“A criação foi um ato político”: O pai da Cosmogonia Assembleista desanca Darwin e Deus igualmente
por Diego Viana – O biólogo Dr. Patrick Wotsernaym publicou recentemente no mercado americano aquele que considera seu livro mais importante: O mundo não é perfeito, mas funciona (The world ain’t perfect, but it works), em que explica para o público geral em que consiste a Cosmogonia Assembleista. A teoria, desenvolvida ao longo dos últimos trinta anos nos laboratórios da Clueless University, Utah, EUA, ambiciona sepultar a disputa entre criacionistas e evolucionistas em torno da origem da vida e do ser humano. “É meu livro mais importante porque é a primeira vez que falo com o público geral. Vamos ver como vão reagir”, comenta o autor.
Os cientistas que defendem a corrente assembleista recuperam conceitos ligados ao politeísmo e os adaptam à consciência científica do século XXI. Cada vez mais lida e estudada na academia americana (recentemente, as importantes revistas National Review of Uncanny Science e American Journal of Outrageous Studies publicaram artigos assembleistas), a teoria defende que o mundo e a vida não foram criados nem pela onisciência de um Deus todo-poderoso, nem pelo acaso da seleção natural. Segundo o Assembleismo Cosmogônico, o fenômeno da vida é resultado das atividades de um congresso de entidades espirituais.
Wotsernaym, sempre bem-humorado, sarcástico e desenvolto, não mede palavras para criticar a briga em torno de Darwin e o Design Inteligente: “É uma farsa. Uns querem defender o Deus barbudo, outros querem defender o deus acaso. Desde quando isso é ciência?” A Cosmogonia Assembleista, explica, busca recuperar o fundamento científico a que o Design Inteligente renunciou quando se transformou “numa defesa cega de uma corrente religiosa, um monoteísmo acrítico”.
Em São Paulo para uma série de palestras sobre a Cosmogonia Assembleista (às vezes também referida como Assembleismo Cosmogônico), Wotsernaym concedeu esta entrevista, a seu pedido, num “típico bar brasileiro, daqueles com cadeira de alumínio”. O que mais lhe chamou a atenção no pé-sujo da Consolação em que a reportagem marcou a entrevista foi o copo americano da cerveja: “esse copo é chamado de americano? O que tem de americano nele? Bom, não importa: saúde!”.
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O sr. afirma que nem o darwinismo, nem o criacionismo são científicos… isso não é um pouco radical?
É só uma constatação. Em primeiro lugar, nossa teoria não é um ataque ao trabalho de Darwin, que é indiscutivelmente uma das melhores peças de ciência que o século XIX produziu. Darwin desenvolve seus estudos estatísticos sobre a adaptação das espécies de forma brilhante, mas o que os darwinistas de hoje não se lembram de dizer é que ele jamais se arriscou a explicar toda a vida só na base da seleção natural. O que fez com que, lá um belo dia, uma molécula comprida de carbono, hidrogênio e oxigênio começasse a se replicar? Como isso foi dar em células, quer dizer, como essa molécula se meteu no meio de bolhas de lipídios para se proteger e aprendeu a produzir novas bolhas dessas? Não tem evolução que explique esses processos que são ao mesmo tempo físicos e aparentemente muito mágicos. Em segundo lugar, nada exaspera mais um assembleista do que a apropriação que o Design Inteligente fez do termo criacionismo. Nós também acreditamos em criação. Por que não somos chamados criacionistas como eles? A principal diferença entre nós e eles é que eles acham que a ideia de um Deus todo-poderoso resolve todas as questões, e nós respondemos que isso não passa de um misticismo meio débil.
Mas vocês também falam em criação…
Sim, falamos. Mas cientificamente. A gente não toma por valor absoluto um livro escrito sabe lá por quem, dizendo que a vida foi feita tal como é em seis dias… Nós formulamos hipóteses e as verificamos. Como você provavelmente sabe, isso se chama método científico. Acho muito curiosos alguns argumentos do Design Inteligente. Já foram refutados por David Hume no século XVIII, quando Darwin não era nem nascido. Por exemplo: o argumento deísta, segundo o qual tudo no mundo tem uma causa, mas, se não houver um ser supremo que seja causa de si mesmo, o universo é uma regressão ao infinito. Mas isso é um conceito racional, o que significa que esse criador supremo poderia muito bem estar só na sua cabeça. Outro argumento, desta vez teísta, diz que um relógio tem sempre um relojoeiro, então os organismos vivos, bem mais complexos do que um relógio, deve ter um criador mais poderoso do que um relojoeiro. Ora, nada impede que o relógio tenha sido feito por uma companhia de relojoeiros, não tem nenhum motivo para acreditar na existência de um só grande relojoeiro do universo. O argumento é furado.
Então de onde vem a vida?
Lembre-se de que as evidências são pouquíssimas. Traduzindo, ou se faz um chute, como no caso do darwinismo, que amplia para todo o fenômeno da vida o que se verificou para a adaptação de uns pássaros numa ilha, ou se acredita na primeira charlatanice que aparece, como fazem os defensores do Design Inteligente, que não passam todos de uns prosélitos de algum bispo enlouquecido. Nós, da Cosmogonia Assembleista, escolhemos uma terceira via, mil vezes mais adequada ao espírito científico. O raciocínio indutivo está inacessível, porque, como eu disse, a evidência é escassa. O raciocínio dedutivo, idem, porque não temos de onde partir. Resta apenas uma via: o raciocínio analógico. A analogia é uma ferramenta muito poderosa, que nos ajuda a desvendar grandes mistérios a partir de coisas que já sabemos. Então, nossa analogia é a seguinte: o Design Inteligente afirma que um ser perfeito criou um mundo imperfeito. Mas por que razão esse mundo é imperfeito? Aí, é até engraçado… cada um dá a sua resposta. Leibniz diz que é para a realização máxima da glória divina e Deus seguiu esse cálculo na hora em que criou o mundo, que é o melhor mundo possível, uma vez calculada a maior glória divina. Descartes diz que a imperfeição do mundo é proporcional ao seu afastamento da perfeição de Deus… quer dizer, quem diria, Descartes era um neoplatônico… Enfim, nada disso é científico. Tudo chute. Tudo misticismo barato, ou, como vocês dizem, de botequim. Nossa analogia entende que o processo de criação deste mundo deve se parecer com algo que, no mundo como o conhecemos, dê resultados semelhantes. Mais ou menos como o argumento do relojoeiro, só que mais sério.
E a conclusão foi…
Qual é a lógica de pensar em uma só inteligência criadora? Por que imaginar só um Deus como ser supremo? As maiores civilizações que a humanidade já produziu eram todas politeístas. O monoteísmo é um retrocesso, na nossa opinião. Por que não dois deuses, como queriam os maniqueístas, ou cinco, dez, vinte, cem? Por que não supor uma correspondência estrita entre matéria e espírito, de tal maneira que, para cada partícula elementar, haja um espírito correspondente? Por que não supor uma grande república socialista dos espíritos, em que a cada um seja atribuído um quinhão de matéria? Imagine, os espíritos poderiam muito bem ser todos uns materialistas históricos, não poderiam? Com a diferença de que a história, para eles, é eterna. Mas estou divagando demais. O que quero dizer é que nada nos impede de considerar qualquer uma dessas coisas, enquanto estivermos pensando de maneira não científica. Mas agora, vamos tentar um retorno à ciência: no processo de criação humano, o que costuma dar resultados parecidos com a criação do mundo e da vida?
O quê? O quê?
Pense comigo… como é o mundo?
“Imperfeito, mas funciona”…
Exatamente, foi por isso que dei esse nome para meu livro. Há muita coisa no universo que é absolutamente acochambrada, uma bagunça de verdade. Mas, de um jeito ou de outro, elas acabam se encaixando e o resultado é uma coisa que funciona. Nem sempre muito bem, aliás. Tem muita crise. Muito problema. Vulcões, genocídios, buracos negros. Já viu coisa mais absurda que um buraco negro? Isso não é criação de um ser supremo, onisciente e infalível. Das duas, uma: ou é um tremendo erro de cálculo, coisa que uma entidade espiritual criativa poderia sempre corrigir, ou é fruto de algum acordo, alguma negociação. E as negociações, como você sabe, existem para encaixar interesses díspares…
Negociação? Interesses? Ainda estamos falando da criação do mundo?
Claro. A grande descoberta da analogia feita pela Cosmogonia Assembleista é que a criação, como resultado de um processo criador, se parece profundamente com o resultado de ações conjuntas, isto é, negociações. Em outras palavras, as entidades criativas, que você pode chamar de deuses, espíritos, o que quiser, se reuniram em assembleia para decidir como deveria ser feito o universo. Depois de muito deliberar, depois de muito lobby, muita negociata, muita concessão, o que resultou foi isso que estamos vendo aí. Uma realidade em que existe a lei da gravidade, muito bem, boa ideia, mas existe, ao mesmo tempo, o buraco negro. Onde existe Ella Fitzgerald, mas também existe Mariah Carey. E por aí vai. Embora não haja evidências concretas, pelo menos não no sentido em que fósseis são evidências concretas da evolução das espécies, a estatística leva a crer com um razoável nível de segurança que o mundo foi criado assim: através de uma assembleia de entidades criadoras.
Mas o método científico pressupõe provas…
Ninguém exige provas do darwinismo. Você pode afirmar que uma proteína começou a se multiplicar assim, do nada, “para se adaptar melhor” e ninguém vai pedir provas. Você pode afirmar, como quer o Design Inteligente, que a extinção dos dinossauros foi uma decisão soberana de um criador onipotente, e ninguém vai pedir provas. O economista diz que o indivíduo tem preferências racionais e transitivas, e todo mundo aceita, embora todas as provas digam o contrário. Em compensação, nós oferecemos o que ninguém mais oferece: alta probabilidade estatística. E tenho dito.
O sr. falou em extinção dos dinossauros… como vocês explicam isso?
Certamente foi uma mudança na relação de forças no interior da assembleia. Alguém muito poderoso discordava da maneira como as coisas eram feitas, e aí… A propósito, nada impede que, um dia, façam isso conosco. E aí, my friend, bye-bye humanidade!
Quais são as principais frentes de pesquisa da Cosmogonia Assembleista hoje em dia?
Na Inglaterra, temos os excelentes trabalhos do Dr. Pantsonfyre, da Crappersex University. Ele pesquisa o número provável de entidades que participam da assembleia cosmogônica, de acordo com o equilíbrio de correntes políticas necessário para resultar num contexto semelhante àquele que podemos observar no universo. Os números são inconclusivos, mas já dá para ter bem certeza de que não é um único Deus todo-poderoso e assim por diante. (risos) A criação foi um ato político, mas não teve nada de ditadura nisso! (mais risos) No máximo, manobras partidárias! (gargalhadas) Também li recentemente os trabalhos do professor Wahnsinn, de Heidelberg, na Alemanha. Ele analisa, pelos indícios do funcionamento da vida, a evolução da inclinação política no seio da assembleia cosmogônica. Creia-me, a criação está caminhando cada vez mais para uma social-democracia keynesiana, depois de um longo período de discordância entre radicalismos de direita e esquerda. Talvez seja resultado da entropia, naturalmente, mas o importante é que isso ajuda a explicar por que os invernos estão cada vez menos rigorosos.
Vocês têm sofrido reações negativas de grupos religiosos?
Eles têm lá a verdade deles, que os ajuda a viver com isso. Se nos deixarem fazer nossa ciência em paz, tudo bem. Vou começar a me preocupar de verdade quando lançarem uma bomba no laboratório da universidade. Não sei como são as coisas aqui no Brasil, mas, nos EUA, a questão das religiões não é fácil. Eles são donos de grandes redes de televisão, têm programas em que chutam e quebram símbolos de outros grupos, ameaçam e expulsam médicos que realizam abortos para salvar a vida de crianças, bloqueiam projetos públicos de conscientização contra doenças venéreas, enfim… É quase uma guerra. Vocês, brasileiros, são mais pacíficos nesses assuntos. Não creio que enfrentem violência religiosa. Lá, as reações negativas de grupos religiosos podem chegar a extremos terríveis. Se isso acontecer comigo, quem sabe eu não transfiro meu laboratório para Côu-pac-abéna?
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P.S.: Esta entrevista é evidentemente uma peça de ficção, mas confesso que eu me sinto exatamente assim quando leio algumas defesas do criacionismo…
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