por Taize Odelli
Então você decide ser escritor e resolve escrever contos. Mas antes de tudo, você precisa mesmo é ler contos. Contos como os que Miguel Sanches Neto escreveu para alguns cadernos, livros e outras publicações e estão reunidos em Então você quer ser escritor?. Histórias que trazem o homem, mulher e criança contemporâneas lidando com dilemas e questões da vida que, em uma hora ou outra, todos terão que enfrentar. Vidas inteiras são resumidas em histórias curtas, mas que preservam a profundidade que há em cada personagem.
Miguel Sanches Neto tem um pé em cada gênero da literatura, seja o thriller, o erótico, o drama e até uma ponta de fantástico aparecem em seus textos. Como em “Árvores submersas”, em que o protagonista Marlus embarca em uma viagem a uma cidade do interior do Paraná atrás de um poeta para organizar uma edição com seus melhores trabalhos. O autor passa ao leitor toda a sensação que envolve o recluso poeta, a escuridão na casa que habita, o ambiente de sua biblioteca e a atração que sente pela sua jovem mulher. Outros contos como esse parecem abandonar o enredo principal, mas para Sanches Neto o que interessa é a evolução da personagem, não o desfecho de alguma história.
Também há um pouco de terror psicológico em “Animal nojento”, que se passa durante o preparo da habitual lasanha de domingo. Lembranças da protagonista dos seus primeiros meses de casada se misturam a angústia e raiva que crescem aos poucos a cada vez que seu filho chora, tomando também o leitor, que espera por um final trágico à medida que o choro da criança penetra mais ainda na mente da mãe e de sua própria. De uma depressão pós-parto, o autor parte para a ingenuidade infantil ao lidar com a morte em “O tamanho do mundo”. Pelos olhos de um garoto tirado da aula pelo seu tio, o leitor acompanha todo o velório de seu pai que ele e sua irmã acreditam ser uma festa. Sem entender exatamente o que é a morte, ambos crêem que logo o pai retornará, tudo contado com a mesma simplicidade do protagonista.
Em poucas páginas, Miguel Sanches Neto consegue narrar vidas inteiras, como em “Seios de menino”, em que o protagonista nos mostra seus dias de universitário e a relação com seu professor, indo até suas lembranças de infância com o retorno à cidadezinha onde vivia. Reencontros ilustram vários dos contos, expondo histórias que até então ficavam escondidas pelo tempo. Em “Não comerás carne”, dois irmãos se reencontram depois de anos de separação e voltam a lembrar do pai opressor e da mãe que sofria. E um livro de contos eróticos faz um escritor que ministrava oficinas literárias lembrar de alunos com talentos duvidosos em “Então você quer ser escritor?”. O encontro de um homem com o antigo diário de um voluntário na Guerra do Paraguai revela o desejo não conquistado de ser heroi em “Duas palavras”. Todos os contos revelam algum detalhe a mais sobre as personagens e a condição humana, principalmente de expectativas não alcançadas na vida.
Então você quer ser escritor? proporciona uma leitura que vai além do prazer da boa escrita, fruto da escolha de palavras certeiras que juntas vão além de seus simples significados. Miguel Sanches Neto revela temas que vão do usual ao confronto com o desconhecido que revelam muito mais sobre suas personagens do que romances com mais páginas conseguiriam fazer.
::: Então você quer ser escritor? ::: Miguel Sanches Neto ::: Record, 2011, 224 páginas :::
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COMENTÁRIOS
Taize, confesso que como crítico, o Miguel não me convenceu. Mas diante uma resenha como essa que você escreveu, me deu vontade de dar outra chance ao autor lendo esses contos.
Abraço.