No sistema distrital puro, o deputado é uma espécie de vereador nacional; no proporcional com lista aberta e no distritão, sua atuação tem fortes interesses setoriais; no proporcional com lista fechada e no distrital misto, incentiva-se a atuação mais partidária.
Muito tem se discutido sobre reformas eleitorais, especialmente sobre alterações nas regras vigentes para a escolha de deputados e vereadores. Essa discussão, no entanto, raras vezes tem focado aquilo que deveria ser o seu fundamento inicial: afinal, o que esperamos e o que queremos de nossos deputados? Tentando amenizar este problema, aqui vão algumas ponderações sobre o tema.
Escolher entre voto distrital, proporcional ou misto é escolher também entre tipos diferentes de prioridades para a atuação parlamentar.
No voto distrital puro, o deputado é principalmente um representante de interesses locais. Ou seja, entre várias obras possíveis, ele vai priorizar a que atender diretamente a seu distrito; entre mudar políticas de saúde ou educação e a construção de um hospital ou uma escola na sua região, ele vai preferir a segunda opção; entre leis que afetem a economia de todo o país e uma iniciativa que crie mais empregos no seu local de eleição, ele terá mais incentivos para aderir a esta que àquela ideia.
No nosso sistema atual (proporcional com lista aberta) e com o distritão, esse tipo de atuação também é incentivado, mas ele é acompanhado de fortes interesses setoriais. Como é sabido, além de lideranças regionais, nosso Congresso está povoado por representantes de evangélicos de várias denominações, de católicos de várias ordens, de advogados, de professores, de médicos, de funcionários públicos de diversas categorias, de proprietários rurais, de sem-terra, de trabalhadores rurais, de líderes sindicais, de defensores de direitos de animais, de representantes de colônias italianas, alemãs e japonesas e até mesmo de torcidas de times de futebol.
Tanto no distritão quanto no sistema proporcional com lista aberta, qualquer grupo social organizado mais significativo consegue eleger, especialmente nos grandes estados, alguém para defender seus interesses no parlamento. Esse tipo de representação às vezes ajuda a controlar ímpetos mais locais, às vezes se soma a eles misturando interesses corporativos a interesses regionais. Um bom exemplo disto é a atuação conjunta das bancadas gaúcha e baiana do fumo.
O sistema proporcional com lista fechada e o distrital misto (que é muito mais uma maneira palatável de voto em lista fechada do que uma variação de voto distrital) incentivam uma atuação mais partidária. Os deputados priorizam nesse caso sua posição dentro do partido e a conquista dos eleitores que se identificam com ele. Interesses locais ou setoriais continuam a ter sua importância, mas passam se subordinar à estratégia e à imagem geral do partido. Isso quer dizer que tais demandas serão tão mais fortes quanto mais fortes forem a identificação, real ou pretendida, existente entre o partido e uma região ou setor social.
As três opções têm vantagens e desvantagens, têm bons argumentos a favor e contra si. O distrital efetivamente incentiva mais uma atuação que traga melhorias concretas e diretas ao cidadão, fazendo muito sentido iniciar tal experiência pelas câmaras municipais, circunscrição na qual esse tipo de atuação é mais relevante. O custo dessa opção, no entanto, é o enfraquecimento de demandas difusas e um incentivo ao personalismo e por vezes mesmo ao populismo. A lista aberta e, especialmente, o distritão equilibram melhor interesses locais e setoriais, mas enfraquecem os partidos, incentivam várias formas de corporativismo, e tornam o conjunto dos parlamentares algo meio disforme, com arranjos estranhos e alianças muito volúveis.
Lista fechada e distrital misto, por sua vez, não só fortalecem os partidos como tendem a lhes dar um caráter mais claro e mais identificável; as alianças passam a ter de fazer mais sentido do ponto de vista ideológico, sob risco da aniquilação eleitoral do partido. Em compensação, o caciquismo, o puxa-saquismo e a intransigência em questões políticas fulcrais grassam com muito mais facilidade, uma vez que passa a ser fundamental um bom relacionamento com a máquina partidária para ser colocado em uma boa posição na lista ou para ser escolhido candidato de um distrito de eleição mais fácil.
Por isso, antes de decidir qual regulamento é o melhor para nossas eleições, é importante se perguntar que tipo de parlamentar eu quero para mim, para meu município, meu estado e meu país. Com a resposta em mente, fica mais fácil decidir por esta ou por aquela opção.
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publicado inicialmente no Plano Político