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Bashar al-Assad também é um mal

por Michael J. Totten (07/04/2017)

Assad e os russos estão combatendo todo grupo rebelde no país, exceto o ISIS.

Quadro com fotos de Hassan Nasrallah, líder do grupo terrorista Hezbollah, e Bashar al-Assad

Na semana passada, o governo Trump havia substituído a covarde e contraproducente política síria de Barack Obama por uma do mesmo tipo.

Cinco anos atrás, o governo Obama impotentemente exigiu a saída do tirano sanguinário Bashar al-Assad, mas agora a embaixadora na ONU, Nikki Haley, havia dito que Washington sequer chegaria a tanto. “Nossa prioridade”, ela disse, “não é mais focar em tirar Assad”. O secretário de Estado Rex Tillerson disse basicamente a mesma coisa, em Ancara, e o disse repetindo quase verbatim os aliados russos e iranianos de Assad. “O status quo a longo prazo do presidente Assad”, ele disse, “será decidido pelo povo sírio”.

Então, nesta semana, o governo Trump deu uma reviravolta, após o uso de armas químicas por parte do regime na província de Idlib, e sugeriu que de agora em diante a mudança de regime pode de fato ser a política de Washington. “O papel de Assad no futuro”, disse Tillerson, “é incerto, e com suas ações recentes, pode parecer que não haverá para um ele um papel de governar o povo sírio”.

Após explodir hospitais e escolas e chacinar centenas de milhares com armas químicas e bombas de barril, não haveria a menor chance de Assad vencer uma eleição livre e justa na Síria, mas seus aliados em Teerã e Moscou jamais precisarão se preocupar com uma eleição livre e justa enquanto ele estiver no poder. Assad é o tipo de líder que “ganha” eleições com 97,6% dos “votos”.

Seu regime já matou quase 500.000 pessoas e desalojou milhões, desencadeando a maior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra, mas pelo menos ele não massacra cartunistas em Paris ou baladeiros na Flórida. Ele é um monstro, mas não é o ISIS. Nesse sentido, pelo menos do ponto de vista de Washington, ele é o menor de dois males.

Mas precisamos deixar algumas coisas bem claras. Bashar al-Assad não está combatendo o ISIS na Síria. De jeito nenhum. E nem os russos estão. Assad e os russos estão combatendo todo grupo rebelde no país, exceto o ISIS. Dê uma olhada no mapa. O território do ISIS está centrado em sua “capital” em Raqqa no nordeste, mas o teatro de operações de Assad e da Rússia está no oeste e ao longo do litoral. Apenas os Estados Unidos bombardearam o ISIS na Síria, e apenas milícias curdas seriamente resistiram ao ISIS em terra.

Assad, no entanto, facilitou a ascensão do ISIS na Síria no Iraque. Milhares de americanos e iraquianos estão mortos graças a seu patrocínio da al-Qaeda de Abu Musab al-Zarqawi no Iraque – o precursor do ISIS – durante a insurgência iraquiana.

Isso não é segredo. “Nós da inteligência síria abrimos todas as portas para [os jihadistas] irem para o Iraque”, disse ao Daily Beast Mahmud al-Naser, um oficial da inteligência que desertou para os Estados Unidos.

Antes que você desconsidere o malfeito sírio durante a guerra do Iraque como irrelevante, entenda outra coisa: o ISIS, em sua atual forma, também é uma criatura do regime Assad. Assad quis que o ISIS crescesse. Ele precisou que o ISIS crescesse. Ele fez o que estava a seu alcance para que o ISIS crescesse, e para que crescesse dentro da Síria.

Em 2011, o regime de Assad fuzilou, torturou, estuprou e mutilou manifestantes pacíficos, chamando-os de terroristas. Todo o mundo soube que ele estava mentindo, incluindo seus aliados iranianos e do Hezbollah. Ele tinha que fazer a acusação, de todo jeito, porque, após as mudanças de regime lideradas pelos EUA no Iraque e na Líbia, ele tinha tudo para acreditar que seria o próximo da fila.

No entanto, não se pode lutar uma guerra contra o terrorismo se não existem terroristas. Assad precisou criar uma ameaça terrorista dentro da Síria. Para tanto, libertou os islamistas mais extremistas, incluindo militantes da al-Qaeda com experiência em guerra. Outros se juntaram aos remanescentes da então em grande parte defunta al-Qaeda no Iraque, e a rebatizaram de Estado Islâmico no Iraque e na Síria, ou ISIS em inglês.

Então Assad disse para o mundo, “ou eu mando no país, ou eles mandam”, e o mundo aceitou.

O acadêmico Nadim Shehadi certa vez me deu um conselho sarcástico para o caso de eu querer me tornar um ditador se algum dia fosse demitido do jornalismo. “O que você tem que fazer”, ele disse, “é instaurar a ideia de que é indispensável, insubstituível, que, depois de você, existe apenas o abismo da guerra sectária, terrorismo, limpeza étnica e falência do estado. Crie problemas que apenas você possa resolver”. Ele adquiriu essa sabedoria após observar por quatro décadas o modus operandi da família Assad.

Novatos em política externa como Donald Trump, Rex Tillerson e Nikki Haley corretamente apontam o Irã como o maior estado patrocinador de terrorismo no mundo, mas estranhamente desconhecem que a Síria tem sido o maior patrocinador do terrorismo no mundo árabe desde os anos 1970.

O ISIS é o mais maluco exército terrorista da terra, mas o Hezbollah, a milícia de aluguem da Síria e do Irã no Líbano, continua o mais poderoso. É mais poderoso, na verdade, do que muitos dos exércitos regulares do Oriente Médio, incluindo o do próprio Líbano. Seu arsenal de mísseis é atualmente forte o bastante para atingir alvos em qualquer lugar de Israel, incluindo a cidade de Eliat, no extremo sul, e a planta nuclear de Dimona.

Após anos de uma guerra em câmera lenta liderada pelos Estados Unidos e seus parceiros regionais, o ISIS está nas cordas, mas o eixo Irã-Hezbollah está mais forte do que nunca, especialmente agora que os russos estão lutando de seu lado. A aliança da Rússia com a Síria e o Irã não é nova, e é perfeitamente natural. A Síria é o principal estado cliente do Kremlin no Oriente Médio desde os anos 1970, e o Irã recebeu quase toda sua tecnologia nuclear de Moscou.

Todos estamos cansados de guerra, mas teremos um bocado mais de guerra se os EUA efetivamente derem passe verde para o maior eixo terrorista do mundo. E, apenas poucos dias após os EUA indicarem exatamente isso, o regime sírio usou armas químicas. Não deveríamos estar nem um pouco surpresos.

Tirar Assad do poder não precisa ser a primeira prioridade americana no Oriente Médio, mas terceirizar logo para ele nossos esforços antiterroristas faz tanto sentido quanto Churchill e Roosevelt deixando para Mussolini e Franco a tarefa de salvar a Europa de Hitler. Uma correção de rumo por parte de Washington – se é que ocorrerá – será atrasada, mas bem vinda.

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originalmente publicado no The Tower. traduzido com permissão do autor.

Michael J. Totten

Colunista da World Affairs. Autor, entre outros, de In the Wake of the Surge (2011) e Dispatches: Stories from War Zones, Police States and Other Hellholes (2016).