que a corrupção disseminada está presente desde os primórdios da constituição do estado brasileiro, não se pode ignorar que a desenfreada e deliberada expansão do tamanho do Estado brasileiro criou uma gama sem-fim de oportunidades para o contínuo achaque das finanças públicas, com enormes programas beneficiando, sobretudo, grandes conglomerados empresariais.
Isto é verdade em especial para a Odebrecht, que já cedo aprendeu os meandros, como revelam, em especial, as delações de Emílio e Marcelo (pai e filho). Ambos citam contatos frequentes com Sarney, Collor, FHC, Lula, Dilma. O patriarca revelou apoiar financeiramente Lula desde fins dos anos 70, abençoando a influência que o ex-presidente exercia nas centrais sindicais. Ao mesmo tempo, a empreiteira, ao lado de outras hoje também envolvidas na Lava Jato, tinha participação nos programas de infraestrutura dos militares.
Para combatermos a praga da corrupção é essencial ter regras estáveis, ambiente verdadeiramente competitivo nas licitações estatais, quebra dos monopólios e oligopólios públicos e privados, e, sobretudo, repasse para mãos privadas do mercado de infraestrutura e serviços que não precisa do Estado para operar (os Correios são um exemplo gritante).
Enganamo-nos todos quando sonhamos com menos corrupção, mas não atacamos o tamanho e o modelo do estado brasileiro. Hoje, ele opera única e exclusivamente para a proteção de setores, empresas e corporações controladoras da máquina, com propinas que garantem a sobrevivência eleitoral de políticos que mantêm o esquema funcionando.
Luiz Eduardo Peixoto
Graduando em economia na FEA-USP.