De perto, os pólos que se odeiam são mais próximos do que parecem.
Está nos cinemas o documentário A Viagem de Yoani, que fala da vinda da blogueira cubana ao Brasil e sua recepção por estas terras. Mais do que um filme sobre Cuba, seus diretores apresentam um filme sobre o Brasil e sua polarização política surda e estúpida. Deveria ser usado para terapia de militância.
Converse com qualquer esquerdista. Muito provavelmente ele está incomodado com os rumos do PT, na corrupção e na política econômica. Se houvesse uma opção que ele considerasse viável, teria aderido. Mas ele teme pelos setores da oposição e o que considera uma escolha pelo militarismo e pelo elitismo.
Converse com qualquer oposicionista. Muito provavelmente ele está incomodado com o oportunismo do PSDB e os malucos que defendem o golpe militar. Quer uma opção, mas o que a rua oferece parece ser um misto de bravata e oportunismo. Contudo, ele teme pelo que considera um aparelhamento do Estado por grupos autoritários de esquerda.
O esquerdista acima vê no oposicionista o espectro de seus medos. O mesmo acontece com o oposicionista. Eles mal se conhecem. Se se falassem, descobririam muitos pontos em comum: compromisso com a democracia, com o direito das minorias e o empoderamento dos mais pobres pela educação. O esquerdista quererá mais Estado, o oposicionista mais mercado. Mas isso será talvez um detalhe. No geral, estão mais próximos do que parecem.
Então por que se odeiam? Acredito que há duas razões, uma de ordem psicológica e outra estratégica. Psicologicamente, um não odeia o outro, mas sim odeiam uma figura construída historicamente. O esquerdista vê em seu opositor um Pinochet, o oposicionista um Stalin. E não se pode ser amigo de gente como Pinochet ou Stalin. O desconhecimento mútuo piora a situação, pois se se falassem saberiam que o oposicionista é mais um Churchill que um Pinochet, e o esquerdista está mais para Mitterrand que Stalin.
Entretanto, e aí entra a que considero segunda razão, este ódio é alimentado de propósito por grupos políticos. Interessa aos setores mais obscuros do PT que seus simpatizantes tenham medo dos que se opõe ao governo nas ruas. E também interessa aos grupos mais hidrófobos da direita que os seus desconfiem da esquerda. Coxinha. Petralha. Não há tanta diferença estratégica entre Greenhalgh e Bolsonaro afinal.
Quando o debate político é interditado pelo ódio, quem perde é a democracia. Quem perde somos nós, eu e você. Quem ganha são os oportunistas de sempre.
P.S.: acusar o autor deste texto de coxinha ou petralha apenas dará razão aos argumentos apresentados. Se você pensou em fazer isso, não faça papel de idiota.
Paulo Roberto Silva
Jornalista e empreendedor. Mestre em Integração da América Latina pela USP.
[email protected]