O fim de Lost
por Maria Ivonilda *
(Como sabem, ontem foi o final da série de TV que começou há seis anos: Lost. Não acompanho desde o início, mas me rendi pouco tempo atrás. Fiz esse texto para expressar a ideia geral que tive a respeito do desfecho da história.)
O que é a luz? Uma metáfora para a fé e esperança.
Por que a alguém precisa “proteger” a luz? Para que a humanidade continue acreditando que há um propósito nisso tudo. A ilha parece ser não o purgatório, tampouco o inferno, mas o núcleo original de tudo isso, e um lugar que possui uma reserva dessa luz que está também nos homens, mas que eles parecem ignorar. Para tanto, há a necessidade de que essa luz seja preservada e não destruída. Uma espécie de reeleitura da “Caixa de Pandora”.
Jacob era um homem de fé, protegia algo que desconhecia, porque a fé só passa a ser fé quando não se conhece o objeto a priori, apenas se acredita nele. Não sei em que medida o Homem de Preto pode ser ou não a representação do mal (faria sentido se ele fosse uma entidade maligna na medida em que se comprova que a morada do diabo não é o inferno, mas alguma prisão cujo acesso só é permitido por portais, mas isso de fato não me interessa tanto.) Talvez ele seja e tenha sido apenas um elemento necessário que desafia a fé das pessoas, que as julga, que as faz colocar à prova o que de fato importa, seus valores, suas crenças, suas perspectivas de vida; um elemento necessário, em suma. Todos os outros que tiveram que entrar na ilha para desafiar essa fonte da vida existiram mais ou menos nesse sentido.
Por que eles vão juntos à ilha? Porque, primeiro: a regra parece ser um salto de fé, eles não podem simplesmente viver sem esse contato com os obstáculos, com as dificuldades. Tanto é que Jacob só se tornou o guardião quando se tornou mais velho, quando assumiu a responsabilidade para si. Segundo: parece que os candidatos sempre têm a escolha, o guardião só os escolhe, mas não pode dizer qual deles vai assumir essa responsabilidade para si, pois é como um sacrifício.
O interessante é que eu considero o final maior que aquilo que os próprios roteiristas fizeram, e aqui há uma leitura bem particular. Há uma teoria na Filosofia que talvez comece com Platão (e que também está presente no pensamento oriental) – que é representada também em forma de mitologia, pelo mito de Er etc. – que consiste no fato de que o conhecimento não se realiza apenas no viver, no sentido de existir na realidade empírica, mas significa também recordar, reconhecer (conhecer novamente) aquilo que você já sabe, isto é, conhecer verdades que já existem em nós. Resumidamente falando, isso se dá a partir de todo um processo no qual experenciamos as nossas vivências e depois lembramos delas (rememoramos) em determinado momento. É nesse sentido que muitas doutrinas religiosas se aproveitaram (como o empiritismo) dessa ideia, o que incomoda bastante os fãs de Lost.
Mas a teoria da reminiscência é interessante e bem maior que o reducionismo comumente aludido. Eu considero essa temática interessante no seguinte aspecto: a morte é, obviamente, o fechamento de um ciclo, de um processo orgânico (vivo), mas se fosse apenas isso, poderíamos nos declarar máquinas ou qualquer coisa que o valha. Eu prefiro acreditar que há algo mais, e não necessariamente relacionado à religião, mas ao conhecimento mesmo.
Há algo em nós que nos chama para o “um”, para o início disso tudo: são as formas. Um exemplo dessa forma é homem. E aqui remeto a um ponto em especial. Quando o Homem de Preto fala que a sua humanidade foi roubada, e as pessoas são contrárias a ele – no caso, Jacob e sua “mãe” -, é porque a sua concepção de humanidade está equivocada. Se ele concebe os humanos como somente aqueles que chegam, conquistam e destroem, isto é, são uma falha, é porque talvez ele ignore o fato de que há um sentido maior para além daquilo que é só “corpo”.
Muito bem, todo o percurso interessa, mas que espécie de conhecimento é esse que de algum modo não se encerra totalmente? O progresso a que Jacob se refere pode ser entendido como o fim do percurso dos losties (enquanto finitos) e isso de alguma maneira será compartilhado e, portanto, eternizado na medida em que algumas pessoas não morreram e poderão reproduzir o que viveram (enquanto outros representaram o sacrifício, pois o progresso não é gratuito, ocorre à custa de alguma coisa importante). Para falar de modo simples e mais específico – lembrando que Lost não fala de modo específico, por isso não terminou com a explicação da equipe Dharma e afins – , em relação à ciência, por exemplo, as ideias de Einstein não morreram com ele, foram englobadas por uma comunidade científica e, por sua vez, inseridas dentro de um contexto sócio-cultural. Para ser fiel à letra (teoria), há realmente o retorno às formas, aquilo que nunca mudará, mas também um aperfeiçoamento. É sempre bom ter cuidado com essa leitura, por isso gosto de entendê-la sob a perspectiva do conhecimento: analogicamente, há um acúmulo de saber por parte das pessoas e que será incorporado novamente à realidade, ou seja, devolvido a ela.
O que há de mais forte nessa teoria, ao meu ver, é a capacidade de o homem ter algo em sua mente (ou alma) que permita conhecer as coisas, isto é, são dotados de razão. Isso às vezes parece óbvio, mas é fundamental no seguinte aspecto: há algo em nós que se assemelha àquilo que conhecemos, e que de certa forma o molda, mas que ultrapassa nossa subjetividade, tornando o que vivemos, não fruto da nossa imaginação, fantasia, mas algo concreto, real. Donde podemos concluir que tudo o que os losties viveram foi verdadeiro, tudo existiu sim! E a prova de que foi real é justamente a capacidade de os homens reconhecerem, lembrarem, rememorarem o que foi vivido: por isso eles estavam juntos; não haveria prova se fosse uma consciência apenas. Um exemplo claro é quando Jacob simula o afogamento de Richard e pergunta a ele: “Você ainda acredita estar morto?”
*
Se alguém ainda acha que Lost deveria terminar com a solução dos números, com uma alusão à comunidade científica Dharma, com um episódio louco do “brotha” e uma possível explicação do eletromagnetismo e da “criação de outra realidade”, eu até compreendo. Também gostaria de um episódio todo “mastigado”, mesmo que isso deixasse de ser científico e se tornasse pura ficção, especulação.
Mas agora percebo o quão genial foi o final de Lost, quando os roteiristas resolvem terminar justamente com o fechamento do ciclo sob a perspectiva da mitologia: os personagens, as pessoas perdidas. Lost terminou com a resolução dos conflitos daqueles que aprendemos a amar ou odiar desde o primeiro momento da série, quando eles foram condenados a ficar presos naquela ilha e, portanto, aprender o que tinham que aprender, fazer as escolhas que tinham que se feitas. Sim, eles acabaram, Lost acabou, e agora podemos partir para outra. Achei o final honesto, Lost é uma série que teve um fim e por ser tão genial não pode se dar ao luxo de ter aquele caráter interminável de certos filmes ou séries que são escravos da indústria, da mídia de massa.
Faço menção especial ao personagem Jack: sempre acreditei nele. Afinal ele sempre anda com os losties, mas não é um deles. Jack é aquele que fez o sacrifício, e instruiu Hurley para fazer o que tinha de ser feito porque suas forças haviam se esgotado. Além disso, ainda se reconciliou com o pai.
Claro, há muitos elementos ainda a serem investigados, aquilo que constitui a ilha e também as figuras que conseguiram sair dela, como Walt, ou mesmo as que talvez nunca tenham entrado nela, como o vidente. Há ainda muitas imagens enigmáticas na minha cabeça, como aquela da Ilana acidentada, a execução do Mr. Eko, entre outras, que serão devidamente analisadas no momento certo, depois do impacto do final de Lost (faz sentido imaginar todos esses elementos que conferem um aspecto quase sobrenatural à ilha se ela for vista como esse núcleo originário e orgânico ao qual remeto, mas isso vou deixar para depois).
Por enquanto, só reproduzo os pensamentos que me vieram imediatamente com o final épico dessa jornada chamada LOST!
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