por Raphael Tsavkko Garcia
O Brasil recentemente foi condenado pela Comissão Interamericana de direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) – não confundir com a Corte Interamericana da mesma organização -, que solicitou ao país parar “imediatamente o processo de licenciamento e construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no Pará, citando o potencial prejuízo da construção da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu”.
(Aliás, é engraçado notar o duplipensar petista na questão da “condenação”. A OEA tomou a decisão de solicitar ao Brasil que pare uma obra. Chamam de condenação. Já quando se trata da condenação do Brasil contra o Irã no CDH/ONU, se recusam a chamar pelo mesmo nome.)
Reclamando não ter tido tido tempo para responder, o MRE retrucou à OEA afimando também que o “governo brasileiro considera as solicitações da CIDH precipitadas e injustificáveis”. Realmente, de novembro de 2010 (data do envio da reclamação por várias ONGs à OEA) até a decisão final, quase 2 anos depois, não houve mesmo tempo para preparar uma resposta, apenas para condenar o Irã e se aproximar dos EUA.
Houve, de fato, um problema com os prazos: o Brasil teve 28 dias para responder, quando o normal são 100 dias. Mas, da mesma forma, o processo correu por quase 2 anos e o Brasil passou 28 dias sem dar nenhuma resposta.
Ao invés de aceitar a decisão de um órgão multilateral em uma questão sobre direitos humanos, o Brasil preferiu virar as costas à OEA:
O governo brasileiro decidiu jogar duro com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos): deixará o órgão a partir de 2012 e suspendeu, por ordem presidente Dilma Rousseff, o repasse de verba à entidade previsto para este ano, de US$ 800 mil.
Trata-se da mais completa hipocrisia do governo brasileiro, que fala em Direitos Humanos, mas apenas se este valer para os outros.
— Influência estrangeira —
Após a decisão da OEA, começou um show de fanatismo e ignorância por parte de militantes petistas que não só desconhecem o funcionamento da OEA, como ainda começaram a adotar o discurso padrão de Aldo Rebelo e acusar qualquer opositor de Belo Monte de ser agente estrangeiro pago pela CIA ou por qualquer outra agência estrangeira.
É óbvio, e todos sabemos, que existem organizações e mesmo países interessados em colocar as mãos na Amazônia, mas daí a acreditar que qualquer oposição a Belo Monte ou às políticas do governo para a região são reflexo desses interesses, é ridículo. Teoria da conspiração barata que serve aos propósitos pseudo-desenvolvimentistas atuais do governo. E digo pseudo, pois vemos que não há o mesmo empenho em diversas outras áreas vitais, tampouco uma uniformidade de âmbito nacional.
— O falso discurso dos Direitos Humanos —
Por parte do governo brasileiro, a mais completa vergonha alheia e o desmascaramento da política dilmista de supostamente se pautar pelos direitos humanos (vide artigo sobre os primeiros dias do governo Dilma).
Dilma condenou o Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU, um órgão tão ou mais político que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, assumindo um discurso de que o Brasil iria começar a basear suas alianças no respeito aos direitos humanos.
Balela.
Logo após a confirmação de que esta política seria posta em marcha, Dilma recebeu Obama – o maior terrorista da terra – no Rio (visita que foi um show de horrores diplomático, resultando até na prisão arbitrária de manifestantes) sem maiores problemas e depois ainda fez uma visitinha à China, um país conhecido por respeitar os direitos humanos em geral, não?
Ah, mas são os interesses comerciais!
Este discurso de Dilma, de defesa dos Direitos Humanos, é conversa pra boi dormir. Como eu já disse antes em mais de um momento, parece mais que o Brasil tem interesse em se re-aproximar dos EUA e adotou este discurso para poder condenar o Irã livremente e voltar a cair nas graças do Império, pois logo após condenar o país persa o Brasil voltou ao seu desrespeito costumeiro aos DH tanto interna quanto externamente.
[…] Dilma resolveu adotar posição de militante dos DH, o que a coloca alinhada com os EUA. Alinhada pois casos sérios de abuso dos direitos humanos que chegam à ONU costumam se limitar aos do terceiro mundo, enquanto potências aliadas ou mais ou menos amigas dos EUA – vide China – jamais são constrangidas a tal ponto.
Isto significa basicamente um maior alinhamento com os EUA e um afastamento considerável do terceiro mundo, algo que foi a bandeira do governo Lula e um marco na nossa política externa.
Mas pior de tudo é aguentar certos fanatismos convenientes que buscam deslegitimar qualquer oposição.
— Multilateralismo em foco —
Há, em meio a todo discurso contra a decisão da OEA, uma quantidade absurda de fanatismo, mas mais ainda, de ignorância quanto ao funcionamento da organização e de sua Comissão.
A OEA não “se meteu” nos assuntos internos do Brasil – discurso engraçado, aliás, levando em conta que muita gente aplaudiu o Brasil, via ONU, se metendo nos assuntos do Irã, mas pimenta nos olhos dos outros é refresco, para usar um famoso clichê -, mas foi acionada por organizações da sociedade civil, dentre elas a Comissão Missionária Indigenista (CIMI), uma organização que nem o mais tresloucado “rebelista” pode considerar mancomunada com a CIA.
O Brasil, a partir do momento em que concorda com os princípios da organização e assina seus pactos, automaticamente se submete às suas decisões. Isto chama-se multilateralismo, exatamente o princípio pelo qual o Brasil diz se pautar internacionalmente. Condenar o Irã tudo bem, mas quando o problema é em casa a coisa complica, não?
Está tudo bem e dentro da legalidade a ONU aprovar intervenção militar na Líbia, ou mesmo a OEA decidir pela ilegalidade da Lei da Anistia, mas não pode decidir contra Belo Monte? Desde quando se escolhe que decisão multilateral iremos gostar ou desgostar?
“A OEA deveria se manifestar contra os 6.500MW de ger. a carvão que entraram nos EUA só em 2010.”
Divertido é encontrar discursos do tipo: “Porque a OEA não condena Guantánamo, ou as térmicas nos EUA”? Oras, porque ninguém solicitou à Comissão da OEA que examinasse essas questões! Mas, curiosamente, a Comissão expressou suas preocupações sobre Guantánamo recentemente.
A ONU não condenou Guantánamo, o Brasil vai se retirar da ONU também? Lembrando que por lá não é preciso nenhuma organização solicitar nada, caberia ao Brasil apenas reclamar da situação.
O Brasil, enfim, tem enorme prazer em desrespeitar a OEA (vide a falta completa de resposta à decisão da Corte Interamericana, órgão superior à comissão, sobre a Lei da Anistia), mas desta vez o caso é simplesmente absurdo!
A OEA não resolveu – a mando dos EUA – condenar o Brasil, apenas decidiu baseado em um pedido vindo de organizações brasileiras legítimas:
A decisão da CIDH é uma resposta à denúncia encaminhada em novembro de 2010 em nome de varias comunidades tradicionais da bacia do Xingu pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Prelazia do Xingu, Conselho Indígena Missionário (Cimi), Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Justiça Global e Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA).
Vale lembrar que o MST e o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) também se opõem a Belo Monte (assim como à Tranposição do São Francisco, mas este é outro assunto) e, até onde eu sei, não são organizações criminosas vendidas aos interesses dos porcos capitalistas yankees – engraçado esse discurso ter origem num amigo da Katia Abreu que recebe dinheiro de empresas 100% brasileiras como a Coca-Cola e o McDonalds, mas tudo bem.
— Desdobramentos —
O país se recusar a acatar a decisão da Comissão da OEA tem múltiplos desdobramentos.
Em primeiro lugar, enfraquece a instituição frente a outros países da região, mas vai além, enfraquece a posição do Brasil internacionalmente. Ao se opor a acatar sucessivamente tanto uma decisão da Corte (Anistia) quanto uma da Comissão (Belo Monte), o país se posiciona como um notório violador das leis internacionais, pois faz parte de organismos cujas regras desrespeita. O Brasil não se mostra melhor que o Irã que o país acabou de condenar e que se recusa a receber relatores de Direitos Humanos.
A posição do Brasil em outros órgãos, como a ONU, fica enfraquecida, pois como o país teria moral para garantir o cumprimento de decisões do organismo se se recusa a acatar decisões contrárias a si?
Como fica o discurso de defesa dos direitos humanos quando o país se recusa a acatar a decisão de um importante órgão do sistema interamericano de direitos humanos? A decisão final de se desligar da Comissão (que em nada afeta a relação com a OEA, com a qual a Comissão é ligada, mas formalmente independente) demonstra a hipocrisia do discurso brasileiro pós-Lula/Amorim.
Devido à hipocrisia geral que pauta as relações internacionais, e dada a re-aproximação do Brasil com os EUA, é possível que as consequências políticas não sejam sentidas muito fortemente enquanto este neo-direcionamento pró-EUA permanecer, mas para os aliados tradicionais brasileiros, como o Irã, as coisas podem se complicar, assim como a tentativa do Brasil (ao menos durante o governo Lula havia a intenção) de se colocar como negociador no conflito Israelo-Palestino.
O Brasil adota posição semelhante ao das potências que buscam impor suas agendas sem se preocupar em assumir os mesmos compromissos (algo como condenar um país por desrespeitar os direitos humanos e fazer igual ou pior interna ou externamente. Imaginem a China condenando um país por desrespeitar os DH, ou os EUA, do alto de sua indústria armamentista) e isto tende a prejudicar a posição brasileira frente às alianças que construiu durante oito anos de governo Lula, sob a batuta de Celso Amorim, com o terceiro mundo, com o hemisfério sul.
O Brasil, tentando (a)parecer como potência e líder, desvia do caminho de uma liderança alternativa, crítica aos tradicionais mandantes e os emula em seu pior, no discurso hipócrita dos direitos humanos em que eles unicamente condenam, mas jamais aceitam ser condenados.
Dilma, desde que assumiu, vem cometendo erros sobre erros em termos de política externa. Um fracasso retumbante.
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