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A Lava Jato venceu (por enquanto)

por Horacio Neiva (24/05/2016)

A continuidade da Lava Jato não mais depende dos compromissos de Michel Temer.

lavajato

Há pouco mais de dois meses, a revista Veja divulgou áudios do então Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, com José Eduardo Marzagão, assessor do ex-senador Delcídio do Amaral. O teor das conversas: tentar convencer Delcídio a não firmar um acordo de delação premiada e, com isso, evitar que a Lava Jato causasse mais estragos no governo.

No amontoado de fatos e manchetes que se tornou o noticiário político brasileiro, talvez nem todos se lembrem do que Mercadante dizia nos áudios: Delcídio não deveria “fazer nenhum movimento precipitado” para “não ser um agente que desestabilize tudo”. Era preciso “construir com o Supremo uma saída”. Sobre Lewandowski, o ex-ministro de Dilma dizia: “eu posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída”.

Mercadante não foi demitido. Continuou como ministro de Estado até o afastamento de Dilma, em 12 de maio de 2016.

Poucos dias depois do vazamento do áudio de Mercadante, o Juiz Sérgio Moro levantou o sigilo de interceptações telefônicas do ex-presidente Lula e de pessoas próximas a ele. Se há pessoas que não se lembram dos áudios de Mercadante, poucos esqueceram os áudios de Lula: termo de posse — a ser utilizado apenas em caso de “necessidade”  — , pedidos para que Jaques Wagner intercedesse junto à Ministra Rosa Weber, e que Nelson Barbosa interferisse na Receita Federal, além de afirmações bastante diretas de que a equipe da Lava Jato “tinha que ter medo”, os áudios revelavam tanto preocupação quanto uma intenção coordenada de frear, de algum modo, o avanço da Lava Jato.

Lula foi nomeado Ministro da Casa Civil, e só não assumiu por conta de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, após uma batalha de ações populares ajuizadas no primeiro grau.

O PT não era e nem é o único partido envolvido na Lava Jato, assim como não é o único partido que, se pudesse, tentaria pará-la. Ainda que analistas tenham insistido que o PMDB chegaria ao poder para implementar um “acordão”, creio ser mais provável que o acordão estivesse na mesa de quem quer que chegasse  —  ou continuasse  —  no poder.

O problema, no entanto, não era propor um acordão, mas saber se ele seria realizável ou não. Em outras palavras: saber se ainda seria possível barrar a Lava Jato.

Os áudios vazados de Romero Jucá parece que trouxeram uma resposta. Temer, que poderia ter dado uma resposta imediata, não o fez. Se as informações divulgadas estiverem certas, sequer pretendia fazê-lo. Jucá era seu homem de confiança, um dos fiadores do novo governo no Senado e um dos principais apoiadores do impeachment.

Mas Jucá caiu no mesmo dia em que os áudios foram divulgados. Se antes ministros seguiam incólumes a vazamentos comprometedores, ou mesmo ganhavam ministérios quando ainda não o ocupavam, agora são demitidos  —  ou pelo menos, um dos mais importantes deles foi demitido  —  na sequência imediata da divulgação dos áudios.

Mérito de Temer? Não acredito.

O que garantiu a queda imediata de Jucá não foi o compromisso de Temer com a continuidade da Lava Jato: foi o fato de a continuidade da Lava Jato não mais depender dos compromissos de Temer. O governo não teria força para sustentar um político acusado de tentar interferir na operação. O que mudou?

Na iminência da queda de Dilma, petistas, antes na linha de frente das críticas à operação, passaram a afirmar que a presidente afastada seria a única garantia de continuidade da Lava Jato. Temer, após assumir, incluiu em seu discurso de posse o compromisso com a operação, que seria, segundo ele, um “patrimônio nacional”.

Há, contudo, bons argumentos para questionar a veracidade dessas afirmações. PT e PMDB estão igualmente comprometidos no escândalo de corrupção envolvendo governo federal e Petrobras e já deram provas de que, se pudessem, tentariam restringir as investigações.

Mas será que podem?

Partidários do impeachment, incluindo o Movimento Brasil Livre, reagiram aos áudios de Jucá e disseram que não aceitariam interferências na Lava Jato. Partidários da tese do “golpe” disseram que a tentativa de barrar a Lava Jato era a prova cabal da ilegitimidade do novo governo.

Os dois lados, no entanto, adotaram a premissa de que “interferir na Lava Jato” é atitude intolerável. Acusar um opositor de estar minimamente envolvido na Lava Jato tornou-se argumento relevante; a garantia da operação passou a ser trunfo político; ser acusado de interferir com a investigação, atitude inaceitável.

Não se pode dizer que os atores políticos tenham passado a “aceitar” a Lava Jato. Na verdade, foram obrigados a aceitá-la. Ver os mesmos petistas que há alguns meses criticavam a operação tornarem-se seus maiores defensores é sinal de que algo mudou. Temer não pôde manter Jucá por mais de um dia porque fazê-lo iria colocá-lo em rota de colisão com a defesa intransigente da Lava Jato que a população passou a exigir do sistema político.

Isso prova que a estratégia do juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Força Tarefa foi, até o momento, exitosa: conseguir o apoio da população sempre foi um dos objetivos mediatos da operação. No clima de total instabilidade política que vive o Brasil, esse apoio não é irrelevante.

A Lava Jato se impôs ao sistema que está investigando. Tornou-se difícil enfrentá-la sem arcar com o custo político, social  e mesmo penal que essa atitude envolveria. Isso, é claro, não é garantia de que a operação seguirá sem solavancos. No nosso sistema judicial, parte importante do sucesso da Lava Jato dependerá da atuação de instâncias superiores  —  como STJ e STF —  mais permeáveis a influências políticas.

O caso de Romero Jucá, no entanto, revela que o sistema político não está mais no controle do futuro da operação. Por enquanto, a Lava Jato venceu.

Horacio Neiva

Mestre em Teoria do Direito pela USP.