O movimento social organizado será o maior perdedor em 2014
Mais do que pesquisas e tendências mercadológicas, uma eleição é marcada pelo espírito de seu debate político. Por exemplo, em 2002, havia um consenso generalizado de que era necessário distribuir renda e estabelecer políticas para melhorar a vida dos mais pobres. Foi surfando essa onda que Lula se elegeu, mas qualquer candidato naquele momento precisaria, em maior ou menor grau, assumir-se um defensor dos mais pobres. Não à toa, Serra, o candidato da situação, fazia questão de se afirmar como “o filho do fruteiro”.
Em 2014, a opinião pública endireitou-se. O consenso do debate público está na defesa da estabilidade econômica e na melhor interlocução com o empresariado. No último sábado, André Singer identificou no primeiro de maio uma clivagem entre Dilma, que se posicionaria a favor dos mais pobres, e Aécio e Campos, defensores do discurso pró-mercado. Mas a quais pobres André Singer se refere?
Com certeza não é o movimento social organizado. Nunca desde 2002 estes estiveram em posição tão desconfortável no cenário político. Do ponto de vista da situação, a articulação estabelecida nos dois mandatos do governo Lula, que fez do Estado um mediador de conflitos sociais, se perdeu durante o governo Dilma. Do ponto de vista dos candidatos de oposição, os movimentos sociais não aparecem nem de longe como intelocutores privilegiados.
Fala-se muito em ouvir a voz das ruas, em referência às manifestações de junho. Mas essa voz aparece de forma desorganizada e amorfa, mesmo no discurso de uma Marina Silva. Ignora-se deliberadamente que junho teve uma cara, e esta foi a do Movimento Passe Livre, goste-se ou não dele. Ou seja, ouve a voz amorfa de uma insatisfação difusa, mas não suas faces organizadas na forma do MST, MTST, MPL e outros movimentos sociais.
Pelo contrário, chama a atenção a facilidade com que se atrela a radicalização dos movimentos sociais, que vem se dando pela base, com um suposta estratégia do PT. Quando os sem-teto se manifestaram em São Paulo pela inclusão de suas reivindicações no Plano Diretor, não houve sequer vergonha de se atribuir esta ação a uma orientação do prefeito Haddad, discurso adotado, por exemplo, pelo vereador Gilberto Natalini, do PSDB. Natalini estava fazendo política, tem o direito de falar o que quiser. Espanta que ninguém questione.
Na verdade, a radicalização recente dos movimentos sociais reflete justamente o seu abandono. A ausência de um mediador, como Lula havia se posicionado, dificulta a posição do movimento social de articular saídas institucionais. Por outro lado, a crise econômica limita a capacidade de se fazer concessões, elevando a pressão da base sobre as direções do movimento. De acordo com o Dieese, de 2008 a 2013 mais de 75% dos trabalhadores conseguiram reajustes salariais acima da inflação. Este cenário agora enfrenta dificuldades, com a estagnação econômica. Já em 2013 o Dieese apontava que o percentual de reajustes abaixo da inflação era o maior do período.
Desde já, o movimento social organizado precisará desenvolver novas formas de se articular para recuperar o espaço perdido. Se o espaço eleitoral está perdido, talvez seja a oportunidade de uma atuação mais independente, buscando novas formas de se articular e influenciar o debate público.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
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