A coletânea de textos do jornalista e ativista israelense, publicados originalmente entre 2007 e 2011, permite ao leitor brasileiro conhecer por dentro a situação israelo-palestina.
A editora Civilização Brasileira acaba de lançar o volume Outro Israel, com textos do jornalista e ex-deputado israelense Uri Avnery, que lutou na guerra de 1948 e desde o fim dela atuou como um importante ativista pela paz. Uma atividade bastante ingrata no Estado judeu, se pensarmos que aquele estado de guerra no qual foi fundado permanece até hoje, e não dá mostras de arrefecer. Avnery foi um dos fundadores do “bloco pela paz”, tendo sido eleito 4 vezes deputado para o Knesset, posicionando-se no espectro político como esquerda laica (um pleonasmo, diria o leitor, mas é preciso lembrar que há em Israel uma importante parcela da esquerda que é sionista).
Abrindo um parêntese sobre esta questão da contradição em termos que é ser de esquerda e sionista, vale a pena ver o trabalho de Shlomo Sand, A invenção do povo judeu, sobre o qual escrevi aqui para o Amálgama. Sand desconstruiu os argumentos do sionismo, e mostra o quanto eles são dependentes de uma severa distorção da vida universitária em Israel, uma questão que complementa o enfoque de Avnery, mais atento às questões políticas que entravam as negociações de paz com os palestinos.
Para Avnery, o centro da questão é a maneira como o Estado judeu se insere na realidade sociocultural do Oriente Médio: um enclave ocidental na região, ao invés de buscar compreender e se afirmar na realidade local. Ou seja, o grande fracasso de Israel em estabelecer uma convivência pacífica com os palestinos, para Avnery, é decorrente de uma incapacidade em compreender os árabes, em estar disposto a negociar com eles, a entender seus valores e sua cultura.
Neste sentido, a política Israelense e a política norte-americana são intimamente interligadas e complementares. Assim, é possível encontrar no livro críticas muito duras à inépcia de Ehud Barak, ou Ehud Olmert, à falta de ousadia de Menachen Begin, Ytzak Rabin ou Shimon Peres em tempos passados. Mas também sobram críticas ácidas ao papel de George Bush. Barak Obama é primeiro visto como uma possibilidade de mudança, ao apresentar novas posturas, mas depois passa a ser visto como alguém que abandona suas posturas mais dinâmicas para ouvir os conselhos de lobistas interessados no status quo sionista. Entretanto, a melhor imagem que Avnery aponta é a de Obama “entregando a chave do carro ao motorista bêbado”, numa referência ao apoio à política inconsequente de Netanyahu.
Apesar de ser um livro de textos jornalísticos, comentando os dramas do momento (especialmente os crimes de guerra cometidos sistematicamente contra a população de Gaza e a opressão praticada contra os árabes de Jerusalém e de outras regiões), Avnery está constantemente resgatando questões históricas que implicam diretamente na situação atual. Através de seu discurso vemos constantemente voltar à baila as muitas oportunidades que se apresentaram aos líderes israelenses para a construção da paz.
O primeiro deles teria sido no fim da guerra de 1948, quando Avnery passou a defender que o Estado de Israel, já tendo conseguido defender sua implantação, passasse a construir uma convivência com os árabes palestinos, organizando a volta dos refugiados da guerra (que, pasmem, estão até hoje nos países vizinhos em situação precária) e estabelecendo o Estado Palestino como determinava a resolução da ONU. Ao não fazer isso, a situação foi ficando cada vez mais complicada, e os israelenses acostumaram-se a conviver em permanente estado de Guerra, que só amenizou quando, após a Guerra do Yon Kipur, Begin e Sadat assinaram o acordo de paz entre Israel e Egito, que incluiu a devolução da península desértica do Sinai.
Entretanto, a incapacidade de articular algo parecido com a Síria (devolvendo as colinas de Golã), ou a completa recusa em parar a política de assentamentos (em última instância, a guerra serve mesmo a uma especulação imobiliária que rende bilhões, e ninguém sabe qual parcela disso alimenta os bolsos dos políticos via corrupção) e estabelecer legalmente as fronteiras com o Estado palestino.
Como militante, Avnery fez muito mais do que escrever textos e atuar no parlamento. Fez parte das manifestações pacifistas que denunciaram a violência que foi o muro de Bil’in, que acabou tendo sua localização revertida pela justiça israelense (que na maioria dos casos segue sendo conivente com os abusos e violações perpetradas pelos militares e colonos). Era um dos poucos israelenses dispostos a atravessar as fronteiras e conhecer in loco o lado palestino, tendo sido um importante interlocutor de Yasser Arafat nos tempos em que isso era simplesmente proibido em Israel.
As diversas denúncias de Avnery apontam sempre para a ineficácia dos métodos atuais de segurança adotados por Israel, da qual o principal sintoma é o cerco aplicado a Gaza nos anos recentes, desde que o Hamas ganhou as eleições. A lógica israelense tem sido pressionar e oprimir os palestinos, julgando que assim eles podem parar de lançar mísseis. Ou as “eliminações” de “líderes terroristas”, que costumam ser apresentadas como vitórias da inteligência israelense, mas que Avnery demonstra darem resultado completamente inverso – fortalecem a posição dos inimigos mais radicais de Israel (foi assim com o Hamas em Gaza, foi assim com o Hezbolah no Líbano).
Para resumir em poucas palavras: não existe futuro para Israel sem paz. E não existe paz sem o reconhecimento do Estado palestino com fronteiras definidas (as de 1967). A questão chegou ao seu limite e precisa de solução rápida – tanto pelo declínio, lento mais inexorável, da proeminência geopolítica dos EUA (o apoio que garante a arrogância belicosa dos governos israelenses), como pela demografia que aponta para uma inferioridade numérica em relação aos árabes antes do fim da década.
O livro é absolutamente indispensável para quem quer aprofundar um pouco sua visão da política do Oriente Médio, um lugar que é fundamental para pensar o futuro de um mundo onde a Ásia assume cada vez mais proeminência.
Minha única queixa é que a edição organizou os textos ao contrário: os mais recentes primeiro, caminhando para os mais antigos depois. Coisa que não faz nenhum sentido, e que me levou a ler o livro de trás para frente, com muito maior proveito. Suspeito que a ideia tenha sido uma referência ao texto em hebraico, que se escreve da direita para a esquerda. Presumo seja a língua original dos escritos de Avnery, apesar de a edição ser traduzida de um livro em inglês.
::: Outro Israel ::: Uri Avnery (trad. Caia Fittipaldi) :::
::: Civilização Brasileira, 2012, 336 páginas :::
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ydel
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Ricardo
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