Diálogo sobre a peste: Dr. House faz sua própria Lei
Em uma conversa quase informal, Vanessa Souza, jornalista, colaboradora do Amálgama, estudante do último ano de formação psicanalítica (com uma enorme queda por Lacan) e Fábio Roesler, psicólogo com orientação lacaniana, desejam provar que o personagem médico Gregory House está próximo da estrutura perversa.
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Fábio Roesler: House é um perverso porque tem um fetiche com o saber. Ele negou a Lei do Pai.
Vanessa Souza: Concordo, ele faz a sua própria Lei. O House coloca em atos o que os demais personagens, neuróticos, não tem coragem de fazer, pela sua carga de culpas. House não sente culpa, ele age de acordo com sua própria lógica.
FR: Explique melhor a carga de culpas. Os neuróticos não tem coragem, certo?
VS: No campo da perversão há uma característica importante: é mais problemática na medida em que o sintoma esbarra com a lei e a ordem pública, como observou o psicanalista e psiquiatra Luís Alberto Helsinger. O sintoma do House esbarra nos procedimentos do hospital.
FR: O fetiche do House fica explícito em sua relação de gozo com o diagnóstico. Note, ele goza com o saber diagnóstico, não com o tratar.
VS: Sim, porque me parece que, como os demais médicos, ele não liga muito se salva ou não o paciente. Ele precisa é saber qual a doença que o acomete.
FR: Você comentou algo importante, quando cita Helsinger, que é a própria estrutura da medicina, quer dizer, House não é um artista que pode se mover livremente e realizar qualquer movimento, ele deve se submeter à ordem médica, à hierarquia do hospital e aos limites que sua chefe (e amante) Cuddy impõe. Vanessa, você acha possível fazer um paralelo entre House e Sade?
VS: Bem, Sade fez tudo o que fez de acordo com sua própria lógica… Há um fragmento bom da Roudinesco, de O lado obscuro de nós mesmos, que explica um pouco: “Que faríamos se não pudéssemos apontar como bodes expiatórios — isto é, perversos — aqueles que aceitam traduzir em estranhas atitudes as tendências inconfessáveis que nos habitam e que recalcamos? Sejam sublimes quando se voltam para a arte, a criação ou a mística, sejam abjetos quando se entregam às suas pulsões assassinas, os perversos são uma parte de nós mesmos, uma parte de nossa humanidade, pois exibem o que não cessamos de dissimular: nossa própria negatividade, a parte obscura de nós mesmos”.
FR: Sade e House, os dois exploram o corpo humano.
VS: Penso que House é um bode expiatório, como Sade o foi.
FR: Sim, Sade goza com o gozo sexual e House com o gozo intelectual. Esta é a diferença. A semelhança é que os dois se utilizam de um corpo humano para gozar.
VS: Sim, concordo. Talvez fosse importante a gente explicar, para quem não é da área da psicanálise, que o gozo significa algo que vai além do prazer. Beber uma taça de vinho é prazer, embebedar-se é um gozo.
FR: Quando a equipe do House se curva aos mais excêntricos procedimentos médicos, mesmo sob protesto, eles na verdade o fazem porque os aprovam, mas não tem a audácia de assumi-lo.
VS: Esse é o ponto! O perverso põe em atos aquilo que o neurótico reprime. Onde o neurótico se angustia, o perverso triunfa. Tem uma outra citação do Helsinger que explica bem essa relação do House com o saber: “(…) na perversão como estrutura, diversamente da neurose e da psicose, há uma peculiar relação com o saber, ilustrado como ‘um saber positivo e negativo’, remetendo a um saber desafiado e desafiante, e com uma transformação e substituição de um fragmento de realidade muito específico (…)”. [p. 95, O tempo do gozo e da gozação]
FR: As duas frases que você colocou se completam e explicam bem a relação entre House e sua equipe, ou seja, quando eles se horrorizam ele se sente satisfeito, onde eles se angustiam ele se sente triunfante. Numa linguagem mais clara, o comportamento comum, banal, passível de ser conduzido por qualquer médico (o que é a mesma coisa que um médico qualquer) horroriza House e ele se recusa a fazê-lo, como, por exemplo, quando foge de seu trabalho ordinário na clínica geral. Ele faz um espelhamento, reflete nos pacientes a tortura que experimenta atendendo os “comuns” – só apara re-afirmar o paralelo com Sade, seria como forçar o Marquês a fazer um cotidiano “papai-e-mamãe”.
VS: Há outro ponto que eu quero enfocar. A questão do pai do House. O House recusou sua castração. Mas vamos explicar isso de forma mais simples. Quando o pai do House era vivo, ele fugia dos pais, lembra-se disso? Ele acreditou a vida toda que ele não fosse filho do seu próprio pai, e acabou coletando um pouco de pele, quando o pai estava no caixão, para fazer um teste de DNA. Outro ponto interessante é que todo perverso precisa de um amigo bem neurótico; House tem o Wilson. Você percebe o gozo que House sente em deixar o Wilson horrorizado?
FR: Sim, percebo, porque o Wilson é, nestes momentos, a função paterna que House tentou negar com o pai real. Tentou negar tanto o pai em vida, que, diante da notícia da morte dele, simplesmente agiu como se fosse um desconhecido. O curioso é que quando o pai morre, ele sofre daquilo que infligiu nos outros.
VS: Enquanto o neurótico desconfia, o perverso é aquele que sabe que faz e, mesmo assim, o faz. Mas que sofrimento é esse que estás dizendo?
FR: O excesso, o inesperado, o ato impensável de ser dopado por sua chefe e por Wilson para ser levado à força ao enterro do pai. Eu quis dizer sofrimento no sentido de “passar por” algo como objeto ao invés de sujeito.
VS: Acho que poderíamos ir para nossas divagações finais. J. D. Nasio afirma que entre o neurótico, o psicótico e o perverso, é o perverso que está mais falsamente próximo do gozo. O House raramente se queixa, como um neurótico. Um fetichista não se queixa tão facilmente, a resposta que dá à sua questão, ele fabrica e a coloca ao seu alcance. A questão do House está no campo do saber. Esse é seu fetiche, de fato. Eu paro por aqui. O que me dizes?
FR: Ele não se queixa, muito bem observado, não se queixa porque faz a sua própria Lei. O neurótico vive em um mundo de regras e tem que se submeter a elas, ser feliz, ser triste, gozar ou não gozar, de acordo com as regras e costumes. Já o perverso, ao fazer a sua própria Lei, tem uma área de atuação imensamente maior e pode se mover para fora de sua angústia trilhando vias alternativas. Como disse o Jacques-Alain Miller em Duas dimensões clínicas, Sintoma e Fantasma, “dali onde o neurótico foge o perverso se precipita”.
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