Com a folga, Lula se dedica à campanha de 2018, que pode ser sua tábua de salvação para escapar definitivamente da cadeia.
Uma frase do ministro do STF Celso de Mello descreve bem nossa situação atual: “Vivemos tempos estranhos, tempos muito estranhos, em que se nota a perda de parâmetros, o abandono a princípios, o dito passando por não dito, o certo por errado, e vice-versa”.
De fato, é muito estranho que as pessoas estejam enjoadas de discutir política e economia justamente em um momento tão crucial da nossa história, quando temos uma presidente que foi eleita com um discurso, mas que governa com outro; quando vemos o principal partido da situação (PT) fazendo oposição ao próprio governo; quando vemos um ex-presidente falastrão, o principal responsável pela atual crise, já em plena campanha para a próxima eleição, usando o horário eleitoral para firmar posição contra o próprio governo; O maior aliado do governo, o PMDB, se comportaNDO também como oposição; uma oposição que tem receio de fazer oposição; uma multidão nas ruas que não se vê representada pelos partidos de oposição; partidos de oposição que planejam se fundir com partidos governistas justamente no momento em que o governo está mais enfraquecido; um governo que dilapidou a Petrobrás e que, ao mesmo tempo, patrocina manifestações em “defesa da Petrobrás”; um governo que se gaba de “investigar”, mas que, ao mesmo tempo, tenta, nos bastidores, melar as investigações e a reputação do corajoso juiz que resolveu de fato investigar; vemos um ministro do STF que foi advogado do PT julgando seus antigos clientes; e pior: temos agora um novo candidato ao STF, também ex-advogado do PT, com ideias ainda mais “progressistas” que o mais progressista dos juízes da corte bolivariana de Maduro.
Enfim, são tantas contradições que poucas são as pessoas que conseguem entender o que está realmente acontecendo. Daí a apatia generalizada. As pessoas estão decepcionadas, cansadas dos já corriqueiros escândalos de corrupção e sem esperanças, pois foram convencidas, pelo próprio PT, de que a corrupção é normal e que, portanto, não adianta exercitar o princípio da alternância tão caro à democracia.
Eis a mais trágica das heranças malditas do PT: a desesperança. O partido que chegou ao poder vendendo a ideia de que era um exemplo de ética e que iria “varrer os ratos do poder”, hoje tenta apenas convencer a população de que os outros partidos são tão corruptos quanto o próprio PT. Que ironia…
Diante de tantas reincidências, como acreditar agora na promessa do PT de expulsar do partido condenados pela Justiça? Por que não começaram expulsando José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares ou João Paulo Cunha?
Aliás, como acreditar na outra promessa do PT, de que não vai mais aceitar doações de empresas? Vejamos.
O PT é o partido mais endividado do Brasil, mesmo sendo o maior beneficiário das doações legais e ilegais nos últimos anos, o partido que mais recebe fundo partidário e o único que desconta 10% dos salários de todos os seus afiliados, sejam eles políticos ou indicados aos milhares de cargos de confiança espalhados por todas as esferas da administração pública. Ora, se com tudo isso o PT não consegue pagar suas próprias contas, como acreditar que vai sobreviver sem sua principal fonte de renda?
Claro que tal decisão levou em conta a triplicação da verba partidária, recentemente sancionada por Dilma, mas ainda assim tem que ser mesmo muito crédulo para acreditar em mais esta lorota do PT.
A estratégia de Lula, que até então ficava restrita às fofocas de bastidores, agora ficou escancarada no programa eleitoral do PT, que esconde Dilma e mostra Lula como porta-voz dos “novos rumos” do partido que tenta vender a ideia de que vai recuperar bandeiras há muito esquecidas, algumas até absurdas, como o calote na dívida externa, por exemplo, defendida no célebre “Caderno de Teses” da agremiação.
Diante de tantos absurdos, resta à militância petista se apegar a qualquer coisa que tenha alguma ligação com a retomada das bandeiras “progressistas”. Redução da maioridade penal, violência policial e terceirização, por exemplo, funcionam como tábuas de salvação, instrumentos de mobilização contra a tal “direita golpista”.
Ou seja, o PT governa o país há treze anos, aparelhou toda a máquina administrativa, indicou quase todos os ministros do STF, aliciou quase todos os partidos do país, aliciou os maiores empresários do país, usou as verbas publicitárias para chantagear a mídia, financiou a criação de vários veículos chapa branca, como confessado por um próprio integrante do governo, e ainda assim continua posando de vítima de um ente conspirador que não tem cara nem endereço.
E o que dizer do deus Lula? O cara que até bem pouco tempo era idolatrado pela maioria da população, tendo escapado ileso do caso Celso Daniel, do Mensalão e do Petrolão, agora envolvido até o pescoço com tudo que negou com o seu já folclórico “eu não sabia”?
Pois é. Mais uma vez, um aliado, Mujica, dá com a língua nos dentes e ajuda a confirmar aquilo que já não é novidade nem mesmo para o mais fanático dos seus seguidores: sim, Lula sabia do Mensalão. Claro que o PT atuou imediatamente para que Mujica colocasse panos quentes no assunto, jogando a culpa para os jornalistas que o ajudaram a escrever o livro, mas o fato é que o próprio Lula já admitiu que sabia do Mensalão perante o STF. Difícil é entender como fato tão relevante passou completamente despercebido pela tal “imprensa golpista”.
O mais relevante do caso Mujica é justamente o fato dele ser amigo de Lula. Ou seja, os escândalos no governo do PT chegaram a tal ponto que não precisam nem mesmo da oposição para trazê-los à tona. Foi assim com o escândalo que financiou a campanha da eleição de Lula em 2002, cujo “fogo amigo” levou a oito assassinatos, dois dos quais prefeitos do próprio PT; foi assim com o Mensalão delatado por um dos próprios beneficiados pelo esquema, Roberto Jefferson; e foi assim com o Petrolão, confessado por Paulo Roberto Costa, o “Paulinho do Lula”.
Aliás, Lula não apenas sabia como sempre foi o verdadeiro cabeça do esquema arquitetado já no primeiro ano de governo, como denunciado pelo ex-aliado Jefferson e por outro aliado, Marcos Valério, cuja tentativa de delação premiada foi negada com a justificativa de que as confissões de um delinquente não mereceriam crédito, da mesma forma que Lula tenta desqualificar agora as declarações do doleiro Youssef, esquecendo, no entanto, e muito convenientemente, que outros delinquentes (como Paulo Roberto, por exemplo) até bem pouco tempo faziam parte do seu círculo de amizades – Paulo Roberto foi inclusive um dos seletos convidados para o casamento da filha da presidente Dilma.
O estranho é que o mesmo Lula que saiu da toca para desqualificar as declarações de Youssef (que chegou a citar um caso de racha entre os participante do esquema da Petrobrás no qual Lula teve que intervir para que se achasse uma resolução), ficou caladinho em relação às declarações de Pedro Corrêa, segundo o qual foi o próprio Lula quem indicou o delinquente Paulo Roberto para o esquema da Petrobrás já no seu primeiro ano de governo. Aliás, Corrêa foi além, afirmando categoricamente que “Lula já deveria estar preso”.
O silêncio de Lula é compreensível, afinal o ex-advogado de Pedro Corrêa (também seu primo) foi destituído da defesa justamente por pregar a tese de que o cliente deveria abrir a boca de vez e contar tudo o que sabe.
Mas mesmo que Corrêa não fale mais nada, o fato é que as provas contra Lula já são contundentes. Pelo menos duas afirmações de Marcos Valério foram recentemente confirmadas. A primeira, sobre a chantagem do empresário Ronan Maria Pinto, suspeito de participar do assassinato de Celso Daniel, que ameaçava abrir a bico e arrastar Lula para o centro do escândalo – a PF confirmou o repasse de R$ 6 milhões ao empresário. A segunda informação de Valério, que já está sendo investigada em segredo pela PF e pelo Ministério Público de Portugal, confirma o pagamento de 2,6 milhões de euros de propina acertados entre Lula e o ex-presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, para que os portugueses tivessem “facilidades” na compra da Telemig. Vale lembrar que o próprio Lula chegou a mudar a lei de telecomunicações para permitir que a Telemar comprasse a Brasil Telecom.
Tem também o caso dos negócios escusos da Petrobrás na África, que envolvem Lula diretamente – os tais empréstimos secretos a ditaduras comunistas, alvos de CPI no Congresso -, a abertura de investigação pelo Ministério Público sobre o tráfico internacional de influência de Lula, o caso do triplex na praia do Guarujá, da reforma do sítio de seu filho, além da condenação expedida em 2013 que obrigou o ex-presidente a devolver aos cofres públicos R$ 9,5 milhões no caso do Mensalão, processo este anulado por uma brecha jurídica que impede que o presidente da República possa ser processado por improbidade administrativa; ou seja, o mérito do processo, julgado com fartas provas, inclusive com a assinatura de Lula, foi jogado para debaixo do tapete. Mais um caso explícito de blindagem da “imprensa golpista” a Lula, afinal o caso nunca teve a cobertura que deveria, a ponto de hoje pouquíssimas pessoas saberem da condenação de Lula.
Enfim, provas não faltam contra Lula. O que falta, como bem afirmou Pedro Corrêa, é coragem para colocá-lo na cadeia. Daí a sensação de desânimo generalizado, afinal nada mais prova nada, nem mesmo a confissão de vários integrantes do esquema. Como bem disse o juiz Celso de Mello, “o dito passando por não dito, o certo por errado, e vice-versa”. Enquanto isso Lula permanece livre para agir nos bastidores, falar besteiras quando acha conveniente, calar quando não quiser se incriminar e, claro, se dedicar à campanha de 2018, agora mais que nunca sua tábua de salvação para escapar da cadeia.
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Rafael Cherem
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