O mais trivial dos homens

O bloqueio criativo do protagonista do romance de Luciana Pessanha permanece até o dia em que encontra os diários de uma amiga e decide utilizá-los como base para sua ficção.


"Que tipo de homem escreve uma história de amor?", de Luciana Pessanha (Rocco, 2015, 256 páginas)

“Que tipo de homem escreve uma história de amor?”, de Luciana Pessanha (Rocco, 2015, 256 páginas)

A pergunta do título parece ser machista ou feminista demais, a depender de quem a lê. Afinal, um homem não pode escrever histórias de amor? e, se pode, que espécie de homem seria ele? um homem sensível? um homem amoroso? um homem heterossexual sensível e amoroso, ou um homem homossexual e, também, sensível e amoroso? Estamos falando de uma história de amor de que tipo, ainda? Ora, sabemos lendo o livro – da mais comum: de um homem para uma mulher, ou mulheres. Uma história de amor platônica, outra, carnal.

É de ser levado em conta tudo isso quando nos debruçamos inicialmente na obra de Luciana Pessanha, Que tipo de homem escreve uma história de amor?, pois nada é revelado, assim, de cara, logo nas primeiras páginas do volume. Discutindo sobre o ofício de escrever, a autora arquiteta pistas errôneas, escondidas em diálogos com o leitor, entrecruzando poesia, ficção e biografia, e mais: elenca peças que vão se encaixando num debate de arte e literatura, talento e vocação, fantasia e realidade, o amor verdadeiro e o suposto. Tudo isso com um humor inesperado e causticante que lembra bastante o da Claudia Tajes, mas bem mais profundo e menos tendencioso a ser uma comédia pastelão.

A história versa sobre Daniel, um jornalista razoavelmente bem-sucedido, que é demitido por justa causa quando perde a compostura, ao vivo, no jornal da tevê em que trabalha, ao noticiar a ida do São Paulo para a final interclubes no Japão – o que, para o personagem, não é concebível a um flamenguista doente. Demitido e sem trabalho à vista, com algumas economias Daniel se muda para o apartamento de uma amiga, Ana, que sumiu no mundo no afã de viver intensamente. No local ele tenta escrever um livro, sem muito sucesso, alegando o famoso bloqueio criativo. O bloqueio permanece até o dia em que encontra os diários de Ana e decide utilizá-los como base para sua ficção.

Envolvido com Verônica, uma chef de cozinha passional, que antes de declarava advogada e procurava, como ele, relacionamentos pela internet, Daniel oscila entre uma relação puramente carnal e seu amor platônico pela amiga cuja intimidade vai desvendando na leitura dos diários. Assim, entre facas, piercings e brigas, uma contando com o Radiohead como trilha sonora, Daniel constrói com delicadeza um amor inventado, em meio aos conflitos de uma vida em que o final feliz de uma relação amorosa não cabe nem em uma boa ficção.

O livro de Pessanha foi elaborado numa bela edição, com uma capa lembrando da efemeridade da vida – do amor?, do sexo? – diante do tempo, mas podia ser bem mais curto (tem 253 páginas). Cansa ficar passando por narrativa, diálogos entre Daniel e Ana por telefone (na maioria das vezes) e poemas. Os diálogos e poemas até que possuem questionamentos filosóficos que suspendem a leitura para se pensar sobre eles, mas, mesmo assim, pecam os primeiros por não serem construídos de forma totalmente informal, do que a autora, por ser roteirista, poderia aplicar sem receio algum – é pesaroso ficar perpassando os olhos em “pras” e “paras”, por exemplo, sem qualquer critério revisional atinente ao contexto em que estão inseridos.

Fora isso, ao questionar que tipo de homem escreve uma história de amor, dá a resposta que ele é o mais trivial dos homens, desde a utilização do bermudão para ficar à vontade ao escrever seu livro, o time para o qual joga descompromissado seu futebol, a cerveja que bebe depois, e a necessidade de se envolver sem sentimento com alguma mulher – e ter que aturar seu apaixonamento. Ao perguntar sobre qual homem escreve uma história amorosa, a autora indica que ele é o mais comum dos homens, com todos os estereótipos possíveis já vistos.

Amálgama




Andrei Ribas

Autor, mais recentemente, de Animais loucos, suspeitos ou lascivos e Cada amanhecer me dá um soco. Vive em Santa Rosa-RS.


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