a Daniel Lopes – Laila Lalami nasceu no ano de 1968, em Rabat, Marrocos. Por meio de bolsas, estudou no Reino Unido e em 1992 foi para Los Angeles, onde conseguiu um Ph.D. em Linguística. Desde meados da década de 90, escreve ficção em inglês e também artigos e ensaios políticos e literários para veículos […]
a Daniel Lopes – Laila Lalami nasceu no ano de 1968, em Rabat, Marrocos. Por meio de bolsas, estudou no Reino Unido e em 1992 foi para Los Angeles, onde conseguiu um Ph.D. em Linguística. Desde meados da década de 90, escreve ficção em inglês e também artigos e ensaios políticos e literários para veículos como The Nation e Washington Post. Em 2005, lançou o livro de contos (com cara de romance, ou vice-versa) Hope and other dangerous pursuits, que saiu no Brasil dois anos depois com o título A esperança é uma travessia (Rocco). Recentemente, publicou Secret Son, que narra as aventuras de Youssef el-Mekki, jovem humilde e dedicado aos estudos que mora com a mãe em uma favela de Casablanca, maior cidade marroquina. Enquanto investiga o paradeiro do pai, Youssef e seus amigos entram em contato com grupos fundamentalistas islâmicos que agem nos rastros da miséria deixada por um processo de modernização a qualquer custo.
Em meio à turnê de lançamento de Secret Son, Laila (a respeito de quem ainda se ouvirá muito) conversou um pouco com o Amálgama, por e-mail.
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Amálgama – O Marrocos que vemos em Secret Son é um país em dilema, entre o tradicional e o moderno. Grupos religiosos de ação política tiram proveito da situação de penúria em que o povo é deixado pelo Estado, a mulher ainda ocupa um patamar não satisfatório na sociedade e, pela atmosfera que você criou em torno do Grand Hotel, conhecemos marroquinos que fazem de tudo para satisfazer aos turistas ocidentais e se adaptar aos padrões de comportamento do Ocidente. Onde você acha que esse dilema entre o tradicional e o moderno pode levar o Marrocos?
Laila Lalami – Acredito que esse dilema existe em muitos países, incluindo aquele em que vivo, os Estados Unidos. A tensão entre modernidade e tradição acabará por resolver a si mesma, seja através de mudança lenta e gradual ou por métodos mais rápidos, talvez mesmo violentos. Não sei se sou capaz de fazer um prognóstico, já que existem tantos fatores geopolíticos em jogo.
Foi fácil passar do conto para o romance?
Eu já havia escrito romances (que não foram publicados) antes de publicar Hope…, de forma que Secret Son foi apenas o retorno para uma forma que eu já conhecia e amara durante a maior parte da vida. O que me impressionou nesse novo romance foi que o processo de revisão foi diferente. Por exemplo, em Hope…, eu podia gerar uma estória e revisá-la, ou mesmo substituí-la por uma nova, sem com isso prejudicar o formato do livro como um todo. Mas em Secret Son, quaisquer mudanças em um capítulo inevitavelmente significariam mudanças em outras passagens do romance. Então, o processo de revisão foi muito mais trabalhoso.
Sua língua mãe é o árabe, sua língua literária primeiro foi o francês, mas seus dois livros foram escritos em inglês. Você se sente bastante à vontade em cada uma dessas línguas, ou, como outros autores em “diáspora”, se sente estrangeira em todas elas?
Eu cresci falando tanto o árabe marroquino e o francês, mas minha primeira exposição aos livros ocorreu através do francês, porque recebi uma educação semicolonial que priorizava mais o francês que o árabe. Por exemplo, a maioria dos livros didáticos disponíveis na minha cidade natal, nos anos 1970, era em francês. Então, quando eu era criança lia Tintin, Julio Verne, Alexandre Dumas. Quando comecei a escrever ficção, o fazia em francês. Embora pudesse ler e escrever em árabe bem o bastante, achava muito difícil escrever narrativas ficcionais em árabe.
Apenas quando entrei na adolescência é que fui exposta à obra de escritores marroquinos e árabes, como Leila Abouzeid, Mohammed Choukri, Naguib Mahfouz, Tayeb Salih. Comecei a estudar inglês aos 15 anos, no ensino secundário, e depois me formaria em inglês na faculdade. Quando me mudei para Los Angeles para a pós-graduação, decidi tentar escrever ficção em inglês, porque de alguma forma me sentia desconfortável escrevendo em francês. Acho que me sinto mais à vontade escrevendo em inglês, embora leia tanto em francês quanto em árabe.
Quais as dificuldades de escrever sobre uma realidade regional inicialmente para leitores estrangeiros?
Há o risco, claro, de ressaltar certos aspectos da cultura de uma forma que pode torná-la exótica. O principal desafio para mim é o mesmo de qualquer escritor: como criar personagens complexos e verdadeiros, e como fazer para contar a melhor estória que posso? Mas, porque eu escrevo em inglês sobre personagens que não falam inglês, tenho que me certificar de contar a estória da maneira mais natural possível, sem adicionar qualquer artifício que possa deixá-la mais exótica.
Em 2001, logo após os ataques de 11 de Setembro, você criou um blog, moorishgirl.com, em que traduzia contos de escritores árabes e do Norte da África, principalmente. Hoje a URL redireciona para sua página pessoal, mas eu gostaria de saber se você ficou satisfeita com a repercussão do blog, e quais dos escritores que você ajudou a divulgar, você poderia indicar neste instante para os leitores do Amálgama.
No blog eu cobri muitos escritores da África e do Oriente Médio, mas também da Índia, Estados Unidos e outras partes do mundo. Escrevia sobre qualquer tipo de ficção que estivesse lendo na época – que frequentemente era literatura mundial, ou literatura em tradução. Acabei abrigando o blog no meu site principal para tornar a navegação um pouco mais fácil, e continuo a atualizá-lo regularmente. Alguns escritores que eu recomendaria a seus leitores, não necessariamente nessa ordem, são J. M. Coetzee, Abdulrazak Gurnah, Alifa Rifaat, Gary Shteyngart e Marjane Satrapi.
::: A esperança é uma travessia ::: trad. Márcia do Amaral Prudencio :::
::: Rocco, 2007, 184 páginas ::: compre no Submarino :::
::: Secret Son ::: Algonquin Books, 2009, 291 páginas :::
Daniel Lopes
Editor da Amálgama.
[email protected]