Adicionar mais duas disciplinas como obrigatórias poderia ter efeitos negativos no desempenho dos jovens.
Imediatamente após a divulgação de um estudo que conclui que a obrigatoriedade de Filosofia e Sociologia piora o desempenho dos alunos, diversos educadores e pesquisadores do tema entraram em polvorosa nas redes. O cerne das críticas à pesquisa pode ser resumida a importância das disciplinas na formação do indivíduo e no fornecimento de ferramentas a serem utilizadas em outras áreas do conhecimento, incluindo matemática.
Criticar e apontar erros são parte do exercício de se produzir ciência, contudo, a postura da maioria desses educadores não foi nada científica. Em primeiro lugar, a pesquisa de Thais Waideman Niquito e Adolfo Sachsida sequer havia sido publicada — a notícia frisava ser um estudo inédito a ser publicado pelo IPEA. Em segundo lugar, em nenhum momento os pesquisadores questionaram a relevância de Filosofia e Sociologia enquanto áreas do conhecimento. O objetivo era medir os efeitos da obrigatoriedade dessas disciplinas no desempenho geral dos alunos, levando em conta os diversos fatores que afetam esse mesmo desempenho. A conclusão aqui é evidente: a maioria das pessoas que rejeitou as conclusões do artigo nem se deu o trabalho de lê-lo.
O melhor exemplo para ilustrar como muitos dos nossos intelectuais criticam aquilo que vai contra as suas visões de mundo, ao invés do método, é o artigo do professor Paulo Ghiraldelli Jr na Folha de S. Paulo. Afirma ele: “O resultado da pesquisa relatada por Fraga é esdrúxulo, ideológico. Funciona na base de uma continha de subtrair que ninguém faria” (destaque meu). Esse é o único comentário que o professor faz sobre a metodologia da pesquisa, que, diga-se de passagem, é bem mais complexa que uma mera continha de subtrair: os pesquisadores utilizaram um modelo de diferenças em diferenças e outro utilizando dados em painel para escolas. Para o professor, a intenção de um modelo de educação mais enxuto serve para aumentar o fosso entre ricos e pobres. Ele parece ignorar o fato de que os resultados, criticados por ele, mostram que os mais afetados pela obrigatoriedade de mais duas disciplinas são justamente os mais pobres, que têm uma menor estrutura para estudar em casa. Se Ghiraldelli entendesse mais de estatística, ou ainda tivesse lido o estudo, poderia ter apontado problemas dentro dos modelos utilizados ao invés de gastar seu espaço na Folha apenas com ideologismo.
Além disso, não deveria ser um grande choque, considerando a quantidade de matérias e a atenção cada vez mais escassa dos jovens, que adicionar mais duas disciplinas como obrigatórias poderia ter efeitos negativos. Os pesquisadores mostram que o desempenho médio dos alunos, em várias áreas do conhecimento, caiu após a lei que determina essa obrigatoriedade. Esse efeito se mostra mais consistente em matemática, o que não é estranho, dado que é uma disciplina muito mistificada pelos alunos por ser “muito difícil”. A partir dessa conclusão, muitos críticos inferiram erroneamente que o artigo propunha alguma forma de antagonismo entre as áreas do conhecimento.
Esses resultados corroboram a proposta do novo ensino médio, que buscando reduzir a altíssima evasão, dá alguma liberdade de escolha ao adolescente. Ainda que mantendo em todos os anos, matemática e linguagens como obrigatórias, será possível escolher 40% da carga horária dentre as áreas: humanas, saúde, exatas ou ensino técnico e profissionalizante.
Há uma preocupação, um tanto infundada, de que esses jovens não teriam a maturidade necessária para tomar a decisão. Em outros países, como nos escandinavos, essa escolha acontece bem mais cedo, muitas vezes ainda no ensino fundamental. Vários críticos desse modelo mais livre parecem esquecer que nossos jovens, um ou dois anos depois desta fase, terão que que lidar com a difícil escolha de uma profissão ou curso superior.
A impressão que se tem é que educação é um terreno sagrado, cheio de tabus. Os alunos e escolas não devem ter a liberdade de se adequar ao próprio contexto, tampouco um pesquisador pode afirmar que duas disciplinas a mais podem ser prejudicial as notas dos alunos. Se educadores, as pessoas que mais gastam tempo pensando em como melhorar a educação brasileira, adotam uma postura tão inflexível e fechada ao diálogo, o que esperar do resto da sociedade? A preocupação com a educação dos nossos adolescentes é algo louvável, no entanto, o episódio reflete a pobreza da forma como debatemos políticas públicas.
Deborah Bizarria
Estudante de Economia na UFPE. Coordenadora nacional no Students for Liberty e liderança no Clube Frei Caneca.