Extremos, ou Te amarei até surtar

Fernando Dinizpor Vanessa Souza — Fernando Diniz (1918-1999), um mulato paupérrimo nascido no interior da Bahia, desejava cursar engenharia e casar com a bela Violeta. Violeta, moça de posses, casou com outro. Um desastre para Fernando – a luta no mundo real, tão difícil, perdia de súbito o sentido. Ele foi espatifado por dentro e, dilacerado, rompeu com suas relações com o mundo exterior. Essa cisão culminou na esquizofrenia.

“Que outra coisa é a esquizofrenia senão a incapacidade de produzir associações? Em um mundo de peças soltas, as imagens perdem coesão. Despedaçam-se, incoerentes – como num puzzle desprovido de imagem de fundo. Como montá-lo?”, pergunta-se o crítico literário José Castello, em um artigo intitulado “Os filhos de Lenz”.

Depois do pé na bunda, Fernando Diniz foi para um hospital psiquiátrico carioca, de onde jamais saiu. Lá ele produziu lindas obras, motivado pela psiquiatra Nise da Silveira – pioneira da arteterapia. Toda a falta de coesão de Diniz está exposta hoje no Museu de Imagens do Inconsciente (Rio de Janeiro). Mas não são a arteterapia, nem a Nise, as propostas desse escrito. O que me chamou a atenção na história de Fernando, e de tantos outros que passaram por aquele hospital, é o motivo que fez/faz com que se mergulhe nesse mundo de peças soltas: um grande e brutal rompimento amoroso.

Subitamente, lembro da crônica “Extremos da paixão”, do gaúcho Caio Fernando Abreu. No texto, ele se questiona como querer o outro pode tornar-se mais forte do que querer a si próprio: “No século XX não se ama. (…) Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um profundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-eu-sou-mais-eu”.

 

 

 

 

 

 
 
Obra de Fernando Diniz

 
Fernando e Caio Fernando me fizeram também lembrar de um livro que trata dos relacionamentos nos tempos atuais: Amor líquido, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Para Bauman, vivemos numa era cunhada (por ele) de modernidade líquida, um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e imprevisibilidade, o que a torna fatal para nossa capacidade de amar — “(…) relacionamentos são como vitamina C: em altas doses, provocam náusea e podem prejudicar a saúde”.

Andei pensando que, nessa “modernidade líquida”, ninguém mais enlouquece de amor. A fila anda, e anda rápido. Aqui não há processo de luto, já que um outro alguém irá prontamente ocupar o lugar do anterior objeto de desejo. Só é belo surtar de amor na literatura e no cinema. Embora existam essas obscuras fronteiras entre paixão e loucura, não há nada que um período de dor-profunda-lágrimas-e-reflexão não cure. Quer dizer, não cura não. Apenas desloca o incurável do centro das atenções. Como disse Freud – a última citação aqui! –, a memória é indissociável da questão do tempo e da indiferença.



  • http://blogrogerjones.blogspot.com Roger Jones

    muito bom, Vanessa.

    e… sabe ? eu não sei o que enlouquece mais.
    se a paixão ou a ausência de paixão.
    ou, pior ainda: a ausência da paixão e a ausência da ausência.
    o ponto onde nem mais peças há.
    a cabeça já quebrada.
    o coração inteiro e infeliz.

    acho que não existe no universo inteiro lugar mais solitário e incompreensível do que o ponto onde se localiza um coração partido, machucado, decepcionado.

    não é possível, jamais, compreender as atitudes deste coração que perdeu o sonho e foi envenenado pela mágoa e pela desilusão… pois tudo é dor quando não há colo para as palavras, quando não há alívio para os sentimentos quando o destino mais querido se perde na floresta dos esquecidos.

    o amor desiste, triste.
    o olhar caído suplica por esquecimento.
    não existe momento mais amargo.
    o afago almejado é um desejo impossível.
    e todos os medos imaginados se realizam.

    então… apareceram em casa… do nada…
    dois esquilos numa manhã sonolenta e ensolarada…
    e eu percebo eles um realismo sem fim… trágico e belo.
    pois só assim o amor se expressa no meu festim de delírios e desejos perdidos:

    numa esquizofrenia de beijos e esquilos.

  • Soila Freese

    Simplesmente maravilhoso. Não sem o que dizer… uma emoção a cada palavra…

  • Sue

    Vanessa, você falou pouco mas me disse tanto. Obrigada!!

    Sue

  • Fabi

    Vane, definitivamente você não é somente uma bonequinha de luxo, mas uma investigadora ou seria instigadora da psique humana?

  • Ricardo Valente

    Muito bom texto e pertinaz opinião da autora. Tb gostei das receitas do blogue. Beijo (fazia tempo…)

  • http://poemaefilosofia.blogspot.com Ricardo Valente

    os anteriores tb estão show.

  • Bosco Ferreira

    Quando estou apaixonado enlouqueço de uma loucura bôa, que não me trás medo. Sem medo da loucura me ponho em segundo plano, sofro com plena conciência, me despedaço mas sinto a vida. Quando estou só é como se estivesse preso ao nada, adoeço! É como se estivesse sem nenhuma defesa imunológica. Aí sim, sinto uma sensação de loucura que me atormenta e enche-me de medo. Entenderam? Eu não!

  • Barbara Brosch

    Oi Bosco, eu entendi, nada como sentir a vida e amar. Talvez hj. como citou a Vanessa sobre Baumam, um amor líquido senão amor fumaça q. se dissipa como se nada tivesse acontecido, e a fila anda…ai como anda… se despedaça quem empaca, quem empaca é burro…engole as lágrimas e o orgulho ferido e parte prá outra… morrer de amor??? Prá quê? Minha mãe morreu de amor e no dia seguinte … Bem…deixa…
    Sou assim de amar e amar apaixonadamente, acreditando em cada momento em cada mentira contada, só para ser feliz e depois…tchum! Acabou! Não dá nem prá saber o q. aconteceu, mas aconteceu e tá lá vc. c/ aquela cara de besta, aquele beiço, os olhos cheios de lágrimas, tropeçando pelo caminho…
    E dói… ai como dói… droga…é muito dolorido mesmo, pior é q. aquela dor não sai, não sai e não sai de jeito nenhum.
    Depois da dor em geral vem a revolta… aquele(a) imbecil, idiota, cretino(a), vagabundo(a), mentiroso(a), vai ver só… c eu ver na minha frente dou-lhe um soco na cara, corto-lhe o p… vai ver, vai ver… sou uma idiota mesmo! olha lá… como fui amr aquela ‘coisa horrorosa’, mau-educado, boca suja, safado, mulherengo, mão-de-vaca, porco(a) cretino(a), e por aí vai…
    Depois, bem depois, vem uma espécie de calmaria, vc. percebe de novo sua familia…oi gente… q. cheirinho bom de comida feita na hora… vc. começa a ver de novo tudo ‘normal’, seus pés pisam o chão outra vez, vc. aterrizou, sente o corpo meio formigando… as longas horas de choro convulsivo e depois as de xingamente te exauriram… vc. tá um caco… mas está vivo(a). Ufa! Ainda bem q. não pulei daquela janela, eu ís ser a rainha9rei0 dos trouxas se o tivesse feito… ah…mas Deus é Pai… brigada (o) Papis!
    Nada como sofrer de amor, conscientemente, inconscientemente, loucamente, obsessivamente… droga! Pq. a gente nunca aprende? Qdo. vê… ó… tá lá…amado de novo…ahhh… ele(a) é tão legal, tão lindo(a), tão sexy… c. tá vendo q. ñ. realmente nada disso…mas vc. quer q. seja tudo aquilo q. deseja q. seja… e acaba sendo… Entendeu?

  • Barbara Brosch

    Socorro! Ai… q. estou surtando… sabe…’aquela’ dor de amor? Q. droga, não passa. Acho q.vou mudar p/ a China, armarei minha tenda no centro da Pça. da Paz Celestial ou me mudarei p/ Passárgada, onde terei o homem q. sempre quis na hora em q. desejar. Pq. aqui em Sampa, ó… nadinha! Só Bauman explica. e olha que ele não é do RS-POA.

  • http://www.amalgama.blog.br Vanessa

    Barbara,

    Tem uma frase da Hilda Hilst que eu amo: “tu não te moves de ti”.

    Na China ou em Passárgada, a dor vai com você. Não adianta mesmo.

    A boa notícia é que haverá novas dores para tamponar as antigas, rss. Somos assim mesmo. Um bom queijo suiço cheio de furos.

    Acabo com uma citação do Caio F. Abreu para você: “Querida, vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada¨impulso vital¨. Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como ¨estou contente outra vez¨…

  • Barbara Brosch

    Oi Vanessa, vc. tem razão. Obrigada pela força!

  • mosca na sopa

    Estoicismo e loucura são características apreciáveis em um artista em risco, seja social, econômico ou cultural. Pq desperta o “sádico interior” do observador ocioso em busca do panis et circensis.

    Amor é libertação. Surto é frustração. Ao público é sempre desejável ver uma Amy se destruindo do que uma Jolie sorrindo.

    Passar por todo tipo de provação em vida, tal como miséria, frio, fome, escárnio, e por fim ter suas obras e vida vilipendiadas sob qualquer pretexto é desumano. Sim, é desumano assistir a agonia alheia!

    Tenhamos amor pelos artistas.
    Que nosso amor os libertem de seus sofrimentos, pois a arte nos liberta dos nossos.

    Vamos construir uma nova atitude diante da arte: Adotemos artistas em risco socioeconômico. Façamo-los autoconfiantes, conscientes de sua realidade, despertos de seus sentimentos.

    Adote um artista! Vivo!
    Pelo fim do sofrimento associado à arte.
    Arte e culpa é religioso, arte e dor é supersticiosidade e arte e pobreza é falta de incentivo à cultura.

    Será sempre preciso que o artista corte a orelha para ser ouvido?

  • Barbara Brosch

    É isso aí, Mosca! Eu sou uma artista em risco social e econômico, portanto apreciai meu estoicismo e minha loucura q. tanto despertou certo editor-revisor ocioso que estava à procura de pão e circo e encontrou tudo ‘isso’ em mim. (elementos q. o nobre César recomendava ao povão).
    Preferia ter sido o ‘pão-de-ló de Maria Antonieta, pelo menos é algo mais sofisticado…).
    O amor me libertou e o descaso a seguir me frustou profundamente, causando o referido ‘surto’.
    Óh! Grande público, olhai aqui diante de vós uma infeliz Amy e lembrai-vos da Jolie q. outrora e recentemente sorria como uma ‘imbecil’ o riso dos entorpecidos de ‘amor e desejo’. O barulho alegre do meu riso tapava-me a audição p/ a voz da ‘razão’.
    Sim…óh, sim… passei e passo por todas as provações e escárnio. Agora minhas obras estão p/ ser vilipendiadas por este editor-revisor q. se adona delas descaradamente e sem coração…quem? Quem? A não ser Deus o deterá de tal abominação…q.agora aprecia sua desumana ação p/ comigo, rindo da minha agonia.
    Sim…tenhamos todos amor pelos artistas, assim como eu pobre fazedora de versos e crônicas, não, não Mosca….vc. sonha e brada aos 4 ventos mas não serás ouvido, vê caro amigo…q. este ‘sujeito tb. é escritor, e fez ‘isso’ e continuará fazendo dentro de sua mentalidade suja e egoísta.
    Quem sabe este autor-editor-revisor ponha a mão na consciência, se é q. ele tem alguma… e entenda o q. é arte, e possa ser aceito no ról deles, pq. por enqto. é apenas um ‘plágio’ mal acabado.
    Adotem-me quem quiser, eu q. sou uma artista viva, ‘vivinha da silva’ e sem um tostão no bolso, bem …sem um cruzeiro no bolso…talvez…R$ 1,25. Alguém se habilita a colaborar? NÃO… Tá difícil ficar rico c/ poesias, hã…talvez minha tese faça mais sucesso…mas alguém tá afim de “Fé e Razão”…?
    Qdo. será o fim do sofrimento, assunto dos + recorrentes, deixa prá lá… temos a ‘obrigação’ de sermos felizes… admiremos ‘A Primavera’.
    Querido Mosca, hj. acho q. é preciso morrer p/ ser ouvido e, mesmo assim olha onde é q. vc. vai cair morto…para não atrapalhar a passagem de ninguém.
    bjo. p/ todos os artistas vivos e honestos.

  • Regina

    Vanessa adorei…. todas ….. principalmente “Extremos, eu te amarei até ……
    bjs

Widgetized Section

Go to Admin » appearance » Widgets » and move a widget into Advertise Widget Zone