O cientista e ativista ateu está de volta ao Brasil para uma série de eventos
Richard Dawkins está de volta ao Brasil, para participar da série Fronteiras do Pensamento. Ele dará palestras em Porto Alegre e São Paulo, e participará de eventos em outras cidades – seu livro de memórias, Fome de saber, acaba de ser publicado pela Companhia das Letras.
Dawkins é talvez um dos intelectuais mais importantes do nosso tempo. Não por acaso, é o cientista que os criacionistas e adeptos do intelligent design mais adoram odiar e criticar, biólogo evolutivo que ganhou fama com seu livro O gene egoísta, publicado originalmente em 1976.
Esse livro tem como ideia central o protagonismo dos genes no processo evolutivo. A partir dessa ideia, o autor resolve um paradoxo que me preocupava muito nas aulas de biologia sobre evolução no ensino médio: o que os professores chamavam de instinto de preservação da espécie. Isso faria com que os animais fossem solidários e adotassem estratégias de sobrevivência como um grupo. Nunca entendi bem o que faria com que um peixe ou um caramujo ou um polvo sacrificasse sua vida para que seu coleguinha de espécie sobrevivesse. Parecia muito paradoxal para animais com capacidade de raciocínio muito limitada ou nula. Até hoje pessoas escrevem artigos invocando esse “princípio”.
Na verdade, não tinha mesmo o que entender. Usando seu modelo e alguns algoritmos matemáticos, Dawkins desvenda o enigma: espécies que não apresentam traços de altruísmo e solidariedade simplesmente desaparecem ao longo do processo evolutivo. São extintas. Altruísmo é uma estratégia estável evolutivamente; ausência de altruísmo, não é.
A favor de minhas professoras de biologia, é importante notar que estudei exatamente quando o livro era publicado. Quando finalmente o li, na edição comemorativa ao seu trigésimo aniversário, fiquei tão fascinado que me perguntei se eu não teria seguido uma carreira em biologia evolutiva se o tivesse lido na época certa. As ideias de Dawkins foram fortemente criticadas por pesos pesados da biologia como Ernst Mayr ou Stephen Jay Gould. A ciência funciona assim: evolui a partir de críticas bem embasadas e consistentes.
Richard Dawkins não parou por aí. A Zero Hora propõe a leitura de 5 livros para entendê-lo. Um que eu gosto muito é O relojoeiro cego, de 1986. Ali, explica-se com uma linguagem acessível como é possível a evolução resultar em seres mais complexos sem a intervenção de uma mente suprema. Em outras palavras, é uma excelente aula de recuperação para os adeptos do intelligent design que faltaram à aula sobre a segunda lei da termodinâmica, ou nunca a estudaram, ou pior, não a entenderam.
Dawkins provavelmente não teria sido convidado para o evento do Fronteiras somente porque propôs uma teoria que explica o instinto de preservação da espécie, ou por ter explicado em linguagem simples a segunda lei da termodinâmica para adeptos do intelligent design. Mas é que ele aborda também uma questão fundamental na sociedade contemporânea em seu Deus, um delírio (gosto muito mais do título em inglês, The God delusion). Nessa obra, Dawkins toma uma posição extremamente lúcida e corajosa sobre o diálogo ciência-religião. Segundo ele, a existência ou não de um Deus (ou vários Deuses) é uma hipótese científica e pode ser testada. A resposta dos testes até agora tem sido: “Tudo indica que não existe um Deus (ou vários Deuses) determinando os processos naturais.” Isso é muito diferente do que outros intelectuais/cientistas vinham afirmando.
Para preservar uma boa convivência com o establishment religioso, o já citado Stephen Jay Gould criou a expressão magistérios não-interferentes (Non-overlapping magisteria, ou NOMA). Segundo Gould, “A ciência busca documentar o caráter factual do universo natural e desenvolver teorias que descrevem e explicam esses fatos. A religião, por outro lado, atua no igualmente importante, mas completamente distinto, reino dos propósitos humanos, significados e valores – assuntos que o domínio factual da ciência pode iluminar mas jamais resolver.” Esse dois reinos são o NOMA.
Obviamente, a visão de Gould é diplomática num contexto em que a grande maioria da população crê em um ou mais Deuses. Dawkins insiste que as pessoas são livres para acreditarem no que querem, mas é um erro estratégico a religião buscar legitimidade no domínio científico. É exatamente por isso que as ideias de Dawkins vão muito além da sua contribuição à teoria da evolução. É por isso que os religiosos e adeptos do intelligent design odeiam Dawkins e tentam sempre colocar em dúvida sua contribuição à ciência. É por isso que as ideias de Dawkins importam.
Leandro Tessler
Físico (UFRGS) Ph.D. (Universidade de Tel Aviv), Professor Associado do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.