O bloqueio criativo do protagonista do romance de Luciana Pessanha permanece até o dia em que encontra os diários de uma amiga e decide utilizá-los como base para sua ficção.
A pergunta do título parece ser machista ou feminista demais, a depender de quem a lê. Afinal, um homem não pode escrever histórias de amor? e, se pode, que espécie de homem seria ele? um homem sensível? um homem amoroso? um homem heterossexual sensível e amoroso, ou um homem homossexual e, também, sensível e amoroso? Estamos falando de uma história de amor de que tipo, ainda? Ora, sabemos lendo o livro – da mais comum: de um homem para uma mulher, ou mulheres. Uma história de amor platônica, outra, carnal.
É de ser levado em conta tudo isso quando nos debruçamos inicialmente na obra de Luciana Pessanha, Que tipo de homem escreve uma história de amor?, pois nada é revelado, assim, de cara, logo nas primeiras páginas do volume. Discutindo sobre o ofício de escrever, a autora arquiteta pistas errôneas, escondidas em diálogos com o leitor, entrecruzando poesia, ficção e biografia, e mais: elenca peças que vão se encaixando num debate de arte e literatura, talento e vocação, fantasia e realidade, o amor verdadeiro e o suposto. Tudo isso com um humor inesperado e causticante que lembra bastante o da Claudia Tajes, mas bem mais profundo e menos tendencioso a ser uma comédia pastelão.
A história versa sobre Daniel, um jornalista razoavelmente bem-sucedido, que é demitido por justa causa quando perde a compostura, ao vivo, no jornal da tevê em que trabalha, ao noticiar a ida do São Paulo para a final interclubes no Japão – o que, para o personagem, não é concebível a um flamenguista doente. Demitido e sem trabalho à vista, com algumas economias Daniel se muda para o apartamento de uma amiga, Ana, que sumiu no mundo no afã de viver intensamente. No local ele tenta escrever um livro, sem muito sucesso, alegando o famoso bloqueio criativo. O bloqueio permanece até o dia em que encontra os diários de Ana e decide utilizá-los como base para sua ficção.
Envolvido com Verônica, uma chef de cozinha passional, que antes de declarava advogada e procurava, como ele, relacionamentos pela internet, Daniel oscila entre uma relação puramente carnal e seu amor platônico pela amiga cuja intimidade vai desvendando na leitura dos diários. Assim, entre facas, piercings e brigas, uma contando com o Radiohead como trilha sonora, Daniel constrói com delicadeza um amor inventado, em meio aos conflitos de uma vida em que o final feliz de uma relação amorosa não cabe nem em uma boa ficção.
O livro de Pessanha foi elaborado numa bela edição, com uma capa lembrando da efemeridade da vida – do amor?, do sexo? – diante do tempo, mas podia ser bem mais curto (tem 253 páginas). Cansa ficar passando por narrativa, diálogos entre Daniel e Ana por telefone (na maioria das vezes) e poemas. Os diálogos e poemas até que possuem questionamentos filosóficos que suspendem a leitura para se pensar sobre eles, mas, mesmo assim, pecam os primeiros por não serem construídos de forma totalmente informal, do que a autora, por ser roteirista, poderia aplicar sem receio algum – é pesaroso ficar perpassando os olhos em “pras” e “paras”, por exemplo, sem qualquer critério revisional atinente ao contexto em que estão inseridos.
Fora isso, ao questionar que tipo de homem escreve uma história de amor, dá a resposta que ele é o mais trivial dos homens, desde a utilização do bermudão para ficar à vontade ao escrever seu livro, o time para o qual joga descompromissado seu futebol, a cerveja que bebe depois, e a necessidade de se envolver sem sentimento com alguma mulher – e ter que aturar seu apaixonamento. Ao perguntar sobre qual homem escreve uma história amorosa, a autora indica que ele é o mais comum dos homens, com todos os estereótipos possíveis já vistos.