A entrada na OCDE significaria para o Brasil deixar de ser “café-com-leite” no cenário financeiro internacional.
Ricos e pobres
No aniversário do golpe civil de 64 – civil, porque quem assinou a ilegal vacância da presidência quando Goulart ainda estava no Brasil, rompendo com o protocolo, foi Auro Soares de Oliveira, o presidente do Congresso, com os militares entrando apenas posteriormente –, o que me vem à mente não são as figuras da época, como Carlos Lacerda ou Adhemar de Barros, mas sim, Irineu Evangelista de Souza, o Visconde (mais conhecido por Barão) de Mauá.
Empresário e industrial, possuidor de uma riqueza maior do que o orçamento do próprio Império à época (155 versus 97 milhões de libras esterlinas), o magnata brasileiro contribuiu mais com o desenvolvimento econômico e social do que qualquer política pública poderia ter feito. Tendo sido o responsável pela iluminação a gás no Rio de Janeiro, tirando a cidade da era do óleo; construído mais de três rodovias pelo território brasileiro; desbravando o Amazonas com uma companhia própria de barcos a vapor, o que motivou o Império a roubar sua ideia e capitalizar em cima da abertura das águas desse rio posteriormente; feito um cabo submarino telegráfico conectando América do Sul e Europa; tendo criado uma companhia de bondes no RJ que seria o início da rede de transportes na cidade; dono de estaleiros, fábricas e engenhos, e abolicionista, Mauá fez de forma espontânea o que o Governo Militar tentou fazer à força.
Fazendo uso das necessidades do país em infraestrutura, produção e transportes, o banqueiro ofereceu o que era preciso ao universo produtivo oitocentista brasileiro e, ao fim de sua vida, engajou-se em questões célebres do país, como a Guerra do Paraguai, a Farroupilha e Cisplatina.
Um gênio financeiro que contornou a burocracia do império – como a Lei Alves Branco, um dos rudimentos do nosso Protecionismo da Sucata – em tudo que fosse possível para o próprio desenvolvimento da nação, morreu em desgraça, às vésperas da República, vítima do diabetes, que à época não tinha tratamento.
Pouco mais de cem anos depois, os desenvolvimentistas e tecnocratas militares, que queriam a mesma coisa que Mauá – o desabrochar socioeconômico do país – tentaram ir ao Guarujá pela Anhanguera e, obviamente, não conseguiram. Pegaram empréstimos para fazer uma estrutura que não necessariamente traria retorno, o que, em suma, levou o país a uma ruína econômica cujos efeitos até hoje sentimos e, embora tenham combatido a guerrilha comunista e garantido a soberania nacional, já que países comunistas extrassoviéticos eram colônias de Moscou, deixaram de herança um executivo completamente aparelhado e incapaz de negociar com o legislativo, que passou a governar o país por procuração desde 1988.
Se, por um lado, Mauá usou a mentalidade capitalista do lucro para abrir empreitadas que fatalmente aumentaram a receita interna, os militares usaram a estratégia da centralização e controle para aparar as pontas do país, gastando um dinheiro que poderia ser melhor empregado em outras coisas, como educação e diminuição da desigualdade. Podemos comparar essa estratégia keynesiana a comprar roupas que você não precisa: você joga dinheiro fora e não as usa. Foi assim com a transamazônica, mas não foi com a rede ferroviária do Visconde.
Como o brasileiro é ruim de história e pior ainda de economia, nossos governantes da segunda metade do século XX parecem ter ignorado a quiçá mais importante lição de Irineu: a de que não se cria demanda do nada; e também a segunda: a de que, quanto mais você resolve atrapalhar quem produz e traz riqueza e rentabilidade fiscal, pior é para a própria estrutura de Estado que a cobra.
EUA, Reino Unido e Alemanha não são o que são hoje por uma canetada de um político, mas sim, porque os povos desses lugares enxergam – ou ao menos enxergavam, até o pós-modernismo fazer a sociedade ocidental ter vergonha de si mesma – o empresariado e demais parcelas produtivas da população como aliados, e não inimigos. Para muito além da cultura socialista que impera no país, inclusive em alguns cursos de economia, o desprezo que temos por quem trabalha e produz vem desde o século XVII, com os colonos que vieram para cá, mas esse é um assunto para outro momento.
Praxeologia para leigos
Existe certo fla-flu na busca pelo melhor presidente da Nova República, e esse derby é protagonizado por dois ex-presidentes que causam amor e ódio: Lula e FHC. Lula pelos avanços sociais e políticas públicas que tiraram o Brasil do mapa da miséria apenas por desligar o GPS que nos localizava; FHC por ter dado cabo a um plano econômico que não era apenas dele.
No entanto, o maior presidente da Nova República foi, nada mais, nada menos, do que ele mesmo: o alagoano Fernando Collor.
O pobre ex-presidente é mal visto por ter sofrido o primeiro impeachment, que seria o único da nova democracia, se não fosse o da presidenta. No entanto, até relógio parado acerta duas vezes por dia, e as duas decisões mais ou menos acertadas de Collor foram os planos Collor I e II. Embora sejam malvistos pelos famigerados confiscos de poupança – que foram a forma absolutamente estrábica que o Ministério da Fazenda da época encontrou para diminuir a liquidez da praça e segurar a inflação, quase um controle de preços de saias –, esses planos possuíam features muito mais complexos do que enxergou, e enxerga, o cidadão comum.
A 16 de março de 1990, um dia após assumir a presidência, Fernando Collor de Mello anuncia o Plano Brasil Novo, ou Plano Collor. Consistia em bloqueio bancário (que era o “confisco da poupança”) para diminuir a liquidez da praça e frear a pressão inflacionária; troca da moeda, para que o confisco estivesse na legalidade; abertura comercial, que foi o primeiro passo da dessovietização do país, cuja economia era tão aberta quanto a da Coreia do Norte, algo que tem perdurado até hoje, mas em menor grau, por um lobby de ideólogos e pela nomenclatura cleptocrata do país; desindexação, proibindo a correção dos contratos pela inflação em menos de um ano, o que evitava a corrida de preços praticamente diária, uma espécie controle de preços menos ébrio; e o ajuste das contas públicas, que contou com demissões em massa e privatizações, algo muito próximo que a equipe econômica de Bolsonaro está fazendo atualmente.
Como seu antecessor não conseguiu controlar propriamente a inflação, surgiu, em 1991, o Plano Collor II, com vistas ao estímulo da indústria, com reforma tarifária e reestruturação comercial, que permitiu que trocássemos nossos Monzas por carros importados.
Embora ambos os planos tenham falhado em seus propósitos iniciais, eles deram espólios não planejados: muito mais do que controlar a inflação, que viria apenas com o Plano Real alguns anos depois, a abertura comercial promovida por Collor nos separou de uma republiqueta socialista, onde havia apenas mercado interno, manufaturas viciadas e mais pessoas comendo lixo do que se tem hoje, para uma república semi-capitalista, onde o livre-mercado ainda não é pleno de acordo com padrões internacionais, mas que é melhor do que um Sovietistão sul-americano. Graças a essa abertura econômica iniciada com Collor, e que, muito provavelmente, foi o que deu ânimo ao Plano Real – já que havia interesse concreto em reforma de uma economia para qual se tinha esperança, diferentemente da Venezuela, onde apenas reconstruir do zero o sistema financeiro pode lograr sucesso.
A grande virtude por trás do périplo econômico que o Brasil enfrentou – após trilhar o caminho da servidão por décadas e ter flertado com essa servidão novamente durante 13 anos e por culpa nossa mesmo – e enfrenta é o de atender ao desejo das pessoas. O capitalismo, embora tenha sido estudado, examinado à minúcia, colocado num tomógrafo para ser compreendido em todas as suas dimensões, é muito mais simples do que parece. O capitalismo somos eu e você, e nossos interesses materiais e subjetivos, dentro de um contexto de trocas voluntárias. Isso posto, é possível entender o porquê de economias, e medidas econômicas, funcionarem, ou não.
Ludwig Von Mises, um dos mais célebres economistas austríacos e o austríaco light cuja boa parte dos iniciantes começa sua caminhada na Austrian School of Economics, entendia a economia como uma subdivisão da praxeologia. Não deve causar espanto que a noção de ação humana – algo que as pessoas fazem ou fazem acontecer – seja a base da economia, ou mesmo a economia em si.
O principal problema que Von Mises buscou responder, em sua obra, era o do valor. O problema do valor, ou o quanto custam as coisas de forma objetiva, tentou ser respondido por pensadores como Aristóteles, Tomás de Aquino, Marx, a própria Ayn Rand, posteriormente, e o austríaco aqui citado. O único que resolveu satisfatoriamente esse problema foi Mises, e é por isso que ele tido universalmente como o primeiro a refutar a contraciência econômica marxista com o anátema sobre o cálculo econômico no socialismo, que se resume a três sentenças:
I-Sem mercado, como no socialismo, não há formação de preços.
II-Sem formação de preços, não pode haver cálculo econômico.
III-Sem cálculo econômico, os valores dos bens são adulterados, e a economia não pode sustentar-se.
É por isso que a União Soviética apenas sustentou-se por quase todo o século XX baseando-se num imperialismo semi-escravista, quase num modo feudal de produção, onde a força de trabalho da classe proletária produzia bens sem valor determinado e que, portanto, relativizava todas as relações laborais e econômicas, fazendo com que gente pouco e muito qualificada vivesse na miséria; e a nomenklatura soviética, nos espólios da servidão coletiva bolchevique.
O maior e mais didático exemplo de praxeologia, no Brasil, é Eike Batista. Sem entrar no mérito da legalidade de seus investimentos, ele é a prova mais patente da história do universo de como a ação humana, per se, influencia o ambiente independentemente de valores pré-definidos por noções fantasiosas como valor objetivo ou mais-valia.
No auge de seu Império X, Eike Batista era unívoco no mercado. O nosso Midas brasileiro, por ser um posto gênio do empreendedorismo, tinha um poder de influência tão grande sobre o mercado que, literalmente, sua palavra era ouro.
Quando ele afirmava que algum ativo se valorizaria, o ativo se valorizava. A expectativa do mercado em torno das informações que ele soltava era tão grande que ele poderia vender cocô de gato a preço de paládio. Funciona da seguinte maneira:
1.Um ativo possui determinado valor, dado v. v muda conforme a especulação do mercado dentro de um padrão de normalidade.
2.Quando Eike afirmava que algum ativo era lucrativo, ou que daria retorno no curto prazo, a corrida financeira atrás desse investimento fazia, ipso facto, seu valor crescer tantas vezes (n), dentro da lógica de oferta e demanda, indo para nv.
3.Dessa forma, apenas a palavra de Eike fazia com que um investimento se valorizasse, mesmo que sem motivo nenhum aparente.
Foi assim que ele construiu sua rede empresarial. Com promessas, o até então maior empresário brasileiro conseguiu criar dinheiro do nada, embolsando a grana de muita gente em troca de espantalhos financeiros.
Não obstante esse ser um exemplo de fraude, o conceito de praxeologia segue-se a isso: o mero fato do desejo sobre uma ação, sem nenhum outro motivo – como as promessas em torno do pré-sal – valoriza-o do ponto de vista real, fazendo com que, no balcão de trocas da bolsa, ele se torne efetivamente mais caro e a gente que o tenha lucre com isso. Isso é a especulação financeira – e, diferentemente do que se pensa, não é sinônimo de fraude. Fraude é manipular o mercado, como fazia Robert Axelrod em Billions. Ganhar dinheiro com ativos que se valorizam em vista do ambiente de investimentos, não. O senso comum confunde esses dois conceitos.
Economia é um conceito abstrato, impossível de ser definido a não ser por exemplos de ação humana. Não se deve entender este conceito como a definição posta acima, mas sim, literalmente como qualquer coisa que o homem pode fazer, desde abrir uma empresa até ler este texto, que se realiza por meio do investimento em valor de oportunidade de cada coisa realizada.
Indistintamente, colocados os planos Collor e Real, seu sucesso relativo só foi possível porque eles atendiam a exatamente o que as pessoas precisavam, que era diversificação do mercado interno e aumento da paridade do poder de compra. O controle da inflação, muito simplificadamente, foi uma conseqüência disso.
Dentro do Caminho das Índias da prosperidade econômica, nossa expedição já passou do Cabo das Tormentas. O Oriente nunca esteve tão perto, mas ainda temos que contornar a outra metade do continente.
Uma andorinha só não faz primavera
Num dos cafés anônimos de cidade grande, onde comemos bolos e tomamos cafés unicamente ordinários, conversava eu com uma médica. Nós buscávamos entender, juntos, o porquê de existir maldade no mundo, entre um gole e outro. Se as pessoas nasciam naturalmente más ou se a sociedade as corrompia ou se elas corrompiam a si mesmas ou se os pais as corrompiam ou se era a vida a adulta a corruptora, não nos ativemos a isso. Não precisávamos recorrer a filosofias vivas de filósofos mortos e repetir como papagaios as fórmulas que a humanidade tomou para si como verdadeiras e inimputáveis.
A forma que a médica, na sua simplista honestidade, concordava com as minhas elocubrações teóricas, contestando-as apenas dentro de suas noções de racionalidade prática foi uma das coisas que me ajudou a pensar, justamente naquele momento, num verbete do Dicionário de Filosofia de Stanford, o Plato. O verbete, escrito por Steven Luper, filósofo de Harvard e epistemologista, tinha como entrada a Morte. Eu tinha tido contato com esse documento na busca por sentido desse evento implacável, após perder um paciente para neutropenia febril1 num estágio médico que realizei na Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba.
À parte da questão da morte em si como ostensivamente ilustrada na entry do dicionário, uma das seções traz um comparativismo acerca do bem-estar, em que o autor chamou de Infortúnio (misfortune). Nessa seção, ele descreve o valor de um evento E, o bem-estar se esse evento ocorrer WE e de não ocorrer W~E. Tomadas essas variáveis, fazendo força da lógica formal, que é a grande paixão de todo epidemiologista e eticista, ele busca entender o quão bem (ou mal) cada evento no mundo a ele causará e, para tanto, ele traz o exemplo de beber café, que tem um valor bom arbitrário, um valor mau arbitrário e que trará conseqüências limitadas a título de exemplo (apenas na hora seguinte ao ato de beber). Ele coloca pesos e medidas e conclui que beber o café é objetivamente positivo, ainda que em pequeno valor, de forma indutiva.
Intuitivamente, beber o café é objetivamente positivo. Acorda quem está com sono, permite às pessoas pararem o pouco o que estão fazendo, e diminui um pouco o grau de miséria do mundo, tendo conseqüências deletérias mínimas, no máximo uma epigastralgia.
Por meio de passagens que não cabem ser colocadas aqui, o autor calcula o valor de bem-estar em demais coisas, e traz para si um “quebra-cabeças epicurista”, no qual o tempo insere-se. Mutatis mutandis, e tomando apenas essa parte particular do artigo à luz de nosso microscópio, Luper descreve o valor de oportunidade, como definido na seção anterior deste texto: a ocorrência ou não de eventos dentro do nossa realidade temporal tem sempre um custo. Eu, por exemplo, estou abrindo mão de estudar para uma prova para ter isto escrito. Eu posso ir mal na prova, mas serei publicado e lido. Perde-se algo, ganha-se outro. Valor de oportunidade.
E quanto custa o valor de oportunidade? É aí que entra o interesse. Em inglês, o juro chama-se interest por isso. É o valor de oportunidade dentro de uma economia que seja baseada em dinheiro. Como o dinheiro compra o valor de oportunidade de estar sendo investido em algo ou em outra coisa, toda vez que ele está parado, ele deve render de alguma forma. É por isso que é natural – e até saudável – que os empréstimos tenham juros. Na ausência deles, não haveria empréstimo – o dinheiro poderia apenas ser investido em outra coisa.
É o interesse que move pessoas, países e civilizações. E é o interesse desenfreado que leva o homem a roubar, a sequestrar, a matar, a saquear, a pilhar e a guerrear. A violência é a exacerbação do interesse na ausência de alternativas pacíficas, que é a troca (através do dinheiro), e a diplomacia é a sua sublimação, para manter os conflitos, que sempre existirão pelos interesses conflitantes que existem e nos fazem humanos, dentro da resolução pacífica.
O Brasil encerrou mais um capítulo da sua história. E ele não começou com a posse de Jair Bolsonaro após 16 anos de governos do PT e aliases, mas com a facada que sofreu no dia 6 de setembro de 2018. Essa facada foi a ebulição da disputa político-econômica do país, que estamos a assistir com o Paulo Guedes indo brigar na CCJ pela reforma da previdência; desburocratização do país, luta anticorrupção e tolerância zero com a criminalidade vulgar. E esse capítulo encerrado não significa que esses problemas acabaram ou que vão acabar, mas que a mentalidade hoje é outra.
Como defendido diversas vezes pelo meu colega, mestre e amigo nesta Amálgama, Eduardo de Alencar, o Brasil está num ambiente de revolução; mas, nesse aspecto, ela já está acontecendo, e um eventual conflito com derramamento de sangue e fechamento de instituições seria apenas a exacerbação dela.
A revolução está acontecendo porque, pela primeira vez na história desde a redemocratização, há mais brasileiros querendo um trabalho produtivo do que um cargo público. Porque a mentalidade getulista, ou melhor, fascista, de tudo no Estado, está minguando. Porque a percepção da corrupção deixou de ser apenas hipocrisia, e as pessoas estão exigindo lisura das outras e delas mesmas, e quem não isso fizer, perecerá.
As políticas econômicas que o governo está tomando são a concretude disso. Mesmo para os menos céticos, a aprovação de uma reforma onde políticos e alto funcionalismo público percam os próprios privilégios, ao menos salariais, seria irreal num Brasil da década de 90, por exemplo. As pessoas ririam se lhes fosse dito que o Executivo iria meter goela abaixo de um legislativo bagaceiro e escroque algo dessas proporções. Que o Estado iria diminuir seu próprio tamanho.
Não estou aqui tecendo odes à reforma. Há gente muito mais gabaritada fazendo isso. Falaremos sobre algo que está sendo menos discutido, que são as políticas econômicas internacionais que esse governo tem tomado, e isso praticamente se condensa na aproximação econômica e diplomática com países de economia aberta e com a saída da OMC.
O Brasil não é um país de coitados, como o Haiti, o Sudão ou as ex-repúblicas soviéticas, em que o tecido social é friável e a malha econômica desmonta-se ao mero toque. O Brasil pode ter muitos pobres, muita gente na informalidade, moeda fraca e baixo IDH médio, mas nós temos uma das maiores empresas e indústrias do mundo instalada aqui, que é o agronegócio.
Ainda que com alguns subsídios, o agronegócio brasileiro é extremamente competitivo dentro e fora do país. Ele emprega direta e indiretamente dezenas de milhões de pessoas, com tecnologia de ponta, produtividade altíssima e margem de lucro gigantesca. Fala-se muito da bancada ruralista, mas é inegável que os ruralistas tenham poder social e político aqui dentro, porque uma parcela de dois dígitos do PIB é atribuída aos negócios deles.
O agronegócio é um modelo de como a atividade econômica pode ser no Brasil. Competitiva, aberta, tecnológica, empregando gente altamente qualificada e, o mais importante, com enorme demanda interna, que nós mesmos somos capazes de suprimir. Nosso café e nossas carnes são consumidas no mundo todo. Basta viajar para ver.
No entanto, o Brasil, recalcado pela mentalidade trabalhista de anti-economia proto-fascista, onde o Estado é incapaz de zelar pelo indivíduo, não lhe dando direitos fundamentais como saneamento básico e segurança, joga isso nas costas do empregador, cobrando-lhe impostos acachapantes e encargos trabalhistas incapacitantes. O holerite de cada funcionário neste país, em média, é metade do que ele custa para o empregador – o que significa que, em vez de contratar dois, ele contrata só um, aumentando a informalidade e desemprego, diminuindo a rotatividade econômica, o crescimento e a prosperidade.
Nesse caminho da servidão, onde apenas quem lucra é o ralo estatal, não há dúvidas do porquê defenderem mais Estado, mais encargos, desaproximação de uma economia competitiva de mercado e de países de orientação liberal-democrata, que são os nossos vizinhos da América do Norte. O que impera é a mentalidade protecionista, bairrista, suserana de produção onde o empreendedor é castigado por gerar riqueza.
O Brasil, através das urnas, inevitavelmente escolheu seu caminho. Mais da metade das pessoas estava infeliz com as políticas públicas e excesso de governo nas esferas da vida civil e econômica, e escolheram o primeiro homem que fosse capaz de se colocar contra esse establishment viciado e autocrata que era representado pelas esquerdas governistas e pelo centrão. E é inevitável que mudanças ocorram.
Se, nos anos de PT, nossa aproximação era com países de orientação próxima ao socialismo e ao trabalhismo – como víamos com Cuba, Venezuela e republiquetas ditatoriais africanas, sendo a China a exceção da regra porque ela é capitalista na economia e socialista no governo, algo que Lula tentou fazer aqui sem sucesso porque o Brasil não tem a capacidade produtiva nem populacional que a China possui –, nos anos de Bolsonaro, elas serão com economias liberais, competitivas e tecnológicas, como EUA e Israel. As razões pessoais de Bolsonaro podem ser ideológicas, com alguns ministros junto dele. As razões de Estado, não.
O atual interesse das pessoas é emprego e dinheiro no bolso – algo que elas perceberam que o estatismo estava falhando em prover. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura; e o brasileiro comum, não o intelectual de gabinete, percebeu que se ele continuasse sentado à espera do maná cair do céu de um avião do governo federal, ele morreria de fome.
Positivamente, a OMC não é em si uma organização espoliada; porém, dentro dela, o Brasil é tido como “país em desenvolvimento”, e é protegido por diversos mecanismos internacionais a ele imputados para que sua economia se mantenha estável e não quebre. A ideia é boa, mas o Brasil não é um país frágil como os africanos ou da Ásia de monções. Ele é um país rico, parrudo em reservas naturais e com uma capacidade produtiva igualável a de países desenvolvidos, se aqui tiver infraestrutura industrial, de transportes e financeira o suficiente.
A entrada na OCDE significaria, nesse sentido, que o Brasil deixa o status de país subdesenvolvido, um “café-com-leite” no cenário financeiro internacional, para se tornar um país que possa jogar bilateralmente com nações tradicionalmente mais ricas, com elas negociando em pé de igualdade, sem a necessidade de um irmão maior o protegendo. Isso pode ser doloroso para certos nichos internos, que sem a proteção, quebrarão, causando desemprego e piora nos índices produtivos, mas se eles eram artificialmente mantidos, é porque davam mais prejuízo do que retorno. A colocação do país num patamar de país aberto, o afluxo de capitais, a vinda de empresas estrangeiras e liberdade ao empresário nacional incipiente de empreender é o que gerará, no médio prazo, o sólido retorno produtivo e monetário que o país precisa, neste momento, para crescer.
Daqui algumas décadas, quando estivermos em bonança e tivermos outros problemas e encontrarmo-nos insatisfeitos, esquecendo-nos da terrível crise que nos assolou nos anos 2010s, poderemos eleger outro político demagogo que nos jogará em desgraça novamente fazendo lambança com a máquina e recursos públicos. Por enquanto, a meta é sairmos da lama e tentarmos ser gente grande, uma vez na vida.
Baixem as velas. O vento está soprando.
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NOTA
1. A neutropenia febril é uma síndrome imune e grave que ocorre por mielosupressão após uso de quimioterápicos, ou seja, quando a produção de glóbulos brancos, que protegem o organismo contra microorganismos causadores de doenças, fica a níveis perigosamente baixos. É uma doença de alta letalidade, mesmo que com tratamento adequado. É o grande vilão em oncologia em geral, especialmente na onco-hematologia, na qual quase todas as quimioterapias são dirigidas à medula óssea, onde essas células são produzidas.
Augusto Gaidukas
Estudante de medicina na PUC-Campinas. Possui formação em finanças pela mesma universidade.
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